O lugar no contexto

(1) Entidade geográfica mencionada

ilha do ouro. ilha do ouro 13(1), 14(1), 20(1).

Nas orações: 135, 153, 229.

  1. [135](Cap. 13) Ao tempo que Pero de Faria chegou a esta fortaleza de Malaca, estaua nella por Capitaõ dom Esteuão da Gama, & esteue ainda algũs dias ate acabar o seu tempo, porem como Pero de Faria era Capitão chegado de nouo, & que ainda então começaua o seu tẽpo, despois de auer algũs dias que era chegado à fortaleza, os Reys comarcaõs della o mandaraõ visitar por seus Embaixadores, & darlhe os parabẽs da sua capitania, com offerecimentos de muyta amizade & cõseruação de pazes com el Rey de Portugal, entre os quais veyo hum del Rey dos Batas, que habita na ilha Çamatra da parte do Oceano, onde se presume que jaz a ilha do ouro que el Rey dom Ioaõ o terceyro algũas vezes tentou mandar descubrir, por informaçoẽs que destas partes algũs Capitaẽs lhe escreueraõ.
  2. [153](Cap. 14) E cometeome se queria eu lá yr, porque leuaria nisso muyto gosto, para so color de Embaixador yr visitar de sua parte o Rey dos Batas, & yr tambem com elle ao Achem, para onde então se estaua fazendo prestes, porque quiça me montaria isso algum pedaço de proueito, & para que de tudo o que visse naquella terra lhe desse verdadeyra informação, & se ouuia tambem là praticar na ilha do ouro, porque determinaua de escreuer a sua alteza o que nisso passasse.
  3. [229](Cap. 20) E lhe trouxe tambem por escrito a informaçaõ da ilha do ouro, que me elle muyto encomendara, a qual, segundo todos dizem, jaz ao mar deste rio de Calandor em cinco graos da parte do Sul, cercada de muytos baixos, & de grandes correntes, & que pode distar desta ponta da ilha Çamatra, atè cento & sessenta legoas pouco mais ou menos.

(2) Objecto geográfico interpretado

Ilha. Parte de: Oceano.

Jaime Cortesão (1981: 1204-5) explica esta ilha, procurada por portugueses e mais tarde holandeses durante os séculos XVI e XVII, como exemplo de um falso induzimento dos samatranenses e comerciantes da Ásia aos europeus. A ilha do ouro era a própria Samatra para os Orientais na idade média e esta tradição passa aos portugueses na Índia (Cortesão, 1981: 1204) onde já nos antigos textos se denominava Suvarnadvipa, isto é, ‘a ilha Dourada’ (Albuquerque, 1994: 724). Não obstante, desde princípios do século XVI, os portugueses, apesar de conhecerem que na parte meridional da Samatra há grande quantidade de ouro, iníciam uma série de expedições de carácter oficial para procurarem uma ilha fora e relativamente longe da Samatra. Assim na expedição encomenda por Diogo Lopes de Sequeira, governador de 1518 a 1521, para buscar a ‘Ilha do Ouro’, Diogo Pacheco percorre os portos da Samatra e recolhe informação que situa a ilha mais de cem léguas a sueste (Cortesão, 1981: 1204), isto é, em direcção a Austrália. Estas pesquisas para a região sueste da Samatra foram continuadas ‘infatigavelmente’ e ’em todos os sentidos’ pelos portugueses e holandeses durante mais de um século (Cortesão, 1981: 1204). A Peregrinação confirma que houve viagens ordenadas pelo Rei D. João III (cap. 13) e FMP relata-nos (cap. 20) como ele próprio entrega por escrito na Malaca as informações que obtivera sobre a Ilha do Ouro na Samatra para a que dá ademais uma localização:

“segundo todos dizem, jaz ao mar deste rio de Calandor em cinco graos da parte do Sul, cercada de muytos baixos, & de grandes correntes, & que pode distar desta ponta da ilha Çamatra, atè cento & sessenta legoas pouco mais ou menos.”

Há que reparar que FMP, nesta ocasião em que o seu conhecimento geográfico não parte da experiência directa, deixa claro que está recebendo informação de terceiros, ainda que lhe dá carácter de opinião unánime: ‘segundo todos dizem’. Para J. Cortesão uma das dificuldades que os Portugueses tiveram de enfrentar nos Descobrimentos foram os enganos e a prática do segredo geográfico por parte de gentes experimentadas nas rotas comerciais e cita como caso mais singular a ilha de ouro (1981:1202-5). Isto é, FMP receberia uma informação intencionalmente errada que procurava precisamente afastar os portugueses dos recursos auríferos, aliás, testemunhados repetidamente pelo próprio Pinto na Samatra: ‘ouro de Menancabo’ (caps. 20, 35), ‘ouro em pô, como o da ilha Çamatra’ (cap. 48), ‘muyto ouro em pó, como o de Menancabo da ilha Çamatra’(cap. 166). Ainda que a verdadeira ilha de ouro que os europeus buscaram durante dois séculos provavelmente fosse uma parte da Samatra, situo no mapa conforme ao que, seguindo J. Cortesão sobre o conhecimento de Austrália (1981: 1282-1307) e neste momento particular da minha investigação, entendo pode ser uma interpretação comum da época. Na minha opinião, e apenas é uma opinião, considerando

1) que a busca da ‘Ilha do Ouro’ tinha um carácter prioritário pois era iniciativa real (cap. 13),

2) que as expedições na sua procura eram do máximo rigor, isto é, segundo regimento (cap. 20),

3) que estas expedições empeçaram muito cedo no XVI e continuaram durante todo o século (Cortesão 1981: 1204) e

4) que a zona que procuravam era o sueste da Samatra (ibidem e FMP cap. 20),

necessariamente tiveram que arribar a Austrália como, aliás, parece revelar a própria cartografia da época (Cortesão, 1981: 1305). Porém, a enorme magnitude desta ilha, a política de sigilo, as expectativas económicas que uma ‘Ilha do Ouro’ podia gerar e, finalmente, o não dar achado o ouro que buscavam, explica a ausência de informação ao respeito. Parece, contudo, haver mais do que evidências suficientes para considerar bem fundada uma noção da existência da Austrália e que as viagens realizadas para o seu reconhecimento eram feitas conforme à busca da ‘Ilha do Ouro’, pelo menos por parte de Portugueses e Holandeses. Situo, portanto, identificando ‘Ilha do Ouro’ com Austrália dentro de um marco de relacionamento geográfico que responde ao momento histórico, motivações e imaginário das navegações do XVI.

Só possível.

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