O lugar no contexto

(1) Entidade geográfica mencionada

Sião. Siame 165(1), 183(1), 184(1), 185(1).

Nas orações: 2413, 2722, 2746, 2766.

  1. [2413](Cap. 165) Braço de caro ruby, nouamente pegado por Deos em meu corpo, cuja carne fica propriamente em mim como a de qualquer irmaõ meu por esta noua liga & amizade que te concedo, eu o Prechau Guimião senhor das vinte & sete coroas dos montes da terra, erdadas por legitima successaõ do senhor que punha seus peis na minha cabeça de vinte & dous meses a esta parte, porque tãtos ha que de mim se apartou para mais me não ver, pela santificaçaõ em que sua alma agora está posta, gostando da suaue quentura dos rayos do Sol, vy a tua carta ás cinco chauecas da oitaua lũa do anno, a que dey credito de verdadeyro irmão, & como a tal aceito em mim o partido que me cometes, & me obrigo a te fazer liures as entradas ambas do Sauady, paraque sem temor da gẽte Siame possas ser Rey do Auaa, como na tua carta me pedes, & quãto âs mais condiçoẽs apõtadas de fora em que o teu Embaixador me tocou, eu respõderey a ellas pelo meu que logo daquy mandarey, para em meu nome concluyr cõ effeito no gosto que mostras de fazeres guerra a teus inimigos.
  2. [2722](Cap. 183) Chegado este solenne dia, a que elles chamão Oniday pileu, que quer dizer alegria dos bõs, os Portugueses todos, que serião sessenta o setenta, se puseraõ num certo passo de hũa rua das noue por onde el Rey auia de passar com grande apparato & magestade, & tanto que elle emparelhou com elles, se prostrarão todos por terra, ao modo Siame, & relatandolhe hum delles que foy eleito para isso todo o caso do Luis de Montarroyo & dos companheyros como passara, lhe pedio de esmolla a soltura daquelles perdidos, sem lhe tratar da fazenda que o Xabandar tinha tomada, por se não atreuer a tanto, nẽ lhe parecer razão.
  3. [2746](Cap. 184) E apareceraõ por todas as ruas homẽs a cauallo, vestidos de damasco branco, que ao som de instrumentos suaues dezião chorando em vozes muyto altas; ouuy, ouuy, desconsolados moradores deste reyno Siame o que se vos notifica da parte de Deos, & com coraçoens humildes & limpos louuay todos o seu santo nome, por quão justas saõ as cousas do seu diuino juizo, & sahy alegres de vossos encerramentos, cantando louuores de sua bondade, pois lhe aprouue daruos Rey nouo temẽte a elle, & amigo dos pobres.
  4. [2766](Cap. 185) E deixando tambem a parte tudo o que mais socedeo neste reyno Siame, direy sómente o em que pararaõ estas cousas todas, que aos curiosos cuydo que não deixarâ de dar gosto.

Siames 1(1), 48(1), 57(1), 68(1), 149(1), 151(1), 159(1), 185(1), 186(1).

Nas orações: 3, 588, 697, 827, 2111, 2147, 2261, 2772, 2778.

  1. [3](Cap. 1) Mas por outra parte quãdo vejo que do meyo de todos estes perigos & trabalhos me quis Deos tirar sempre em saluo, & porme em seguro, acho que não tenho tanta razão de me queixar por todos os males passados, quãta de lhe dar graças por este só bẽ presente, pois me quis conseruar a vida, paraque eu pudesse fazer esta rude & tosca escritura, que por erança deixo a meus filhos (porque só para elles he minha tenção escreuella) paraque elles vejão nella estes meus trabalhos, & perigos da vida que passei no discurso de vinte & hũ ãnos em que fuy treze vezes catiuo, & dezasete vendido, nas partes da India, Etiopia, Arabia felix, China, Tartaria, Macassar, Samatra, & outras muitas prouincias daquelle oriental arcipelago, dos confins da Asia, a que os escritores Chins, Siames, Gueos, Elequios nomeão nas suas geografias por pestana do mũdo, como ao diante espero tratar muito particular, & muito diffusamente, & daqui por hũa parte tomem os homẽs motiuo de se não desanimarem cos trabalhos da vida para deixarem de fazer o que deuem, porque não ha nenhũs, por grandes que sejão, com que não possa a natureza humana, ajudada do fauor diuino & por outra me ajudem a dar graças ao Senhor omnipotente por vsar comigo da sua infinita misericordia, a pesar de todos meus peccados, porque eu entendo & cõfesso que delles me nacerão todos os males que por mim passarão, & della as forças, & o animo para os poder passar, & escapar delles com vida.
  2. [588](Cap. 48) Neste tempo começando ja aventar a viração, se fez à vella com muyta festa & regozijo, & as gaueas toldadas de seda, & com sua bandeyra de veniaga à Charachina; paraque os que assi o vissem, entendessem que era elle mercador, & não gente de outra maneyra, & daly a hũa hora surgio no porto defronte do caiz da cidade, & fez sua salua cõ pouco estrondo de artilharia, ao que logo de terra vieraõ dez ou doze almadias com muyto refresco, & com tudo estranhandonos, & vẽdo no nosso trajo & aspeito que não eramos Siames, nẽ Iaos, nem Malayos, nem outras naçoẽs que ja tinhão vistas, disserão, tão proueitosa nos seja a todos a aluorada da fresca menham, quão bem assombrada parece esta tarde na presença do que temos diãte dos olhos.
  3. [697](Cap. 57) a que elles responderaõ, despois de termos pelejado às bombardadas obra de hũa hora ou hora & meya, os tres juncos grandes nos abalroaraõ cinco vezes, & das grandes pancadas que nos deraõ, nos abrio o nosso hũa grande agoa pela roda de proa, & tão grossa, que com ella nos hiamos ao fundo, a qual foy a principal causa da nossa perdiçaõ, porque querendoa tomar, nos era forçado baldear muyta fazẽda para yrmos dar com ella, & occupando nisto a gente, apertauão os inimigos com nosco de maneyra, que para nos defendermos nos era tambem forçado deixarmos o que faziamos por acudirmos acima, & estando nós neste trabalho, & com a mor parte da gente ferida, & algũs tambem ja mortos, se ateou o fogo em hum dos seus juncos, & pegando no outro que estaua junto delle, lhes foy forçado largarẽ as abalroas se desempeçarem hum do outro, o que não puderaõ fazer tanto a seu saluo por muyto que nisso trabalharaõ, que hum delles não ardesse até o lume da agoa, & toda a gente delle se lãçou ao mar, de que se afogou a mayor parte, neste tempo acabou o nosso junco de assentar sobre a estacada das pesqueyras que estauão junto do arrecife antes que cheguem â boca do rio onde agora està o pagode dos Siames.
  4. [827](Cap. 68) Nesta lanteaa se embarcou Antonio de Faria, & chegando ao caiz com grande estrondo de trombetas, charamellas, ataballes, pifaros, atambores, & outros muytos tangeres de Chins, Malayos, Champaas, Siames, Borneos, Lequios, & outras nações que aly no porto estauão à sombra dos Portugueses, por medo dos cossayros de que o mar andaua cheyo, o desembarcarão della em huma rica cadeyra de estado, como Chaem do gouerno dos vinte & quatro supremos que ha neste imperio, a qual leuauão oito homens vestidos de telilha, com doze porteyros de maças de prata & sessenta albardeyros com panouras & alabardas atauxiadas de ouro, que tambem vierão alugadas da cidade, & oito homens a cauallo com bandeyras de damasco branco, & outros tantos com sombreiros de citim verde, & cramesim, que de quando em quando bradauão â Charachina, paraque a gente se afastasse das ruas.
  5. [2111](Cap. 149) E querendo este Rey Bramaa por grandeza de estado festejar esta entrega do Chaubainhaa, mandou que todos os capitaẽs estrangeyros com sua gente armada & vestida de festa se pusessem em duas fileyras a modo de rua para vir por ella o Chaubainhaa, o que logo foy feito, & esta rua tomaua desda porta da cidade até a sua tenda que seria distancia de dous terços de legoa, na qual rua estauão trinta & seys mil estrangeyros, de quarenta & duas naçoẽs, em que auia Portugueses, Gregos, Venezeanos, Turcos, Ianiçaros, Iudeus, Armenios, Tartaros, Mogores, Abexins, Raizbutos, Nobins, Coraçones, Persas, Tuparaas, Gizares, Tanocos da Arabia Felix, Malauares, Iaos, Achẽs, Moẽs, Siames, Lusoẽs da ilha Borneo, Chacomaas, Arracoẽs, Predins, Papuaas, Selebres, Mindanaos, Pegùs, Bramâs, Chaloẽs, Iaquesaloẽs, Sauadis, Tãgus, Calaminhãs, Chaleus, Andamoens, Bengalas, Guzarates, Andraguirees, Menancabos, & outros muytos mais a que não soube os nomes.
  6. [2147](Cap. 151) Detras destes vinha o Chau seroo Siammom cõ tres mil Siames de espingardas & lanças todos juntos nũa pinha, & no meyo delles vinha hũa grãde copia de molheres, que segũdo se ahy disse, erão cẽto & quarẽta, atadas todas de quatro em quatro, acõpanhadas de talagrepos de austera vida, que saõ como entre nòs frades capuchos, que as vinhaõ esforçando naquelle trance da morte que auião então de padecer.
  7. [2261](Cap. 159) Hum destes se fez no dia da Lũa noua de Dezẽbro, que foy aos noue do mes, & he o dia em que esta gentilidade custuma a celebrar hũa festa a que a gente desta terra chama Massunteriuoo, & os Iapoẽs lhe chamão Forioo, & os Chins Manejoo, & os Lequios Chãpàs, & os Cauchins Ampatilor, & os Siames, Bramás, Pafuâs, & Çacotais lhe chamão Sansaporau de maneyra que ainda que pela diuersidade das lingoas os nomes em sy saõ differentes, todos na nossa lingoagem querem dizer hũa mesma cousa, que he memoria de todos os mortos.
  8. [2772](Cap. 185) E pondolhe o Rey Bramaa cerco, lhe deu tres assaltos a escalla vista, cometendoa toda em roda com muytas escadas que ja para isso trazia, & não a podendo entrar daquella vez pela grande resistencia que achou nos de dentro, se veyo retirando para a parte do rio, onde por conselho de Diogo Soarez, que era general do cãpo, & por quẽ se elle gouernaua, a bateo com quarenta peças de artilharia grossas, de que a mayor parte tiraua ferro coado, & derrubandolhe hum lanço de muro de doze braças, a cometeo com dez mil estrangeyros em que entrauão muytos Turcos, Abexins, Mouros Malauares, & os mais Achẽs, Iaos, & Malayos, & trauandose entre huns & outros hũa aspera briga, em espaço de quasi meya hora os de dentro, que erão seis mil Siames, forão todos consumidos, sem nenhum delles se querer entregar, & o Bramaa perdeo dos seus quasi tres mil, de que mostrou sentimento; & para se satisfazer deste dano, mandou meter á espada todas as molheres, que pareceo muito grande crueldade.
  9. [2778](Cap. 186) O que vendo o general do campo Diogo Soarez, & a pouca conta que os Siames fazião de tamanho poder como aly era junto, não sabendo a que o atribuisse, determinou de effeituar o para que aly era vindo, & para isto da mayor parte da gente estrangeira, que podião ser oitenta mil homens, fez dous esquadroens separados por si, em cada hum dos quais auia oito batalhas de cinco mil homẽs cada hũa.

Sião 17(1), 33(1), 36(5), 37(1), 39(1), 41(3), 44(1), 53(1), 55(2), 57(1), 58(1), 66(1), 76(1), 81(1), 82(1), 84(1), 86(1), 88(1), 91(1), 92(1), 95(1), 96(1), 100(1), 112(1), 122(1), 124(1), 128(1), 143(1), 144(1), 146(3), 148(1), 167(1), 181(8), 182(5), 183(5), 184(1), 185(2), 186(2), 189(3), 190(1), 200(4), 215(1), 220(1).

Nas orações: 187, 381, 415, 419, 420, 421, 437, 460, 492, 495, 499, 527, 637, 658, 674, 690, 710, 800, 923, 971, 985, 1014, 1026, 1048, 1110, 1134, 1176, 1191, 1281, 1500, 1637, 1677, 1738, 1991, 2009, 2035, 2044, 2078, 2470, 2683, 2684, 2685, 2690, 2691, 2692, 2693, 2694, 2698, 2701, 2714, 2716, 2717, 2718, 2728, 2758, 2763, 2771, 2786, 2790, 2813, 2814, 2841, 3015, 3016, 3029, 3372, 3466.

  1. [187](Cap. 17) E ficando com isto ambos quietos mais quatro dias, apareceo hũa menham no meyo do rio contra a parte do Penacão hũa armada de oitenta & seis vellas, com grande regozijo de tangeres & estas, & com muytos estendartes & bandeiras de seda, que aos Batas meteo em grande confusaõ, por não saberẽ o que era, porem as suas espias tomaraõ aquella noite cinco pescadores, os quais metidos a tormento confessaraõ que era a armada que o Rey Achem auia dous meses tinha mandado a Tanauçarim, porque tinha guerra co Sornau Rey de Sião, na qual disseraõ que vinhão cinco mil homẽs Lusoẽs, & Borneos, gente toda escolhida, & por Capitão mòr delles hum Turco por nome Hametecão, sobrinho do Baxà do Cayro.
  2. [381](Cap. 33) Sendo eu, como ja atras tenho dito, cõualecido da doẽça que trouxe do catiueyro de Siaca, Pero de Faria desejando de me abrir algũ caminho por onde eu viesse a ter algũa cousa de meu, me mandou em hũa lanchara de remo ao reyno de Pão, cõ dez mil cruzados de sua fazẽda, para os entregar a hũ seu feitor que là residia, por nome Tomé Lobo, & dahy me passar a Patane, que era outras cem legoas auante, cõ hũa carta & hũ presente para o Rey, & tratar cõ elle a liberdade de hũs cinco Portugueses que no reyno de Sião estauão catiuos do Monteo de Banchà seu cunhado.
  3. [415](Cap. 36) Este Antonio de Faria trazia hũs dez ou doze mil cruzados em roupas da India que em Malaca lhe emprestaraõ, as quais eraõ de tão mà digestaõ naquella terra, que não auia pessoa que lhe prometesse nada por ellas, pelo que vendose elle de todo desesperado de as poder gastar, determinou de inuernar aly até lhe buscar espediente por qualquer via que fosse possiuel; & foy acõselhado por algũs homẽs mais antiguos na terra que a mandasse a Lugor, que era hũa cidade do reyno Sião mais abaixo para o norte cem legoas, por ser porto rico, & de grande escala, em que auia grande soma de jũcos da ilha da Iaoa, dos portos de Laue, Tanjampura, Iapara, Demaa, Panaruca, Sidayo, Passaruaõ, Solor, & Borneo, que a troco de pedraria & ouro costumauão a comprar bem aquellas fazendas.
  4. [419](Cap. 36) E as nouas que ahy achamos foraõ taõ boas, que na veniaga esperauamos de dobrar o dinheyro quasi seis vezes, & no mais auia segurança para todos, com liberdade & franquia por todo aquelle més de Setembro, conforme ao estatuto do Rey de Sião, por ser o mès das Çumbayas dos Reys.
  5. [420](Cap. 36) E paraque se isto milhor entenda, he necessario saberse que em toda esta costa do Malayo, & por dẽtro do sertão domina hum grande Rey, que por titulo famoso sobre todos os outros se chama Prechau Saleu Emperador de todo o Sornau, que he hũa prouincia de treze reynos a que vulgarmẽte chamamos Sião, ao qual saõ sogeitos, & pagaõ pareas cada anno catorze Reys pequenos, os quais por costume antigo eraõ obrigados a irem pessoalmente todos os annos à cidade Odiaa metropoli deste imperio Sornau, & reyno Sião, leuar estas pareas que eraõ obrigados pagar, & fazeremlhe a çumbaya, que era beijaremlhe o treçado que tinha na cinta.
  6. [421](Cap. 36) E porque esta cidade está cinquenta legoas, pela terra dentro, & as correntes do rio saõ muyto grandes, pela qual razão se acontecia inuernarem lá estes Reys muytas vezes, com muyta despesa de suas fazendas, informado o Prechau Rey de Sião disto por petiçaõ que todos os catorze Reys lhe fizeraõ, ouue por bẽ mudarlhe esta sugeição taõ graue noutra mais leue, & ordenou que daly por diante ouuesse nesta cidade de Lugor hum Visorrey, a que em sua lingoa chamão, Poyho, ao qual estes catorze Reys de tres em tres annos viessem pessoalmente dar obediencia, como antes custumauão dar a el Rey, & pagassem então por junto todas as pareas que cada hum deuesse de todos tres annos, & que naquelle mès em que elles viessem dar aquella obediencia, os franqueaua em suas fazendas, & a todos os mais mercadores que naquelle mès entrassem & saissem, assi naturaes como estrangeiros.
  7. [437](Cap. 37) Esta honrada molher em nos vendo assi feridos, & com as camisas & calçoẽs enuoltos em lama & em sangue, nos mãdou logo lauar com muytos baldes de agoa, & dar a cada hum seu panno com que por então nos cubrimos, & fazendonos assentar junto de sy, nos mandou trazer de comer, & ella mesma nolo pôs diante por sua mão, & nos disse, comey vosoutros pobres estrangeyros, & não vos desconsoleys por vos verdes dessa maneyra; porque aquy estou eu, que sou molher & não tão velha que passe de cinquenta annos, & ha menos de seis que me vy catiua & roubada de mais de cem mil cruzados que tinha de meu, & com tres filhos mortos, & hum marido a quem queria mais que aos olhos com que o via, & todos assi pay como filhos, & dous irmãos, & hum genro vy despedaçados nas trombas dos alifantes del Rey de Sião, & cõ vida cansada & triste coey todos estes males & desgostos, & outros quasi tamanhos, quais forão ver pela mesma maneyra tres filhas donzellas, & minha mãy, & meu pay, & trinta & dous parentes meus sobrinhos & primos, metidos em fornos acesos, dando tamanhos gritos que rompião o Ceo, paraque Deos os valesse naquelle tormento tão insofriuel, mas forão meus peccados tamanhos que cerrarão as orelhas à clemencia infinita do Senhor de todos os senhores, paraque não ouuisse esta petição que a mim parecia ser justa, mas na verdade o que elle ordena isso he o milhor.
  8. [460](Cap. 39) E auendo ja sete dias que velejauamos por nossa derrota, ouuemos vista de hũa ilha que se dizia Pullo Condor em altura de oito graos & hum terço da parte do norte, & quasi noroeste sueste com a barra de Camboja, & rodeandoa por todas as partes, descubrimos ao rumo de leste hum bom surgidouro que se chamaua Bralapisaõ, que demoraua da terra firme pouco mais de seis legoas, no qual achamos hũ junco de Lequios que hia para o reyno de Sião, com hum Embaixador do Nautaquim de Lindau, Principe da ilha da Tosa, em altura de trinta & seis graos, o qual em nos vendo se fez logo a vella.
  9. [492](Cap. 41) E fez seu caminho ao longo da costa do reyno Champaa, pela não esgarrar cos vẽtos lestes, que o mais do tempo cursaõ naquelle clima muyto tempestuosos, principalmente nas conjunçoẽs das lũas nouas & cheyas; & logo a sesta feira seguinte sendo tanto auante como o rio a que os naturaes da terra chamão Tinacoreu, & os nossos a varella, lhe pareceo bem por conselho de algũs entrar dentro nelle, para ahy tomar informação de algũas cousas que desejaua saber, & para tambem ver se achaua ahy nouas do Coja Acem que hia buscar, porque todos os juncos de Sião, & de toda a costa do Malayo que nauegauão para a China, custumauão fazer suas escallas neste rio, & ás vezes vendem bem suas fazendas a troco de ouro, & Calambaa, & marfim, de que em todo este reyno ha muyto grande quantidade.
  10. [495](Cap. 41) E perguntandolhe elles donde era, ou o que queria, lhe disse elle, que era do reyno de Sião do bairro dos estrãgeyros de Tanauçarim, & que hia de veniaga como mercador que era para a ilha dos Lequios a fazer sua fazenda, & que não entrara aly a mais que a saber de hũ mercador seu amigo que se chamaua Coja Acem que tambem para là hia, se era ja passado adiante, pelo que logo se queria tornar, assi por não perder a moução, como por tambem ter entendido que não podia aly vẽder o que leuaua.
  11. [499](Cap. 41) E no meyo de toda esta terra, ou reyno, como ja foy antiguamente, està hum grande lago, a que os naturaes da terra chamão Cunebetee, & outros o nomeão por do Chiammay, do qual procede este rio com outros tres mais que regão muyto grande quantidade desta terra, o qual lago, segundo affirmão os que escreueraõ delle, tem em roda sessenta jaõs, de tres legoas cada jão, ao longo do qual ha muytas minas de prata, cobre, estanho, & chumbo, de que continuamente se tira muyta quantidade destes metais que de veniaga leuão mercadores em cafilas de alifantes & badas aos reynos de Sornau, que he o de Sião, Passiloco, Sauady, Tangù, Prom, Calaminhan, & outras prouincias que pelo sertão desta costa de dous & tres meses de caminho estão diuididas em senhorios & reynos de gentes brancas, de baças, & de outras mais pretas.
  12. [527](Cap. 44) E concluydo por fim de todos estes varios pareceres, no milhor & mais seguro, mandou leuantar bandeyra de veniaga ao custume da China, pelo que logo vierão da terra duas lanteaas, que saõ como fustas com muyto refresco, & os que vinhão nellas, despois de fazerẽ suas saluas, entraraõ dentro no junco grande em que vinha Antonio de Faria, porem vendo nelle gente que atê então nunca aly tinhão visto, ficarão muyto espantados, & perguntãdo que homẽs eramos, ou que queriamos, lhes foy respõdido que eramos mercadores naturais do reyno de Sião, & que vinhamos aly a fazer fazenda cõ elles, se para isso nos dessem licença, a que hum homem velho que parecia de mais autoridade, respondeo que sy, mas que aquelle lugar onde estauamos não era o onde ella se fazia, se não outro porto mais adiante que se chamaua Guamboy, porque nelle estaua a casa do contrato da gente estrangeyra que a elle vinha, como em Cantão, & no Chincheo, & Lamau, & Comhay, & Sumbor, & Liampoo, & outras cidades que estauão ao longo do mar para desembarcaçaõ dos nauegantes que vinhão de fora, pelo qual lhe aconselhauão como a cabeça dos membros que trazia debaixo do seu gouerno, que logo se fosse daly, porque como aquelle lugar não seruia de mais que de pescaria de perolas para o tisouro da casa do filho do Sol, na qual por regimento do Tutão de Comhay, que era o supremo Gouernador de toda aquella Cauchenchina, não podião andar mais que sós aquellas barcaças que para isso estauão determinadas, todo o outro nauio que se achaua aly mais, era logo por pena de justiça queimado com toda a gente que nelle vinha.
  13. [637](Cap. 53) Avendo ja sete meses & meyo que continuauamos nesta enseada de hum bordo no outro, & de rio em rio, assi em ambas as costas de Norte & Sul, como na desta ilha de Ainão, sem Antonio de Faria em todo este tempo poder ter nouas nem recado de Coja Acem, enfadados os soldados deste trabalho em que aulia tanto tempo que continuauão, se ajuntaraõ todos, & lhe requereraõ que do que tinhaõ aquirido lhes desse suas partes conforme a hum assinado que delle tinhaõ, porque com isso se querião yr para a India, ou para onde lhes bem viesse, & sobre isto ouue assaz de desgosto & enfadamentos, por fim dos quais se concertaraõ em irẽ inuernar a Sião, onde se venderia a fazenda que trazião nos juncos, & que despois de ella ser feita em ouro se faria a repartição que requeriaõ, & com este concerto jurado & assinado por todos, se vieraõ surgir a hũa ilha que se dezia dos ladroẽs, por estar mais fora da enseada que todas as outras, para dahy cõ as primeyras bafugẽs da monção fazerem sua viagem, & auendo ja doze dias que aquy estauão, & todos com muyto desejo de darem effeito a isto que tinhaõ assentado, quiz a fortuna que com a conjunçaõ da lũa noua de Oitubro, de que nos sempre tememos, veyo hum tempo tão tempestuoso de chuuas & vẽtos que não se julgou por cousa natural, & como nòs vinhamos faltos de amarras, porque as que tinhamos eraõ quasi todas gastadas, & meyas podres, tanto que o mar começou a se empollar, & o vento Sueste nos tomou em desabrigado, & trauessaõ à costa, fez hum escarceo taõ alto de vagas taõ grossas, que com quanto se buscaraõ todos os meyos possiueis para nos saluarmos, com cortar mastos, desfazer chapiteos & obras mortas de popa & de proa, alijar o conuès, guarnecer bõbas de nouo, baldear fazẽdas ao mar, & ahustar calabretes & viradores para talingar em outras ancoras com a artilharia grossa que se desencarretara dos repairos em que estaua, nada disto nos bastou para nos podermos saluar, porque como o escuro era grãde, o tempo muyto frio, o mar muyto grosso, o vento muyto rijo, as agoas cruzadas, o escarceo muyto alto, & a força da tempestade muyto terriuel, não auia cousa que bastasse a nos dar remedio senão só a misericordia de nosso Senhor, por quem todos com grandes gritos & muytas lagrimas continuamẽte chamauamos, mas como, por nossos peccados, não eramos merecedores de nos elle fazer esta merce, ordenou a sua diuina justiça, que sendo ja passadas as duas horas despois da meya noite nos deu hum pegaõ de vento taõ rijo, que todas as quatro embarcaçoẽs assi como estauão vieraõ à costa, & se fizeraõ em pedaços, onde morreraõ quinhẽtas & oitenta & seis pessoas, em que entraraõ vinte & oito Portugueses, & os mais que nos saluamos pela misericordia de nosso Senhor (que ao todo fomos cinquenta & tres, de que os vinte & dous foraõ Portugueses, & os mais, escrauos & marinheyros) nos fomos assi nùs & feridos meter num charco de agoa; no qual estiuemos atè pela menham, & como o dia foy bem claro, nos tornamos à praya, a qual achamos toda juncada de corpos mortos, cousa taõ lastimosa & espantosa de ver, que não auia homem que só desta vista não caysse pasmado no chaõ, fazendo sobre elles hum tristissimo pranto, acompanhado de muytas bofetadas que hũs & os outros dauão em sy mesmos.
  14. [658](Cap. 55) o qual lhe respondeo, era do sem ventura de meu pay, a quem cahio em sorte triste & desauenturada tomardeslhe vòs outros em menos de hũa hora o que elle ganhou em mais de trinta annos, o qual vinha de hum lugar que se chama Quoamão, onde a troco de prata comprou toda essa fazenda que ahy tendes, para a yr vender aos juncos de Sião que estão no porto de Comhay, & porque lhe faltaua a agoa quiz sua triste fortuna que a viesse tomar aquy para vós lhe tomardes sua fazenda sem nenhum temor da justiça do Ceo.
  15. [674](Cap. 55) Nisto gastamos, como ja disse, quinze dias nesta ilha, nos quais os enfermos cõualeceraõ de todo, & nos partimos na via do reyno de Liampoo, onde tinhamos por nouas que auia muyta gente Portuguesa, que ahy era vinda de Malaca, de Çunda, de Sião, & de Patane, a qual toda naquelle tempo aly custumaua de vir inuernar.
  16. [690](Cap. 57) Chegados nòs ao porto do Chincheo achamos ahy cinco naos de Portugueses que auia ja hũ mès que eraõ chegadas destas partes que disse, dos quais fomos muyto bem recebidos & agasalhados com muyta festa & contentamento, & despois que nos deraõ nouas da terra, & da mercancia, & da paz & quietaçaõ do porto, nos disseraõ que de Liampoo nao sabião nada, mais que dizeremlhe os Chins, que auia là muytos Portugueses de inuernada, & outros vindos nouamente de Malaca, da Çunda, de Sião, & de Patane, & que fazião na terra suas fazendas pacificamente, & que a armada grossa de que nos temiamos, não era là, mas que se presumia que era ida âs ilhas do Goto em socorro do Sucão de Pontir, aquẽ se dezia que hum seu cunhado tyrannicamente tinha tomado o reyno, & porque este Sucão se fizera nouamẽte subdito do Rey da China, com tributo de cem mil taeis cada anno lhe dera aquella armada dos quatrocẽtos juncos, em que se affirmaua que hião cem mil homẽs para o meterẽ de posse do reyno ou senhorio que lhe tinhão tomado; com a qual noua todos ficamos descançados, & demos por isso muytas graças a nosso Senhor.
  17. [710](Cap. 58) As espias trouxeraõ a bordo hum paraoo de pescadores que tomaraõ, em que vinhaõ seis homẽs naturais da terra, os quais disseraõ que estaua o Cossayro daly duas legoas metido num rio que se chamaua Tinlau, cõcertando o junco que tomara aos Portugueses, para nelle & em outros dous que tinha se yr para Sião donde era natural, & que se auia de partir daly a dez dias, com a qual informaçaõ Antonio de Faria assentou por parecer de algũs que para isso foraõ chamados, que todauia se mandasse ver pelos olhos, porque hũa cousa em que tanto se auenturaua, não se auia de cometer assi às cegas, senão muyto bem vista & escudrinhada, & que sobre a certeza do que se visse, se determinaria o que parecesse bem a todos; & despejando então o paraoo em que vieraõ os seis pescadores, o esquiparaõ dos marinheyros do jũco do Quiay Panjão, por ser esquipação mais fiel & segura, com sos dous dos que se tomaraõ, porque os mais ficaraõ em refẽs, & mandaraõ nelle hũ soldado por nome Vicente Morosa homem esforçado & muyto sesudo, em trajos de Chim por não ser conhecido, o qual chegando ao lugar onde os inimigos estauão, fingindo que andaua pescando como outros fazião, vio & espiou tudo quanto era necessario, & tornado a bordo deu relaçaõ do que vira, & affirmou que o inimigo estaua tão tomado às mãos, que em chegando aueria pouco que fazer nelle.
  18. [800](Cap. 66) Partidos nòs daquy deste porto de Nouday, auendo ja cinco dias que vellejauamos por entre as ilhas de Comolem & a terra firme, hum sabbado ao meyo dia nos veyo cometer hum ladraõ por nome Prematà Gundel, grandissimo inimigo da naçaõ Portuguesa, & a quem ja por vezes tinha feito muyto dano, assi em Patane, como em Çunda, & Sião, & nas mais partes onde acertaua de os achar a seu proposito, & parecendolhe que eramos Chins, nos cometeo com dous juncos muyto grandes, em que trazia duzentos homẽs de peleja, a fora a esquipação da mareagem das vellas, & aferrando hum delles o junco de Mem Taborda, o teue quasi rendido, porem o Quiay Panjaõ, que hia hum pouco mais ao mar, vendoo daquella maneyra voltou sobre elle, & abalroou o junco do inimigo assi infunado como vinha, & tomãdoo pela quadra destibordo, lhe deu tamanha pancada que ambos aly logo se foraõ ao fundo, com que o Mem Taborda ficou liure do perigo em que estaua; a isto acudiraõ com muyta pressa tres lorchas nossas que Antonio de Faria leuara do porto de Nouday, & quis nosso Senhor que chegando ellas saluaraõ a mayor parte da nossa gente, & os da parte contraria se afogaraõ todos.
  19. [923](Cap. 76) Caminhando Antonio de Faria para a irmida que tinha diante, co mayor silencio que podia, & não sem algum receyo, por não saber atè então o em que se tinha metido, leuando todos o nome de Iesu na boca, & no coraçaõ, chegamos a hum terreyro pequeno que estaua diante da porta, & inda ate quy não ouuemos vista de pessoa nenhũa, & Antonio de Faria, que hia sempre diante com hum montante nas mãos, apalpou a porta, & a sintio fechada por dentro, & mãdando a hũ dos Chins que estaua junto com elle, que batesse, elle o fez por duas vezes, & de dentro lhe foy respondido, seja louuado o Criador que esmaltou a fermosura dos Ceos, rodee por fora, & saberey o que quer: o Chim rodeou a irmida, & entrou nella por hũa porta trauessa, & abrindo a em que estaua Autonio de Faria, elle com toda a gente entrou dentro na irmida, & achou dentro nella hum homem velho, que ao parecer seria mais de cẽ annos, com hũa vestidura de damasco roxo muyto comprida, o que no seu aspeito parecia ser homẽ nobre, como despois soubemos que era, o qual em vendo o tropel da gente, ficou tão fora de sy que cahio de focinhos no chão, & tremendo de peis & de maõs, não pode por então fallar palaura nenhũa, porem passado hum grande espaço em que a alteraçaõ deste sobresalto ficou quieta, & elle tornou sobre sy, pondo os olhos em todos, com rosto alegre & palauras seueras, preguntou que gente eramos, ou que queriamos; o interprete lhe respondeo por mandado de Antonio de Faria, que elle era hum Capitão daquella gente estrangeyra natural do reyno de Sião, & que vindo de veniaga num junco seu com muyta fazenda para o porto de Liampoo, se perdera no mar, do qual se saluara milagrosamente com todos aquelles homẽs que aly trazia comsigo, & que porque prometera de vir em romaria a aquella terra santa a dar louuores a Deos pelo saluar do grande perigo em que se vira, vinha agora a cũprir sua promessa, & juntamente lhe vinha pedir a elle algũa cousa de esmola com que se tornasse a restaurar de sua pobreza, & que elle lhe protestaua que daly a tres annos lhe tornaria dobrado tudo o que agora tomasse.
  20. [971](Cap. 81) E como ao outro dia foy menham nos preguntarão que gẽte eramos, ou como vinhamos daquella maneyra, a que respondemos que eramos estrangeyros naturais do reyno de Sião, & que vindo do porto de Liampoo para a pescaria do Nanquim, nos perderamos com hũa grande tormenta auia quinze dias, sem saluarmos mais que aquellas miseraueis carnes assi chagadas & nuas como as vião.
  21. [985](Cap. 82) a que respõdemos que eramos pobres estrangeyros, naturais do reyno de Sião, & que nos perderamos no mar cõ hũa grande tormenta, da qual nos Deos saluara daquella maneyra que nos vião, a que ella tornou, pois, que quereis que vos façamos, ou que determinais de fazer, porque aquy não ha casa de repouso de pobres onde vos possamos agasalhar, a que hum dos nossos, cõ lagrimas & meneos exteriores conformes a nosso proposito, respondeo, que Deos, por quem era, nos não desempararia da sua mão poderosa, cõ lhes mouer os coraçoẽs a se apiadarem de nós & de nossa pobreza, & que nossa determinação era caminharmos por aquella pobre via até a cidade do Nanquim, para dahy por remeyros das lanteaas dos mercadores que hião para Cantão nos yrmos ao porto de Comhay onde auia muytos juncos da nossa terra em quo nos embarcariamos.
  22. [1014](Cap. 84) a que nos respondemos que eramos estrangeyros naturais do reyno de Sião, que por nos perdermos no mar com hũa tormẽta, andauamos peregrinando, & pedindo de porta em porta para com as esmollas dos bõs sustentarmos nossas vidas até chegarmos à cidade do Nanquim para onde hiamos, com tenção de là nos embarcarmos nas lanteaas dos mercadores para Cantão onde estauão os nossos nauios; cõ a qual reposta elle nos mandaua soltar, se hum dos escriuaẽs lhe não fora á mão, dizendo que o não fizesse, porque eramos vadios & vagabundos, que gastauamos a vida em calacear de porta em porta comendo indeuidamente as esmollas que nos dauão, pelo que conforme â ley que sobre isso era feyta no liuro setimo dos doze das ordenaçoẽs do reyno que neste caso fallaua, nos não podia mandar soltar por nenhum caso, so pena de na residencia ser por isso grauemẽte punido, pelo qual lhe aconselhaua como seu seruidor que era, que nos mãdasse logo pór a bom recado porque não fugissemos para outra parte, o qual o Chumbim logo fez com tamanho excesso de crueldade quanto se esperaua de hum Gentio sem ley qual elle era: & fazendo logo com grande instancia autos com testemunhos falsos de infamias muyto feas & criminosas, como tem por custume, nos mandou meter nũa esteril prisaõ com grilhoẽs nos peis, algemas nas mãos, & colares nos pescoços, & muyto maltratados de açoutes & fome, em que passamos hum miserauel trabalho por espaço de vinte & seis dias, em que por sua sentença fomos remetidos à rolação do Chaem do Nanquim, porque na sua alçada não cabia poder condenar nenhum preso à morte.
  23. [1026](Cap. 86) Despois de sermos açoutados da maneyra que tenho dito, nos leuarão a hũa casa que estaua dentro na prisaõ a modo de enfermaria, onde jazião muytos doentes, & feridos, hũs em leitos, & outros pelo chão, na qual fomos logo curados com muytas cõfeiçoẽs & lauatorios, & espremidos & apertados, com pós por cima das chagas, cõ que algum tanto se nos mitigou a dor dos açoutes, a qual cura nos fizeraõ homẽs honrados, que saõ como entre nós irmaõs da misericordia que seruem aquy aos meses pelo amor de Deos com muyta caridade, & prouem os enfermos de tudo o necessario com muyta abastança & limpeza: & auẽdo ja onze dias que aquy estauamos em cura, & ja começauamos de nos achar algũ tanto milhor, mas lamentando o cortar dos dedos conforme ao rigor da sentença que era dada, quiz Deos que a caso entrarão hũa menham dous homẽs vestidos em hũas vestiduras de citim roxo muyto compridas, & hũas varas brãcas nas maõs a maneyra de cetros, cõ cuja entrada os enfermos todos da casa deraõ hũa grande grita dizendo, pitau hinacur macuto chendoo, que quer dizer, venhaõ com Deos os ministros de suas obras, ao que elles erguendo as varas, respõderaõ, & a vos todos de paciencia em vossos trabalhos & aduersidades: estes, começando a prouer com dinheyro & vestido algũs dos que estauaõ mais perto delles, chegarão tambem a nós, & despois de nos saudarem afabelmente, & com mostras de terẽ piedade de nossas lagrimas, nos preguntaraõ que homẽs eramos, de que terra, ou de que naçaõ, & porque caso estauamos presos, aque respondemos com muytas lagrimas que eramos estrangeyros naturaes do reyno de Sião, de hũa terra que se chamaua Malaca, & que sendo mercadores abastados dos bẽs do mundo, vindo com nossas fazendas para o porto de Liampoo, nos perderamos com hũa grande tormẽta defronte dos ilheos de Lamau, onde perderamos quanto leuauamos, sem saluarmos mais que aquellas miseraueis carnes da maneyra que as viaõ, & que chegando assi a hum lugar que se chamaua Taipor, o Chumbim da justiça nos prendera sem causa nenhũa, dizendo que eramos ladroẽs vagabundos, que por naõ trabalharmos andauamos calaceando de porta em porta, comendo indiuidamẽte as esmollas que nos dauão, & fazẽdo disto hum auto como quisera, nos mandara em ferros a aquella prisaõ, na qual auia ja quarenta & dous dias que padeciamos immẽsos trabalhos de doenças & fomes, sem nos quererẽ ouuir de nossa justiça, assi por naõ termos que peitar, como por não sabermos falar, & foramos condenados sem causa nenhũa a pena de açoutes, & a nos cortarem os dedos como ladroẽs, de que logo se executàra em nòs a pena dos crueis açoutes cõ tanto rigor & sobegidaõ de crueldade quanto seus olhos veriaõ nas nossas tristes carnes, pelo qual lhe pediamos pelo officio que tinhão de seruir a Deos, que nos naõ desemparassem, porque por nossa muyta pobreza eramos auorrecidos de todos, & tratados com grandissimas afrontas.
  24. [1048](Cap. 88) O terceyro rio por nome Tauquiday, que quer dizer, mãy das agoas, vem cortãdo ao Oesnoroeste pelo reyno de Nacataas, que he hũa terra dõde antigamente se pouoou a China, como adiãte direy, este tem sua entrada no mar pelo imperio do Sornau, aque o vulgar chama Sião pela barra de Cuy abaixo de Patane cento & trinta legoas.
  25. [1110](Cap. 91) aque respondiamos conforme ao que ja tinhamos dito muytas vezes, que eramos naturais do reyno de Sião, & que nos perderamos no mar com hũs tormẽta indo de Liampoo para a enseada do Nanquim, & que eramos mercadores que ja foramos ricos, & tiueramos muyto de nosso, inda que nos vião daquella maneyra.
  26. [1134](Cap. 92) Este, sendo algũas vezes requerido pelos principaes do reyno ou senhorio que então era, que se casasse, se escusou sempre, dando por desculpa algũas razoẽs que os seus lhe não aceitarão, antes incitados & estimulados pela mãy, não desistindo do requerimento, apertarão tanto com elle, que elle por se escusar de fazer o que não era sua vontade, com tẽção de legitimar o filho mais velho que tinha da Nancaa, & deixarlhe o reyno, se meteo em religião em hum templo que se chamaua Gizom, que segundo parece foy idolo & seita que tiuerão os Romanos, o qual oje em dia ha neste imperio da China, na ilha do Iapão, na Cauchenchina, em Camboja, & em Sião, do qual nestas terras eu vy muytas casas, & declarando no seu testamento que era esta sua vltima vontade, a Raynha sua mãy que naquelle tempo era viuua, & de idade de cinquenta annos, o não consentio, dizendo, que ja que seu filho queria morrer na religião que tinha professado, & deixar o reyno sem legitimo erdeyro, ella queria dar remedio a este tamanho desmancho; & logo se casou com hum seu sacerdote por nome Silau, de idade de vinte & seis annos, & o fez a pesar de muytos jurar por Rey.
  27. [1176](Cap. 95) E em todas estas trezẽtas & quinze legoas não ha mais entradas que sós cinco que os rios da Tartaria fazem por estas partes, pelos quais decendo com impetuosa corrente, com que cortão por este sertão espaço de mais de quinhentas legoas, se vão meter no mar da China & da Cauchenchina, & hum destes, porque he mais poderoso que os outros, vay sayr no reyno Sornau (aque o vulgar chama Sião) pela barra de Cuy, & em todas estas cinco entradas o Rey Chim tem hũa força, & o Tartaro outra, em cada hũa das quais o Chim tem sete mil homẽs continuos aque paga muyto grandes soldos, de que os seis mil saõ de pè, & os mil de cauallo, & a mayor parte desta gente he estrangeyra, como saõ Mogores, Pancrùs, Champas, Coraçones, & Gizares da Persia, & outros de outras muytas terras & reynos que pelo amago deste sertão habitão, porque na verdade os Chins não saõ muyto homẽs de guerra, porque alem de serem pouco praticos nella, saõ fracos de animo, & algum tanto carecidos de armas, & de todo faltos de artilharia.
  28. [1191](Cap. 96) E preguntando aos Chins pela causa daquella ruyna, nos disseraõ que aquella cidade se chamàra antigamẽte Cohilouza, que quer dizer, frol do campo, a qual em seu tempo fora muyto prospera, & que aueria cento & quarenta & dous annos que aly viera ter hũ homem estrangeyro em companhia de hũs mercadores do porto de Tanaçarim do reyno de Sião, o qual, segũdo estaua escrito em hum liuro por nome Toxefalem que fallaua nelle, parecia ser homem santo, inda que naquelle tempo pelas obras que fazia lhe chamauão os bonzos feiticeyro, porque em menos de hum mez resuscitara cinco mortos, & fizera outros muytas marauilhas, de que todos receberão grandissimo espanto, & tendo por vezes os sacerdotes algũas disputas com elle, os confundio & enuergonhou a todos de maneyra, que por naõ se verem cõ elle noutras altercaçoẽs, amutinaraõ o pouo todo, & lhe meteraõ em cabeça que se o naõ matassem os auia Deos de castigar com fogo do Ceo, pelo qual incitado o pouo pelo dito delles se vieraõ todos a casa de hum tecelão pobre, por nome Ioane onde este homem pousaua, & matando o tecellão & dous genros seus, & hum filho, porque o quiseraõ defender, o santo homem se veyo chorando a elles, & reprendendoos de suas vnioẽs causadas do seu mao viuer, antre algũas cousas que então lhes disse, hũa foy affirmarlhes que o Deos em cuja fé se auião de saluar se chamaua Iesu Christo, o qual viera do Ceo á terra a se fazer homem, & fora necessario morrer pelos homẽs, & que co preço do seu sangue derramado na Cruz pelos peccadores, se ouuera Deos por tão satisfeito em sua justiça, que entregandolhe o poder dos Ceos & da terra, lhe prometera que a todos os que professassem sua ley com fé & obras, se lhe não negaria o premio que por isso era prometido, & que todos os deoses aque os bonzos seruião & adorauão com sacrificios de sangue, erão falsos, & figuras em que o demonio se metia para os enganar: o que ouuindo os sacerdotes se acenderão tanto em colera, que bradãdo ao pouo lhe disseraõ, que maldito fosse o que naõ trouxesse lenha & fogo para o queimar, o que logo foy feito com muyta presteza, & começandose o fogo a atear com grandissima furia, elle lhe fez o sinal da Cruz, & lhe dissera hũas palauvas que lhes a elles não lembrauão, mas que tambẽ estauão escritas, com que o fogo se apagara logo.
  29. [1281](Cap. 100) Nos lhe respõdemos que eramos estrangeyros naturais do reyno de Sião, & que vindo para o porto de Liampoo com nossas fazẽdas, nos perderamos no mar com hũa grande tormenta, de que nos saluaramos nùs & descalços sem cousa algũa sobre nossas carnes, & que assi nos foramos pedindo de porta em porta, até chegarmos ao lugar de Taipor, onde o Chumbim que ahy residia nos prendera sem causa, & nos mandara á cidade do Nanquim, na qual por seu dito foramos cõdenados a açoutes, & a nos cortarem os dedos, sem nos ouuirem de nossa justiça, pelo que postos os olhos no Ceo, pediramos com lagrimas aos vinte & quatro da austera vida, que por zelo de Deos ouuessem dò de nosso desemparo, porque eramos pobres & sẽ valia nenhũa, ao que elles logo, com zelo santo acudirão com muyta presteza, fazendo auocar a causa a aquelle juizo a que eramos trazidos, pelo que lhe pediamos que por seruiço de Deos visse bem nosso desemparo, & quanta sem razão nos era feita por não termos valia na terra, nem quem por nós fallasse hũa só palaura.
  30. [1500](Cap. 112) E esta seita com todas as mais que se achão neste barbarismo da China, que, segundo eu soube delles, & ja disse algũas vezes, saõ trinta & duas, vieraõ do reyno de Pegù ter a Sião, & daly por sacerdotes & cabizondos se espalharaõ por toda a terra firme de Cãboja, Champaa, Laos, Gucos, Pafuas, Chiammay, imperio de Vzanguee, & Cauchenchina, & pelo arcipelago das ilhas de Ainão, Lequios, & Iapaõ, ate os confins do Miacoo & Bandou, de maneyra que a peçonha destes erpes corrõpeo tamanha parte do mũdo como a maldita seita de Mafamede.
  31. [1637](Cap. 122) Estes quatro moços & o Mitaquer que era o que nos guiaua, passaraõ daquy por hum corredor armado sobre vinte & seis colunas de bronzo, & delle entramos em hũa grande sala de madeyra como terecena, na qual estaua muyta gente nobre, em que auia alguns estrangeyros Mogores & Persios, Berdios, Calaminhãs, & Bramaas do Sornau Rey de Sião.
  32. [1677](Cap. 124) E despois de a ter toda recolhida, se passou para outra cidade muyto mayor & muyto mais nobre, que se chamaua Tuymicão, onde foy visitado pessoalmente de algũs principes seus comarcãos, & por embaixadores o foy tambem doutros Reys & senhores de mais longe, de que os principaes forão seis assaz grandes & poderosos, quais forão o Xatamaas Rey dos Persas, o Siammom Emperador dos Gueos, que confina por dentro deste sertão co Bramaa do Tanguu, o Calaminhan senhor da força bruta dos elifantes da terra, como ao diante direy quando tratar delle, & do seu senhorio, o Sornau de Odiaa, que se intitula Rey de Sião, cujo senhorio cõfina por distãcia de setecentas legoas de costa, como he de Tanauçarim a Champaa cos Malayos & Berdios & Patanes, & pelo sertaõ, co Passiloco & Capimper, & Chiammay, & Lauhos, & Gueos, de maneyra que este somente tem dezassete reynos em seu senhorio, o qual entre esta gentilidade toda se intitula por grao mais supremo, senhor do elifante branco, outro era o Rey dos Mogores, cujo reyno & senhorio jaz por dentro do sertão entre o Coraçone que he jũto da Persia, & o reyno do Dely & Chitor, & hum Emperador que se chamaua o Carão, cujo senhorio, segũdo aquy soubemos, confina por dentro dos montes de Goncalidau em sessenta graos auante, com hũa gente a que os naturaes da terra chamão Moscoby, da qual gente vimos alguns homens aquy nesta cidade, que saõ ruyuos, & de estatura grande, vestidos de calçoẽs, roupetas & chapeos ao modo que nesta terra vemos vsar os Framengos & os Tudescos, & os mais honrados trazião roupoẽs forrados de pelles, & algũs de boas martas, trazião espadas largas & grandes, & na lingoagem que fallauão lhe notamos algũs vocablos Latinos, & quando espirrauão dezião tres vezes dominus, dominus, dominus.
  33. [1738](Cap. 128) Deste lago de Singapamor, que a natureza por obra admirauel abrio no coração desta terra, saem quatro rios muyto largos & fundos, hũ por nome Ventrau, que corta direyto a Oeste toda a terra do Sornau de Sião, & faz sua entrada no mar pela barra de Chiãtabuu, em vinte & seis graos.
  34. [1991](Cap. 143) Iaz mais ao Nornoroeste desta terra Lequia hum grande arcipelago de ilhas pequenas, donde se traz muyto grande quantidade de prata, as quais, segundo parece, & eu sempre sospeitey pelo que vy em Maluco nos requerimentos que Ruy Lopez de Vilhalobos general dos Castelhanos fez a dõ Iorge de Castro capitaõ que entaõ era da nossa fortaleza Ternate, deuẽ de ser as de que esta gente tem algũa noticia, as quais nomeauão por islas platarias; ainda que não sey com quãta razão, porque segundo o que temos visto & lido, assi em Ptolomeu como nos mais que escreueraõ da geografia, nenhum destes ouue que passasse do reyno de Sião & da ilha Çamatra, senão sós os nossos Cosmographos, os quais do tempo de Afonso Dalbuquerque para câ passaraõ hum pouco mais adiante, & tratarão ja dos Selebres, Papuaas, Mindanaos, Champaas, China, & Iapaõ, mas não ainda dos Lequios, nẽ dos mais arcipelagos que na grandeza deste mar estão ainda por descubrir.
  35. [2009](Cap. 144) O Necodâ entendẽdo o mysterio disto que via, me disse que despidisse logo daly a embarcação de remo que tinha, & mãdasse recado ao Capitão de Malaca, porque sem duuida nenhũa me affirmaua que aquelles mortos eraõ Achẽs que vinhaõ desbaratados de Tanauçarim onde as suas armadas continuauão por causa da guerra que tinhaõ com el Rey de Sião, porque aquellas manilhas douro que achara, eraõ dos capitaẽs do Achem que custumauão enterrarse com ellas nos braços, & que a isso poria a cabeça.
  36. [2035](Cap. 146) Auendo ja quasi oito meses que estes nossos cem homens andando nesta costa embarcados em quatro fustas muyto bem concertadas, em que tinhão tomadas vinte & tres naos de presas muyto ricas, & outros muytos nauios pequenos, as gentes que custumauão a nauegar por aquella costa andauão ja tão assombradas do nome Portuguez, que de todo deixaraõ o comercio de suas viagẽs, & vararaõ os seus nauios em terra, por onde as alfandegas destes portos de Tanauçarim, Iũçalão, Merguim, Vagaruu, & Tauay perdião muyto dos seus rendimentos, pelo que foy forçado a estes pouos darem cõta disso ao Emperador do Sornau Rey de Sião, que he senhor supremo de toda esta terra, paraque prouesse neste mal de que todos geralmente se queixauão, o qual proueo logo da cidade de Odiaa onde então estaua com muyta presteza, mandando vir da frontaria dos Lauhos hum seu capitão Turco por nome Heredim Mafamede, o qual no anno de 1538. viera de Suez na armada de Soleimão Baxà Visorrey do Cayro, quando o graõ Turco o mandou sobre a India, & desgarrando este em hũa galé do corpo da armada, veyo ter a esta costa de Tanauçarim, onde aceitou partido deste Sornau Rey de Sião, & o seruio de fronteyro mòr na arraya do reyno dos Lauhos, com doze mil cruzados de soldo por anno.
  37. [2044](Cap. 146) As cinco naos dos Guzarates se fizeraõ na volta do mar, & as dez vellas de remo se foraõ direytas à ilha, onde chegarão quasi às Aue Marias, & o Turco mandou logo espiar o porto onde tinha por nouas que os nossos estauão, & se veyo a remo por na boca da angra, por lhe ficar assi a presa mais segura, & com tençaõ de tanto que fosse menham tomar todos os nossos âs mãos, & atados com cordas, como elle dezia, os apresẽtar ao Sornau de Sião, porque isso era o porque lhe tinha prometido o estado de Banchaa, como atras fica dito.
  38. [2078](Cap. 148) Outra vez lhe cometeo o Chaubainhaa que o deixasse sayr em duas naos co seu tisouro & com sua molher & seus filhos, para se passar ao Sornau Rey de Sião, & que lhe largaria a cidade com tudo quanto nella estiuesse, o que tambem lhe não quiz conceder.
  39. [2470](Cap. 167) Continuando nosso caminho desta cidade de Pauel, logo ao outro dia despois que saymos della fomos ter a hũa aldea que se chamaua Lunçor, cercada em roda em distãcia de mais de tres legoas de aruores de beijoim, que daquy se leua de carregação para o reyno de Pegù & de Sião.
  40. [2683](Cap. 181) Como deste porto de Çunda fuy ter a Sião donde em cõpanhia doutros Portugueses fuy cõ el Rey â guerra do Chiãmay, & do successo della.
  41. [2684](Cap. 181) Avendo quasi hum mès que estauamos neste porto da Çunda bem prouidos dos Portugueses, como então era ja chegada a monção da China, as tres naos se partirão para o Chincheo, sem ahy na terra ficarem mais Portugueses que sós dous, que num junco de Patane se foraõ com suas fazendas para Sião, em cõpanhia dos quais me foy forçado irme eu tambem, porque me quiseraõ elles fazer o gasto da jornada, & me prometeraõ de me fazerem lâ algũ emprestimo, com que de nouo tornasse a tentar a fortuna, a ver se por importunação me podia melhorar com ella.
  42. [2685](Cap. 181) Partidos nòs daquy, dentro em vinte & seis dias chegamos á cidade de Odiâ que he a metropoly deste imperio Sornau, a que o vulgar daquellas partes chama Sião, onde fomos bem recebidos & agasalhados dos Portugueses que ahy na terra achamos.
  43. [2690](Cap. 181) E posta em ordenança toda esta copia de gente & elifantes pelos mestres do campo que eraõ dous Turcos & hum Portuguez por nome Domingos de Seixas, seguio seu caminho para Quitiruão, onde chegou antes que o sol saisse, & como neste tempo os inimigos estauão ja prestes, & sabião por suas espias o poder & determinação que trazia este Rey de Sião, o esperaraõ no campo confiados nos quarenta mil de cauallo que tinhaõ: & tanto que ouueraõ vista delle, moueraõ fechados em doze batalhas, de quinze mil homẽs cada hũa, todos muyto luzidos & bem concertados, & dando logo a sua dianteyra em que vinhaõ os quarenta mil cauallos, na dianteyra del Rey de Sião, em que vinhaõ sessenta mil de pé, em menos de hum quarto de hora a desbaratou com morte de tres principes que nella hião.
  44. [2691](Cap. 181) El Rey de Sião vendo o desbarato dos seus, lhe foy forçado, como prudente, não seguir a ordem que primeyro trazia, mas fazendose num corpo cos setenta mil estrangeyros & quatro mil elifantes, deu com tãto ímpeto no campo dos inimigos, que logo neste primeyro encontro o rompeo & desbaratou de todo com morte de infinita gente, porque como a sua força principal estaua nos cauallos, tanto que os elifantes deraõ nelles, juntamente com a muyta arcabuzaria da gẽte estrangeyra, & a artilharia das duzentas carretas, os consumiraõ a todos em menos de meya hora, & como estes forão desbaratados, todos os mais se começaraõ logo a retirar.
  45. [2692](Cap. 181) El Rey de Sião seguindo a vitoria, os foy leuãdo atè junto do rio, onde o inimigo, de todos os que escaparaõ formou hum esquadraõ de nouo em que auia mais de cem mil homens entre saõs & feridos, os quais à sombra da sua armada estiuerão aquelle dia fechados todos num corpo, o que el Rey arreceou de cometer, pelo fauor que tinhão das suas duas mil embarcaçoens, em que tambem auia grande quantidade de gente, porem tanto que a noite se cerrou os inimigos marcharaõ seu passo cheyo ao longo do rio leuando a armada por costas para caminharem assi mais a seu saluo, de que ao Rey de Sião naõ pesou nada, porque tinha a mayor parte da sua gente muyto ferida, a que de necessidade se auia de socorrer com a cura, como logo socorreo, em que se gastou a mayor parte do dia & da noite seguinte.
  46. [2693](Cap. 182) Do mais que este Rey de Sião fez atê se tornar para o seu reyno onde a Raynha sua molher o matou com peçonha.
  47. [2694](Cap. 182) Este Rey de Sião despois que ouue esta gloriosa vitoria, entendeo logo com muyta presteza na fortificaçaõ da cidade, & em tudo o mais que era necessario para a segurança della.
  48. [2698](Cap. 182) A Raynha, por se não atreuer a resistir ao poder del Rey de Sião, se fez por concerto sua tributaria em cinco mil turmas de prata cada anno, que fazem da nossa moeda sessenta mil cruzados, & lhe fez logo pagamento de cinco annos dantemão, & a fora isto lhe entregou o Reizinho seu filho por seu vassallo, o qual el Rey leuou comsigo para Sião; & com isto leuantou o cerco, & passou adiante contra o Nordeste, para a cidade de Taysiraõ, onde teue por nouas que o Rey do Chiãmay estaua ja desfeito da liga passada.
  49. [2701](Cap. 182) E despois de tudo ser prouido, & ella posta no estado que conuinha para sua defensaõ, se partio para Sião embarcado nas tres mil embarcaçoẽs em que viera.
  50. [2714](Cap. 183) Da triste morte deste Rey de Sião, & de algũas cousas illustres que elle fez em sua vida.
  51. [2716](Cap. 183) A primeira foy que no anno de 1540. sendo Pero de Faria capitão de Malaca lhe escreueo el Rey dom Ioaõ o terceyro da gloriosa memoria hũa carta, em que lhe mandaua & encomẽdaua muito que trabalhasse todo o possiuel por resgatar hũ Domingos de Seixas que estaua catiuo em Sião auia vinte & tres annos, por ser assi muito necessario ao seruiço de Deos & ao seu, por ser informado que delle mais que de outrem ninguẽ poderia saber a verdadeyra certeza das cousas daquelle reyno de que tãtas grãdezas lhe contauão, & que effeituandose o seu resgate o mandasse logo à India ao Visorrey dom Garcia, a quem jà tinha escrito sobre elle, para que nas naos daquelle anno lho mandasse a este reyno.
  52. [2717](Cap. 183) Pero de Faria vendo a efficacia, & o encarecimẽto com que el Rey lhe encomendaua, mandou a Sião por embaixador hum Francisco de Crasto homem nobre & rico para tratar o resgate deste Domingos de Seixas, & de outros dezasseis Portugueses que tambem lá estauão catiuos.
  53. [2718](Cap. 183) Este Francisco de Crasto foy ter á cidade de Odiaa no tempo que eu estaua nella, onde foy muyto bem recebido do Rey de Sião, & lhe deu a carta que leuaua para elle, o qual despois de a lér, & de lhe preguntar por algũas cousas nouas & de curiosidade, lhe deu logo ali a reposta (o qual elle não custumaua a fazer a outro nenhum embaixador) que foy esta, quanto ao Domingos de Seixas que o capitão de Malaca me manda pedir, apontãdome o muyto gosto que el Rey de Portugal terâ se lho mandar, o mesmo me fica a mim de lho conceder, & daquy lho ey por dado com todos os mais que elle lâ onde estâ traz comsigo, de que o Francisco de Crasto lhe deu as graças prostrandose tres vezes com a cabeça no chão, como se lhe custuma a fazer por ser Rey mais supremo que todos os outros; & tanto que chegou o tempo de se poder partir o Frãcisco de Crasto para Malaca, mandou vir o Domingos de Seixas da cidade de Guntaleu onde então estaua por fronteyro mór daquella arraya com trinta mil homẽs de pé, & cinco mil de cauallo, & dezoito mil cruzados cada anno de partido, & em sua cõpanhia fez tambem vir os dezasseis Portugueses que cõ elle andauão, & os entregou a todos ao Frãcisco de Crasto, o qual de nouo lhe tornou a dar as graças pela merce que lhe fazia.
  54. [2728](Cap. 183) Daly a dous ou tres meses, neste mesmo anno de 1545. sendolhe muyto necessario a este Rey de Sião acudir a hũa entrada que o Rey dos Tuparahos lhe vinha fazendo pela parte do Passiloco, destruindo & saqueando alguns lugares mais fracos daquella arraya, com proposito de vir cercar as fortalezas de Xiuau & Lantor, das quais pendia toda a segurança daquelle estado, determinou de yr elle em pessoa a este negocio, & para isto mandou pelo reyno vinte coroneis a fazer hũa certa quantidade de gente, aos quais mandou que em termo de vinte dias viessem com ella a aquella cidade de Odiaa, donde determinaua de partir, & lhes pòs a todos grauissimas penas que não escusassem nenhum homem que pudesse pelejar, tirando os doentes, ou os pobres, ou os de sessenta annos para cima, & a cada hum destes coroneis foy sinalada a comarca em que auia de yr fazer a sua gente.
  55. [2758](Cap. 184) E porque a execuçaõ desta justiça foy feita com sobeja pressa, & sem proua nenhũa, foy reprẽdida da mayor parte dos senhores do reyno, trazendolhe â memoria o merecimento dos mortos, & as qualidades de suas pessoas, & a nobreza & antiguidade do seu real sangue, o qual por linha direita decendia dos Reys de Sião; porem ella nenhum caso fez disto, antes fingindo logo ao outro dia que estaua mal disposta, renũciou no conselho a presidencia que ella aly tinha no Vcunchenirat, que era o seu amigo, paraque assi pudesse ficar sendo senhor sobre todos os outros; & destribuyr liuremente as cousas do reyno por aquelles que quisessem ser da sua parte, & assi pudesse mais a seu saluo vsurpar o cetro daquella coroa, & fazerse senhor absoluto do imperio Sornau, que rendia doze contos douro, a fora o que podia dar, que era quasi outro tanto.
  56. [2763](Cap. 185) Como o Rey do Bramaa emprendeo tomar este reyno Sião, & do que passou atè chegar â cidade de Odiaa.
  57. [2771](Cap. 185) E desta maneyra caminhou tanto atè que entrou pela terra de el Rey de Sião, & auendo jâ cinco dias que caminhaua por ella, chegou a hũa fortaleza que se dezia Tapurau, em que auia perto de dous mil vezinhos, de que era capitaõ hum Mogor por nome Coge Taraõ homem esforçado & muyto ardiloso na guerra.
  58. [2786](Cap. 186) E estes Turcos, ou por mais atreuidos, ou por mais mofinos, correndo pelo lanço do muro adiante, se deceraõ por hum baluarte abaixo ao terreyro de dentro, com fundamento de abrirem hũa porta que nelle estaua por onde el Rey entrasse, paraque com verdade pudessem dizer que elles sós foraõ os que lhe derão a cidade principal do reyno Sião, & ganhassem o premio que dahy se esperaua, porque el Rey tinha jâ dantes prometido de dar a quem lhe desse esta cidade mil biças douro, que na valia da nossa moeda saõ quinhẽtos mil cruzados.
  59. [2790](Cap. 186) O Rey Bramaa entendendo a zõbaria deste recado, não lhe quiz responder, mostrando que não fazia caso do Oyaa Passiloco, & mandou apertar o assalto com muytá furia, pelo qual a briga se acendeo entre hũs & outros de tal maneyra que era cousa medonha de ver, & com este impeto & força durou mais de tres horas, no qual tempo as portas ambas foraõ quebradas, & a cidade por duas vezes entrada, o que vendo o nouo Rey de Sião, & auendo que já tudo estaua quasi perdido, acudio muito depressa com toda a gente que tinha comsigo, que serião quasi trinta mil homens dos milhores que auia em toda a cidade, com cuja vinda se acẽdeo a briga muyto mais do que antes era por outro espaço de mais de meya hora, da qual confesso que não me atreuo a saber dizer o como passou, porque pela terra corrião rios de sangue, o âr ardia em fogo viuo, grita & a reuolta era tamanha que a terra parecia que se fundia, o desentoamento, & a dissonancia dos barbaros instrumentos, dos apupos, dos sinos, dos tambores & sestros, o estrondo da artilharia, & espingardaria, os vrros dos cinco mil elifantes metião tamanho medo que quasi fazião perder o sentido, & o terreyro da banda de dentro da cidade (que jà estaua pelo Bramaa) cuberto todo de corpos mortos, & com rios de sangue por todas as partes, era hum tão horrendo espectaculo, que só a vista delle nos trazia tão pasmados, que andauamos como fora de nòs.
  60. [2813](Cap. 189) Da muyta fertilidade do reyno Sião, & de outras particularidades delle.
  61. [2814](Cap. 189) Por quanto ategora tratey do successo que teue esta ida do Rey do Bramaa ao reyno de Sião, & do aleuantamẽto do reyno de Pegù, pareceme que não virá fora de proposito tratar aquy, inda que breuemente, do sitio, grandeza, abastança, riqueza, & fertilidade que vy neste reyno de Sião & imperio Sornau, & quanto mais proueitoso nos fora telo antes senhoreado que tudo quanto temos na India, & com muyto menos custo do que ategora nos tem feito.
  62. [2841](Cap. 190) E assi no tempo que o Rey Bramaa foy sobre o reyno de Sião, & após cerco à cidade de Odiaa, como atras fica dito, pregando o Xemindoo então na varella do Comquiay de Pegù, que he como See de todas as outras, a hum grande concurso de gente, lhe tratou com muytas palauras da perdição daquelle reyno, da morte do seu Rey natural, & dos grandes insultos, crueis mortes, & outros muytos males que os Bramas tinhão feito naquella nação Pegua, com tanto desacatamento & offensa de Deos, que até as casas ricas, instituidas com as esmollas dos bons para templos de seu louuor, erão ja por elles todas assolladas, & postas por terra.
  63. [3015](Cap. 200) A morte daquelle bom Rey de Sião, & o adulterio daquella mà Raynha sua molher, de que atrás dey larga cõta foraõ a raiz & o principio de tantas discordias, & de tãtas & taõ crueis guerras quãtas ouue nestes dous reinos de Pégù & de Sião, as quais duraraõ tres annos & meyo cõ tanto custo, assi de sangue como de fazẽda, como se tem visto no que ategora tenho cõtado, cujo fim foy ficar o Chaumigrẽ Rey do Bramá senhor absoluto do reyno de Pégù.
  64. [3016](Cap. 200) Porẽ agora não tratarey mais delle, & daquy por diãte direy o que socedeo noutras partes até o tẽpo em que este mesmo Chaumigrẽ Rey Bramà tornou sobre o reyno de Sião cõ hũ taõ grosso exercito de gẽte quãto outro Rey nenhũ nũca ajũtou na India, que foy de hũ cõto & setecẽtos mil homẽs, & dezasseis mil elifantes, noue mil da bagage, & sete mil de peleja.
  65. [3029](Cap. 200) Mas como o bẽ ou mal dos negocios desta qualidade està mais no que despois se segue nelles, que no que nelles se começa, destes bõs & alegres principios destes desposorios se seguiraõ despois tamanhos males & desauẽturas, que vieraõ ser quasi iguais com aquelles de Sião de que atras tenho contado.
  66. [3372](Cap. 215) Correndo nos daquy desta paragem, onde Deos nosso Senhor por sua misericordia, & pelas oraçoẽs deste bemauenturado padre nos quis fazer esta tão milagrosa merce, em treze dias de nossa viagem lhe aprouue que chegassemos ao reyno da China, & surtos no porto de Sanchão, onde naquelle tempo se fazia o nosso trato, jâ quando ahy chegamos, por causa de ser muyto tarde não achamos mais que hũa só nao, de que era capitão Diogo Pereyra, & esta jâ de verga dalto para se partir ao outro dia para Malaca, na qual o padre se embarcou, porque a de Duarte da Gama em que viera de Iapão lhe era necessario yr inuernar a Sião, por vir aberta pela roda de proa do grande trabalho que passara na tormenta que atras tenho contado, & là se concertar & prouer de muytas cousas de que tinha necessidade.
  67. [3466](Cap. 220) E partidos deste porto de Patane corremos dous dias cõ ventos Suestes de moução tendente ao lõgo da costa de Lúgor & Sião, & atrauessando da barra de Cuy para yrmos demandar Pullo Cambim, & dahy as ilhas de Cantão, com fundamento de esperarmos ahy a conjunçaõ da lũa noua, nos sobreueyo hum temporal de ventos Oessuduestes (que saõ os que ordinariamente reynão nesta costa o mais do anno) taõ tempestuoso que de todo estiuemos perdidos, pelo que nos foy forçado arribarmos outra vez à costa do Malaya, & chegando a hũa ilha que se chama Pullo timão, tambem nella corremos assaz de perigos assi de tormentas, como de trayçoẽs da gente da terra.

Siaõ 46(2), 48(1), 181(1), 183(1).

Nas orações: 561, 563, 589, 2686, 2735.

  1. [561](Cap. 46) E partido daly se fora ao porto de Liãpoo, onde aquelle anno fizera fazenda, & receoso de yr a Patane por causa dos Portugueses que lâ residiaõ, se fora inuernar a Siaõ, & o anno seguinte se tornara ao porto do Chincheo, onde tomara hum junco pequeno cõ dez Portugueses, que vinha da Çunda, & os matara a todos.
  2. [563](Cap. 46) E perguntãdolhe Antonio de Faria se eraõ aquelles mininos filhos dos Portugueses que dezia, respondeo que naõ, mas que eraõ filhos de Nuno Preto, & de Giaõ Diaz, & de Pero Borges cujos eraõ tãbem os moços & as moças, os quais Portugueses elle tambem matara em Mompollacota na barra do rio de Siaõ, num junco de Ioaõ de Oliueyra, em que tamben matara dezasseis Portugueses, & que a elles ambos, hũ por ser carpinteyro, & outro por ser calafate, dera a vida, & que auia ja perto de quatro annos que os trazia assi cõsigo, matandoos sempre de fome, & de açoutes, & que quando nos cometera, naõ lhe pareceo que eraõ Portugueses, se naõ Chins mercadores como os mais que elle sempre custumaua a roubar onde os achaua de bõ lanço, como cuydaua que achara a nòs; & perguntado se conheceria o ladrão entre aquelles mortos, disse que sy, cõ que Antonio de Faria se leuantou logo, & tomandoo pela mão se passou com elle ao outro jũco que estaua abalroado com este, & mostrandolhe todos os que estauão mortos no conuès, disse que nenhum daquelles era, & mandando esquipar as manchuas, o foy em pessoa buscar entre os outros mortos que andauaõ pelo mar, onde foy achado com hũa grande cutillada na cabeça, & hũa estocada por meyo dos peitos, & trazendoo acima ao conues do junco lhe tornou a perguntar se era aquelle, a que elle respondeo que sy sem falta nenhũa, a que Antonio de Faria lhe deu credito por causa de hũa cadea de ouro grossa que trazia cingida, com hum idolo de duas cabeças da feiçaõ de lagarto, tambẽ de ouro, co rabo & maõs esmaltados de verde & preto.
  3. [589](Cap. 48) E chegado de todo o numero de almadias hũa somente a bordo, pedio seguro para entrarem, a que foy respondido, que sem nenhum receyo o podião fazer, porque todos eramos seus irmãos; & com isto, de noue que vinhão na almadia, os tres somente subirão ao junco, & Antonio de Faria lhes fez muyto gasalhado, & fazẽdoos assentar em hũa alcatifa, lhes disse que elle era hum mercador natural do reyno de Siaõ, & que vindo de veniaga para a ilha de Ainão, lhe disseraõ que naquella cidade faria milhor & mais seguramẽte sua fazenda que em outra parte, por serem os mercadores & o pouo della de mais verdade que os Chins daquella costa & ilha de Ainão, a que responderaõ, não estàs errado nisso que dizes, por que se es mercador, como pareces, crè que em tudo se te farà aquy muyta honra, pelo qual seguramente podes dormir teu sono descansado, sem te arreceares de nenhũa cousa.
  4. [2686](Cap. 181) E auendo pouco mais de hum mês que estaua nesta cidade esperando pela monção da China para me yr para Iapaõ em companhia de outros seis ou sete Portugueses que para là hião, com cem cruzados de emprego, que os dous com que viera de Çunda me tinhão emprestado, chegou noua certa a el Rey de Siaõ, que então estaua nesta cidade de Odiaa com toda sua corte, que o Rey do Chiammay confederado cos Timocouhós, cos Laos, &cos Gueos, (que saõ quatro naçoẽs de gentes que contra o Nordeste senhoreaõ a mayor parte deste sertão, por cima do Capimper, & Passiloco, & saõ todos senhores absolutos sem darem obediencia a ninguem, muyto ricos & poderosos, & de grandes estados) tinhão posto cerco â cidade de Quitiruão, & morto o Oyaa Capimper fronteyro mór daquella arraya cõ mais de trinta mil homẽs.
  5. [2735](Cap. 183) Deos te perdoe tua cubiça, & a mym o pouco castigo que te dey por ella; & logo daly sem esperar mais hum momento mandou a casa do morto, & lhe trouxeraõ as cinco mil turmas que tinha tomado de peita, & as mandou perante sy repartir por todos aquelles velhos & doentes & pobres que o Raudiuaa trouxera que seriaõ mais de tres mil, & o dinheyro das cinco mil turmas montaua sessenta mil cruzados da nossa moeda, & os mandou para suas casas, encomendandolhes que lhe rogassem a Deos pela vida; & aos escusos que peitaraõ as cinco mil turmas, mandou vestir como molheres, & os degradou para hũa ilha que se chamaua Pullo catão, & lhes mandou tomar as fazendas como a fracos, para as repartir pelos que milhor pelejassem naquella guerra; & porque vio que hum Portuguez de cento & sessenta que então leuou comsigo, ficara hum pouco mais atras num cometimento que os nossos fizeraõ, em que ganharaõ a principal força que os inimigos tinhão tomada na cidade de Lantor, lhe mandou que se tornasse para Siaõ, pois não era como os outros que com elle ficauão, & que em quanto ahy estiuesse não saisse fora de casa, nem se chamasse mais Portuguez, so pena de lhe mandar por isso rapar a barba como aos caualeyros escusos de Banchaa, pois na couardia era tal como elles, & a todos os mais que, como disse, eraõ cẽto & sessenta, pelo honroso feito que lhes vio fazer mandou dobrar o soldo tres vezes, & quitar os direytos de suas fazendas, & lhes deu licença que pudessem em qualquer lugar do seu reyno fazer igrejas em que o nome do Deos Portuguez fosse adorado, porque claro estaua que era muyto milhor que todos os outros.

Sioẽs 150(1), 162(1).

Nas orações: 2114, 2339.

  1. [2114](Cap. 150) Sendo ja quasi a hũa hora despois do meyo dia se tirou hũa bombarda, ao qual sinal as portas da cidade foraõ logo abertas, & primeyro que tudo começou a sayr a guarda que el Rey o dia dantes lhe mandara pòr, que erão quatro mil Sioẽs & Bramaas, todos arcabuzeyros, & alabardeyros, & piqueyros, com mais trezẽtos elifantes armados, de que era Capitão hũ Bramaa tio del Rey por nome Mõpocasser, Bainhaa da cidade de Meleitay no reyno do Chaleu.
  2. [2339](Cap. 162) Esta batalha se deu aos noue dias da primeyra lũa deste tempo que digo, de sete mil & trezentas & vinte no afamado cãpo vitau, onde lhes apareceo o Quiay Niuandel assentado nũa cadeyra de pao, o qual ficou daquy cõ grao de nome mais hõroso que todos os outros deoses dos Moẽs & Sioẽs celebrado por deos das batalhas, em tãto que quando se jurão cousas increiueis entre as naçoẽs que habitão a terra, para se lhes dar credito a ellas, não se diz outra cousa senão pelo santo Quiay Niuãdel deos das batalhas do cãpo vitau, & em hũa grande cidade que se chamaua Sorocataõ, em que foraõ mortas quinhẽtas mil pessoas, se catiuaraõ todos estes deoses que aquy vedes presos em despeito dos Reys que crião nelles, & dos sacerdotes que lhe ministrauaõ o cheyro suaue de seus sacrificios.

(2) Objecto geográfico interpretado

Reino. Parte de: Sornau.

Referente contemporâneo: Kingdom of Thailand, Thailand (AS). Lat. 15.500000, long. 101.000000.

Reino, gentílico. FMP indica Sornau como sinónimo vulgar e Odiaa (Ayutthaya) como metrópole (cap. 36). DHDP: Tailândia.

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