O lugar no contexto

(1) Entidade geográfica mencionada

Malaca. Malaca 12(3), 13(2), 14(5), 15(5), 17(2), 18(4), 19(7), 20(2), 21(4), 22(3), 23(1), 24(8), 25(1), 26(3), 27(1), 28(3), 29(1), 30(3), 31(2), 32(1), 33(4), 34(5), 35(5), 36(3), 37(1), 38(3), 43(1), 46(1), 48(1), 51(2), 55(2), 56(1), 57(3), 60(1), 64(1), 86(1), 90(3), 131(1), 132(2), 133(1), 140(2), 143(1), 144(6), 145(2), 146(1), 147(1), 148(3), 153(8), 171(1), 172(1), 176(2), 179(1), 180(1), 183(5), 185(1), 200(2), 203(4), 204(2), 205(4), 206(1), 207(6), 208(7), 214(1), 215(8), 216(7), 217(3), 218(3), 219(8), 220(7), 221(4), 223(1), 225(1).

Nas orações: 121, 123, 133, 135, 138, 148, 150, 151, 152, 156, 164, 166, 168, 190, 192, 193, 196, 199, 201, 204, 206, 207, 209, 215, 216, 219, 221, 232, 233, 240, 252, 256, 258, 269, 276, 277, 282, 283, 286, 287, 288, 293, 302, 306, 321, 323, 327, 328, 329, 339, 340, 348, 357, 364, 378, 379, 382, 386, 391, 392, 393, 395, 400, 402, 410, 414, 415, 441, 451, 456, 519, 560, 583, 618, 621, 665, 674, 679, 689, 690, 694, 733, 769, 1026, 1094, 1095, 1787, 1794, 1797, 1807, 1916, 1923, 1990, 1994, 1996, 1997, 2001, 2009, 2011, 2014, 2029, 2066, 2073, 2074, 2172, 2173, 2174, 2177, 2576, 2579, 2631, 2632, 2666, 2679, 2716, 2718, 2720, 2724, 2775, 3014, 3020, 3072, 3074, 3078, 3079, 3109, 3125, 3132, 3134, 3135, 3142, 3159, 3161, 3162, 3163, 3167, 3172, 3180, 3181, 3182, 3198, 3200, 3357, 3372, 3373, 3378, 3380, 3387, 3388, 3389, 3406, 3407, 3408, 3409, 3411, 3413, 3414, 3426, 3429, 3430, 3438, 3446, 3448, 3451, 3454, 3455, 3456, 3457, 3458, 3459, 3460, 3461, 3463, 3464, 3468, 3478, 3484, 3486, 3488, 3520, 3581.

  1. [121](Cap. 12) Do que passou neste tempo até Pero de Faria chegar a Malaca.
  2. [123](Cap. 12) Passados vinte & tres dias depois que chegamos a esta cidade, em que eu acabey de conualecer de duas feridas que trouxe da briga da tranqueyra, vendome sem nenhum remedio de vida, me fuy, por conselho de hum padre meu amigo, offerecer a hum fidalgo honrado por nome Pero de Faria, que então estaua prouido de Capitaõ de Malaca, & que neste tempo daua mesa a todo o homem que a queria aceitar delle, o qual aceitou o meu offerecimento, & me prometeo que ao diante na sua capitania, me faria toda a amizade que pudesse, pois o eu queria acompanhar naquella jornada em que hia co Visorrey.
  3. [133](Cap. 12) E porque ja neste tempo erão catorze de Março, & a monção de Malata era ja chegada; se partio Pero de Faria para Goa, onde por prouisoẽs do Visorrey que leuaua, se acabou de prouer de tudo o necessario muyto abastadamente, & se partio de Goa a treze dias de Abril, com hũa frota de oito naos, & quatro fustas, & hũa Galé em que leuaua seiscentos homẽs, & com tempo feyto de boa monçaõ chegou a Malaca a cinco dias de Iunho do mesmo anno de 1539.
  4. [135](Cap. 13) Ao tempo que Pero de Faria chegou a esta fortaleza de Malaca, estaua nella por Capitaõ dom Esteuão da Gama, & esteue ainda algũs dias ate acabar o seu tempo, porem como Pero de Faria era Capitão chegado de nouo, & que ainda então começaua o seu tẽpo, despois de auer algũs dias que era chegado à fortaleza, os Reys comarcaõs della o mandaraõ visitar por seus Embaixadores, & darlhe os parabẽs da sua capitania, com offerecimentos de muyta amizade & cõseruação de pazes com el Rey de Portugal, entre os quais veyo hum del Rey dos Batas, que habita na ilha Çamatra da parte do Oceano, onde se presume que jaz a ilha do ouro que el Rey dom Ioaõ o terceyro algũas vezes tentou mandar descubrir, por informaçoẽs que destas partes algũs Capitaẽs lhe escreueraõ.
  5. [138](Cap. 13) E te peço mais de noua amizade, que dos esquecidos de teus almazẽs me socorras com pilouros & poluora, de que ao presente me acho muyto falto, para com a ajuda & fauor deste primeyro çauguate de tua amizade, castigar os perjuros Achẽs, inimigos crueys dessa tua antiga Malaca, com os quais te juro de em quanto viuer nunca ter paz nem amizade, ate não tomar vingança do sangue de tres filhos meus que de contino ma pedẽ com as lagrimas derramadas pela nobre Mãy que os cõcebeo, & os criou a seus peitos, que este cruel tyranno Achem me tem mortos nas pouoaçoẽs de Iacur & Lingau, como mais particularmente em nome de minha pessoa to dirá Aquarem Dabolay irmão da triste Mãy destes filhos, que de mim te enuio por noua amizade, paraque senhor cõtigo trate o mais que lhe parecer seruiço de Deos, & bem do teu pouo.
  6. [148](Cap. 14) E passados dezassete dias despois que chegara a Malaca, o despidio bem despachado, & satisfeito do que viera buscar, porque lhe deu ainda algũas cousas alem das que lhe pidira, como foraõ cem panellas de poluora, & rocas, & bombas de fogo, com que se partio tão contente desta fortaleza, que chorando de prazer, hum dia parante todos os que estauão no taboleyro da igreija, virandose para a porta principal della, com as maõs leuantadas, como quem fallaua com Deos, disse publicamẽte.
  7. [150](Cap. 14) E assi te prometo & juro com toda a firmeza de bom & leal, que meu Rey não tenha nunca outro Rey se não este grande Portuguez, que agora he senhor de Malaca.
  8. [151](Cap. 14) E embarcãdose logo na lanchara em que viera, se partio, & o foraõ acompanhando dez ou doze baloẽs até a ilha de Vpe que estaua daly pouco mais de meya legoa, onde o Bendara de Malaca, que he o supremo no mando, na honra, & na justiça dos Mouros, por mandado de Pero de Faria lhe deu hum grande banquete ao seu modo, festejado com charamellas, trombetas, & ataballes, & com musicas de boas falas a Portuguesa, com arpas, & doçaynas, & violas darco, que lhe fez meter o dedo na boca, que entre elles he sinal de grandissimo espanto.
  9. [152](Cap. 14) Vinte dias despois da partida deste Embaixador, cubiçando Pero de Faria o muyto proueito que alguns Mouros lhe diziaõ que naquelle reyno podia fazerse em fazendas da India se as lâ mãdasse, & o muyto mais que poderia tirar do retorno dellas, armou hũa embarcação das que naquella terra se chamão Iurupangos, que saõ do tamanho de hũa carauella pequena, em que por então não quiz arriscar mais que sôs dez mil cruzados de emprego, com os quais mandou hum Mouro natural dahy de Malaca para os beneficiar.
  10. [156](Cap. 14) E atrauessando o Piloto daquy de Malaca ao porto de Surotilau, que be na costa do reyno de Aarù, velejou ao longo da ilha Çamatra por esta parte do mar mediterraneo, atè hum rio que se dizia Hicanduré, & nauegando mais cinco dias por esta derrota, chegou a hũa fermosa bahia noue legoas do reyno Peedir em altura de onze graos, por nome Minhatoley, daquy cortou toda a trauessa da terra (a qual ja aquy nesta paragem não he de mais largura que de sós vinte & tres legoas) atè vermos o mar da outra banda do Oceano, & nauegando por elle quatro dias com tempos bonanças, foy surgir num rio pequeno de sete braças de fundo, que se dizia Guateamgim, pelo qual vellejou seis ou sete legoas adiante, vendo por entre o aruoredo do mato muyto grande quantidade de cobras, & de bichos de tão admiraueis grandezas & feiçoẽs, que he muyto para se arrecear contalo, ao menos a gente que vio pouco do mũdo, porque esta como vio pouco, tambem custuma a dar pouco credito ao muyto que outros viraõ.
  11. [164](Cap. 15) Indo nos por este rio acima espaço de sete ou oyto legoas, chegamos a hũa pouoação pequena que se dizia Batorrendão, que em nossa lingoajem quer dizer pedra frita, distante obra de hũ quarto de legoa da cidade de Panaajù, onde então o Rey dos Batas se estaua fazẽdo prestes para yr sobre o Achẽ, o qual tanto que soube do presente & carta que lhe eu leuaua do Capitão de Malaca, me mandou receber pelo Xabandar, que he o que gouerna com mando supremo todas as cousas tocantes ao meneyo das armadas; o qual com cinco lancharas, & doze balloẽs me veyo buscar a aquelle porto onde eu estaua surto, & me leuou com grande estrondo de atabaques & sinos & grita da chusma, até hum caiz da cidade, que se dizia Cãpalator, onde o Bendara, Gouernador do reyno me estaua esperando, acompanhado de muytos Ourobaloẽs, & Amborrajas, que he a mais nobre gente da corte, porem os mais delles, ou quasi todos pobrissimos no trato de suas pessoas, & nos seus vestidos, por onde entendi que não era esta terra tão rica como em Malaca se cuydaua.
  12. [166](Cap. 15) Esta velha me acenou com a mão como que me mandaua que entrasse, & com aspeito graue & seuero me disse, tua vinda, homem de Malaca, a esta terra del Rey meu senhor, he tão agradauel a sua vontade, como a chuua em tẽpo seco na lauoura de nossos arrozes, entra seguro & sem receyo de nada, por que ja todos, pola bondade de Deos, somos como vosoutros, & assi esperamos nelle que seja atè o derradeyro bocejo do mundo, & metendome dentro na casa onde el Rey estaua, lhe fiz meu acatamento, pondo tres vezes o joelho no chão, & assi lhe dey a carta & o presente que leuaua, com que elle mostrou que folgaua muyto, & me perguntou aque vinha, a que respondi conforme ao regimẽto que leuaua, dizendo, que a seruir sua alteza naquella jornada, & ver pelos olhos a cidade do Achem, & a fortificação della, & que braças de fundo tinha o rio, para saber se podião entrar nelle naos grossas & galeoẽs, porque o Capitão de Malaca tinha determinado, tanto que a gente viesse da India, vir ajudar sua alteza, para lhe entregar aquelle inimigo Achem em sua mão, o que o pobre Rey, por quão conforme isto era ao seu desejo, creo muyto de verdade, & erguendose do baileu, que era a tribuna em que estaua assentado, se pos em joelhos diante de hũa caueyra de vaca, que nũa cousa como prateleyro ou cantareyra estaua posta muyto enramada de muytas eruas cheyrosas, cos cornos ambos dourados, & leuantando as maõs para ella, disse quasi chorando.
  13. [168](Cap. 15) E ficando logo todos em hum silencio triste, se virou el Rey para mim, & alimpando os olhos das lagrimas que a efficacia da oração que fizera, lhe tinha feito derramar, me esteue perguntando por algũas particularidades da India, & de Malaca, em que gastou hum pequeno espaço até que me despidio com boas palauras, & promessa de boa veniaga à fazenda que o Mouro trazia do Capitão, que era o que eu então mais pretendia que tudo.
  14. [190](Cap. 17) E chegando daly a cinco dias a Panaajù, despidio toda a gente assi natural como estrangeyra, & se foy pelo rio acima em hũa lanchara pequena, sem querer leuar comsigo mais que dous ou tres homẽs, & foy ter a hum lugar que se dizia Pachissarù, no qual esteue encerrado catorze dias, a modo de nouenas, em hum pagode de hum idolo que se chamaua Guinasseroo, deos da tristeza, & tornado para Panaajù, me mãdou chamar, & ao Mouro que feytorizaua a fazenda de Pero de Faria, ao qual esteue miudamente perguntando pela venda della, & se lhe ficauaõ deuendo algũa cousa, porque lho mandaria logo pagar, a que o Mouro & eu respondemos que com as merces & fauores de sua alteza tudo se nos fizera muyto bem feito, & que os mercadores tinhão ja pago tudo sem ficarẽ deuẽdo nada, & que o Capitão lhe seruiria aquella merce cõ muyto cedo o vingar daquelle inimigo Achem, & lhe restituyr as terras que lhe elle tinha tomado: ao que el Rey, despois de estar hum pouco pẽsatiuo co que me ouuira, respondeo, Ah Portuguez, Portuguez, rogote que não faças de mim tão necio, ja que queres que te responda, que cuyde que quẽ em trinta annos se não pode vingar a sy, me possa socorrer a mim, porque como o Rey de vos outros, & os seus Gouernadores, não castigaraõ este inimigo, quãdo vos tomou a fortaleza de Paacem, & a Galè que hia para Maluco, & as tres naos em Quedà, & o Galeaõ de Malaca em tempo de Garcia de Sà, & as quatro fustas despois em Salangor, com as duas naos que vinhão de Bẽgala, & o junco, & o nauio de Lopo chanoca, & outras muytas embarcaçoẽs que agora me não vem à memoria, em que me affirmaraõ que matara mais de mil de vosoutros, a fora a presa riquissima que tomou nellas, logo foy para elle me destruyr a mim, & eu ter muyto poucas esperanças em vossas palauras, bastame ficar como fico, cõ tres filhos mortos, & a mayor parte do meu reyno tomada, & vos na vossa Malaca não muyto seguros.
  15. [192](Cap. 18) Do mais que passey co Rey Bata atê que me party para Malaca.
  16. [193](Cap. 18) Tornados o Mouro & eu para a casa onde ambos pousauamos, estiuemos mais quatro dias, acabãdo de embarcar hũs cem bares de estanho, & trinta de beijoim que ainda tinhamos em terra, & como de todo estiuemos satisfeitos dos deuedores para nos podermos yr, me fuy ao passeiuão das casas del Rey, & lhe dey cõta de como estaua ja de todo auiado, & prestes para me partir, se sua alteza me desse licẽça, ao que elle, fazẽdome gasalhado, me respõdeo, folguey co que ontem me disse o meu Xabandar, que a fazenda do Capitão hia bẽ negociada, mas porque pode ser que nisso não pretenderia tanto dizerme a verdade, como falarme à vontade, pelo desejo & gosto que elle sempre vio que eu tinha disso, te rogo muyto que me digas se he assi, & se vay contente esse Mouro que trouxe a fazenda, porque não queria que à custa da minha hõra se praguejasse em Malaca dos mercadores de Panaajû, que não tem verdade no que tratão, nem ha hy Rey que os constranja a pagarem o que deuẽ, porque te affirmo a ley de bom Gentio que serà isso tamanha afrõta para minha condiçaõ, como se agora sem me vingar fizera pazes co inimigo tyrãno, & perjuro Achem, ao que eu respondi, que sem falta nenhũa tudo hia muyto bem feito, & a fazenda toda paga, sem se ficar deuendo della nada.
  17. [196](Cap. 18) E assi te digo que digas de minha parte ao Capitão de Malaca, inda que ja lho tenho escrito, que se vigie continuamente deste inimigo Achem, porque em nenhũa outra cousa imagina, se não em como vos ha de lançar fora da India, & meter nella o Turco, de quem dizem que para isso pretende grande socorro, mas Deos por quem he prouerà de maneyra, que todas as suas maliciosas astucias soccedeo muyto ao reuès de seus pensamentos.
  18. [199](Cap. 18) E despidindome delle cõ muyta sobegidão de hõras, como sempre me fizera, mostrando ser de sua parte muyto fixa esta noua amizade que tomara com nosco, me vim embarcar, acompanhado do mesmo Aquarem Dabolay seu cunhado, que fora por Embaixador a Malaca, como atras ja fica dito.
  19. [201](Cap. 19) Do que passey atè chegar ao reyno de Quedâ, na costa da terra firme de Malaca, & do que ahy me aconteceo.
  20. [204](Cap. 19) E porque este Mouro Coja Ale que vinha comigo, era de sua natureza solto da lingoa, & muyto atreuido em falar o que lhe vinha à vontade, parecendolhe que por ser estrangeyro, & com nome de feitor do Capitão de Malaca, poderia ter mais liberdade para isso que os naturais, & que o Rey lho não acoimaria a elle como fazia aos seus, sendo hum dia conuidado doutro Mouro que se daua por seu parẽte, mercador estrãgeyro natural de Patane, parece ser segundo me despois contaraõ, que estando elles no meyo do banquete, ja bem fartos, vieraõ os conuidados a falar neste feito tão publicamente, que ao Rey, pelas muytas escutas que nisso trazia, lhe deraõ logo rebate, o qual sabendo o que passaua, mandou cercar a casa dos conuidados, & tomandoos a todos, que eraõ dezassete, lhos trouxeraõ atados.
  21. [206](Cap. 19) E temendose el Rey que pudesse o Capitão tomar mal mandarlhe elle matar o seu feitor na volta dos condenados, & que por isso lhe mandasse lançar mão por algũa fazenda sua que là tinha em Malaca, me mandou logo naquella noite seguinte chamar ao Iurupango onde então estaua dormindo, sem atè aquella hora eu saber algũa cousa do que passaua.
  22. [207](Cap. 19) E chegando eu ja despois da meya noite ao primeyro terreyro das casas, vy nelle muyta gente armada com treçados, & cofos, & lanças, a qual vista, sendo para mym cousa assaz noua, me pòs em muyto grande confusaõ, & sospeitando eu que poderia ser algũa traição das que ja em outros tempos nesta terra ouue, me quisera logo tornar, o que os que me leuauão não consentirão dizendo, que não ouuesse medo de cousa que visse, por que aquillo era gente que el Rey mandaua para fora a prender hum ladraõ, da qual reposta confesso que não fiquey satisfeito, & começãdo eu ja neste tempo a tartamelear, sem poder quasi pronunciar palaura que se me entẽdesse, lhes pidi assi como pude, que me deixassem tornar ao Iurupãgo em busca de hũas chaues que me là ficaraõ por esquecimẽto, & que lhes daria por isso quarẽta cruzados logo em ouro, a que elles todos sete respõderaõ, nem que nos dès quanto dinheyro ha em Malaca, porque se tal fizermos, nos mandara el Rey cortar as cabeças.
  23. [209](Cap. 19) E chegando ao outro terreyro de dentro, o achey encima de hũ Alifante, acompanhado de mais de cem homẽs, a fora a gente da guarda, que era em muyto mor quãtidade, o qual quãdo me rio da maneyra que vinha, me disse por duas vezes, jangão tacor, não ajas medo, vem para cà, & saberàs o para que te mandey chamar, & acenando com a mão, fez afastar dez ou doze daquelles que aly estauão, & a mym me acenou que olhasse para aly, eu então olhando para onde elle me acenaua, vy jazer de bruços no chão muytos corpos mortos, todos metidos num charco de sangue, hum dos quais conheci que era o Mouro Coja Ale feitor do Capitão que eu trouxera comigo, da qual vista fiquey tão pasmado & confuso, que como homem desatinado me arremessey aos pès do alifante em que el Rey estaua, & lhe disse chorando, peçote senhor que antes me tomes por teu catiuo, que mandaresme matar como a esses que ahy jazem, porque te juro a ley de Christão que o não mereço, & lembrote que sou sobrinho do Capitão de Malaca, que te darà por mim quanto dinheyro quiseres, & ahy tẽs o jurupango com muyta fazenda, que tambẽ podes tomar se fores seruido; a que elle respondeo, valhame Deos, como?
  24. [215](Cap. 19) Pelo que te rogo muyto como amigo, que te não pareça mal isto que fiz, porque te affirmo que me magoaras muyto nisso, & se por ventura cuydas que o fiz para tomar a fazenda do Capitão de Malaca, crè de mym que nunca tal imaginey, & assi lho podes certificar cõ verdade, porque assi te juro em minha ley, porque sempre fuy muyto amigo de Portugueses, & assi o serey em quanto viuer.
  25. [216](Cap. 19) Eu entaõ ficando algum tanto mais desassombrado, com quãto não estaua ainda de todo em mim, lhe respondi que sua alteza em mãdar matar aquelle Mouro, fizera muyto grãde amizade ao Capitão de Malaca seu irmão, porque lhe tinha roubado toda sua fazenda, & a mym por isso ja por duas vezes me quisera matar com peçonha, só por lhe eu não poder dizer as emburilhadas que tinha feitas, porque era taõ mao perro que cõtinuamente andaua bebado, falando quanto lhe vinha à vontade, como cão que ladraua a quantos via passar pela rua.
  26. [219](Cap. 20) Do que passey despois que me party deste rio Parlès ate chegar a Malaca, & da informação que dey a Pero de Faria de algũas cousas.
  27. [221](Cap. 20) Este Tristão de Gaa me proueo logo de muytas cousas de que vinha falto, como foraõ amarras, & marinheyros, & dous soldados, & hum Piloto, & elle com as outras duas naos me deraõ sempre guarda em todo o caminho, ate surgir no porto de Malaca.
  28. [232](Cap. 21) Como chegou â fortaleza de Malaca hum Embaixador del Rey de Aarû, & do que passou nella.
  29. [233](Cap. 21) Avendo sòs vinte & seis dias que eu era chegado a Malaca com esta reposta do Rey dos Batas de que tenho tratado, sendo ainda neste tempo dõ Esteuão da Gama Capitão da fortaleza, chegou a ella hum Embaixador do Rey de Aarù, que he nesta ilha Çamatra, & o negocio aque vinha, era pedir socorro de gente, & algũas muniçoẽs de pilouros & poluora, pera se defender de hũa grossa frota que o Rey do Achem mandaua sobre elle para lhe tomar o reyno, a fim de ficar mais nosso vezinho, & dahy cõtinuar com suas armadas sobre Malaca, por lhe serem chegados nouamente trezentos Turcos do estreyto de Meca.
  30. [240](Cap. 21) E mandandouos agora pedir que lhe valhais nesta afronta, como verdadeyros amigos, vos escusais de o fazerdes com rezoẽs de muyto pouca força, não montando mais o cabedal deste socorro todo, para satisfaçaõ de nosso desejo, & segurança de nos estes inimigos não tomarem o reyno, que sò atè quarenta ou cinquenta Portugueses com suas espingardas & armas, para nos ensinarem, & nos animarem em nossos trabalhos, & quatro jarras de poluora, com duzentos pilouros de berço, & com este pouco, que he bem pouco em comparação do muyto que vos fica, nos aueremos por muyto satisfeitos da vossa amizade, & o nosso Rey vos ficarà por isso muyto obrigado, paraque sempre com muyta lealdade sirua como escrauo catiuo ao Principe do grande Portugal, vosso & nosso senhor & Rey, da parte do qual, & em nome do meu vos requeiro senhores a ambos hũa & duas & cem vezes, que não deixeis de cũprir co que deueis, pois a importancia disto que aquy publicamente vos peço, he terdes o reyno de Aarù por vosso, & esta fortaleza de Malaca segura para a não senhorear este inimigo Achem, como determina fazer, pelos meyos que ja para isso tẽ procurado, com se valer de muytas naçoẽs de gentes estranhas, que continuamente recolhe em sua terra para este effeito.
  31. [252](Cap. 22) E despois que vio todo o presente, & a poluora, & as mais muniçoẽs, braçandome, disse muyto alegre, afirmote meu bom amigo que toda esta noite sonhaua que dessa fortaleza del Rey de Portugal meu senhor me vinha todo este bem que agora tenho diante de meus olhos, cõ o qual espero em Deos de defender minha terra, para lhe fazer sempre com ella muytos seruiços como fiz ategora, de que os Capitaẽs passados de Malaca seraõ boas testemunhas.
  32. [256](Cap. 22) E dandome então conta com assaz de tristeza, como quem desabafaua comigo do grande trabalho em que estaua, & da grandissima afronta em que se via, me disse que tinha ja cinco mil homẽs Aarûs, sem mais socorro doutra gente nenhũa, com quarenta peças de artilharia miuda, antre falcoẽs & berços, em que entraua hũa meya espera de metal, que antigamente lhe vendera hũ Portuguez que fora almoxarife da fortaleza de Paacem, por nome Antonio Garcia, o qual despois Iorge de Albuquerque mandou esquartejar em Malaca, por se cartear com el Rey de Bintão num certo modo de traição que cometia.
  33. [258](Cap. 22) E querendolhe eu responder a isto que com tanta magoa me dizia, me desfez todas as minhas razoẽs cõ hũas verdades tão claras, que daly por diante me não atreui a lhe responder mais cousa nenhũa, porque entendi que não tinhão contradiçaõ suas queixas, porque me apontou em algũas cousas assaz feyas & criminosas em que culpaua algũas pessoas particulares, de que aquy não trato, porque não faz a meu proposito, & porque não he minha tençaõ descubrir faltas alheyas, & o remate desta pratica foy remocarme o pouco castigo que por estas cousas se dera aos culpados, & as grandes merces que vira fazer a quẽ as não merecia, & por derradeyro ajuntou que o Rey que queria cũprir inteyramente cõ a obrigação do officio que tinha, & que por armas auia de conquistar & conseruar pouos taõ apartados da sua terra, tão necessario lhe era castigar os maos, como premiar os bõs, porem se elle acertaua de ser tal que ao descuydo & froxidão que tinha no dar do castigo, punha nome de clemencia, se os seus lhe conhecião esta natureza, logo punhaõ os peis sem medo por onde queriaõ, o que despois pelo tẽpo em diante vinha, ou podia vir a ser causa de porem as forças das suas conquistas no estado em que Malaca agora se via.
  34. [269](Cap. 23) E como a menham foy clara, perguntey aos quatro marinheyros que hiaõ comigo se conhecião aquella terra, & se auia aly por derredor algũa pouoaçaõ, a que hum delles homem ja de dias, & casado em Malaca, me respondeo chorãdo, a pouoação senhor que tu & eu agora temos mais perto, se Deos milagrosamente nos não socorre, he a morte penosa que temos diante dos olhos, & a conta dos peccados que antes de muyto poucas horas auemos de dar, para o qual nos he necessario fazermonos prestes muyto depressa, como quem forçadamente ha de passar outro muyto môr trago que este em que nos agora vemos, tomando cõ paciencia isto que da mão de Deos nos he dado, & não te desconsoles por cousa que vejas, & que o temor te ponha diante, porque considerado bem tudo, pouco vay em ser mais oje que a menham.
  35. [276](Cap. 24) Os que vinhaõ na barcaça, em nos vẽdo leuaraõ remo, & despois de estarẽ hũ pouco quedos, vendo o triste & miserauel estado em que estauamos, & entendendo que eramos gente perdida no mar, se chegaraõ mais perto, & nos perguntaraõ o que queriamos, nos lhe respondemos que eramos Christaõs naturaes de Malaca, & que vindo de Aarù nos perderamos auia ja noue dias, pelo que lhe pediamos pelo amor de Deos que nos quisessem leuar consigo para onde quer que fossem.
  36. [277](Cap. 24) A que hũ que parecia ser o principal delles respondeo, não estais vós de maneyra, segundo vejo em vossas disposiçoẽs, que possais merecer o que nos comerdes, pelo que vos seria bom, se tendes algum dinheyro escondido dardesnolo, & então vsaremos com vosco dessa proximidade que vossas lagrimas nos pedem, porque doutra maneyra não tendes remedio, E fazendo com isto mostra de se quererem tornar, lhe tornamos a pedir chorãdo que nos tomassem por seus catiuos, & nos fossem vẽder onde quisessem, porque por mim que era Portuguez, & muyto parente do Capitaõ de Malaca lhe darião em toda a parte o que pedisse: ao que elles responderaõ, somos contentes cõ cõdição que se assi não for como dizeis, vos auemos de matar cõ açoutes, & atados de pês & de maõs, vos auemos de lançar viuos ao mar, & nos lhe dissemos que assi o fizessem.
  37. [282](Cap. 24) E auendo ja trinta & seis dias que estaua fora do seu poder, deitado no almarge, como sindeyro sem dono, pedindo de porta em porta algũa fraca esmolla que muyto raramente me dauão, por ser pobríssima toda a gente daquella terra; permitio nosso Senhor que jazendo eu hũ dia lançado na praya ao Sol, lamentando minhas desauenturas, acertou de passar hum Mouro natural da ilha de Palimbão, que ja por algũas vezes tinha ido a Malaca, & conuersado com Portugueses.
  38. [283](Cap. 24) Este vendome jazer assi despido na area, me perguntou se era Portuguez, & que lhe não negasse a verdade, a que eu respondy que sy, & de parẽtes muyto ricos, & que por mim lhe poderião dar quanto pedisse, se me leuasse a Malaca, porque era sobrinho do Capitaõ da fortaleza, filho de hũa sua irmam; a que elle respondeo: pois, se es esse que dizes, que peccado foy o teu por onde vieste a tão triste estado como esse em que te vejo?
  39. [286](Cap. 24) Eu (como podes saber) sou hũ mercador pobre, & tão pobre, que por minha possibilidade não chegar a mais que a cem pardaos, me mety neste trato das ouas dos saueis, cuydando que por esta via pudesse ter melhor remedio de vida, o que por minha mofina não pude, & porque agora tenho sabido que em Malaca posso fazer algum proueito, se o Capitão & os officiais da alfandega me não fizerẽ os agrauos de que tenho ouuido queixar a muytos que lhe fazẽ nessa fortaleza nas fazendas que a ella leuão, folgaria de yr là: & se te parecer que por teu respeito posso eu là yr seguro de receber opressaõ ou agrauo, entenderey em te comprar a os pescadores de que me dizes que es catiuo.
  40. [287](Cap. 24) Eu lhe respondy com assaz de lagrimas, que muyto bem via que não estaua eu de maneyra paraque se elle fiasse do que lhe eu dissesse, assi pelo baixo estado em que me via, como porque lhe poderia parecer que eu, por desejar de me ver liure de tão triste catiueyro, lhe podia fazer mais caso de mim do que là em Malaca podia achar, mas que se elle se quisesse fiar em meu juramento, ja que então não tinha outro penhor que lhe desse, que eu lhe juraria, & lhe daria hum escrito meu que se me leuasse a Malaca, que o Capitão lhe faria por isso muyta honra, & lhe não tomarião de sua fazenda cousa nenhũa, & lhe pagariaõ dez vezes dobrado tudo o que por mim desse.
  41. [288](Cap. 24) O Mouro me respondeo: ora sou contente de te comprar, & leuarte a Malaca, com tanto que não digas nada disto que agora passey comtigo, porque me não aleuãtem o preço tão alto que te naõ possa ser bom inda que queyra.
  42. [293](Cap. 25) Acabando o mercador de carregar a lanchara, que era a embarcação em que leuaua esta mercadaria, se partio para Malaca, onde chegou daly a tres dias, & se foy logo a fortaleza ver o Capitão, & me leuou comsigo, a quem deu conta do que tinha passado comigo.
  43. [302](Cap. 26) Porem antes que trate de outra cousa me pareceo necessario dar relaçaõ do fim que teue esta guerra dos Achẽs, & em que parou o aparato da sua armada, paraque fique entendida a razão do pronostico, & do receyo em que tantas vezes cõ gemidos & suspiros tenho apontado por parte da nossa Malaca, tão importãte ao estado da India, quanto (ao que parece) esquecida daquelles de quẽ com razão diuera ser mais lẽbrada, porque entẽdo que por via de razão, de duas ha de ser hũa, ou destruyrse este Achẽ, ou por seu respeito virmos nos a perder toda a banda do Sul, como he Malaca, Banda, Maluco, Çunda, Borneo, & Timor, a fora no Norte, a China, Iapaõ, Lequios, & outras muytas terras & portos em que a nação Portuguesa, por seus tratos & comercios tem mais importante & mais certo remedio de vida que em todas as outras quantas saõ descubertas do cabo de boa esperança para diante, cuja grandeza he tamanha que se estende a terra por costa em distãcia de mais de tres mil legoas, como se poderâ ver nos mapas & cartas que disso tratão, se sua graduação estiuer na verdade.
  44. [306](Cap. 26) Este tyrãno Rey Achem foy aconselhado pelos seus, que se queria tomar Malaca, por nenhũa maneyra o poderia fazer cometendoa de mar em fora, como ja por seis vezes tinha tentado no tẽpo de dom Esteuão da Gama, & de outros Capitaẽs atras passados, senão com se fazer primeyro senhor deste reyno de Aarù, & se fortificar no rio de Paneticão, donde as suas armadas podiaõ continuar de mais perto a guerra que lhe pretendia fazer, porque então ficaua muyto pouco custoso fechar os estreitos de Cincapura & de Sabaom, & tolher que as nossas naos passassẽ ao mar da China, & Çũda, & Bãda, & Maluco, por cujo respeito poderia tambem facilmente auer á mão toda a drogaria daquelle arcipelago, para ficar assi effeituado o nouo contrato que por meyo do Baxà do Cayro tinha assẽtado co Turco.
  45. [321](Cap. 27) Esta he a justiça que manda fazer Soltão Alaradim, Rey da terra dambos os mares, piuete das alampadas douro da capella do Profeta Nobi, que quer & lhe praz, que assi serrado & cozido em fogo padeça a alma deste Mouro, por ser transgressor da ley do Alcoraõ, & da perfeita crença dos Massoleymoẽs da casa de Meca, que sendo justo por doutrina santa do liuro das flores, se fez nas obras intemente a Deos, com mandar continuamente auisos dos segredos deste reyno aos malditos caẽs do cabo do mundo, que por tyrannia de offensa graue, & por peccados de nosso descuydo senhoreão Malaca, a que todo o pouo, com hum espantoso tumulto de vozes respondia, pequeno castigo, para tamanho crime.
  46. [323](Cap. 28) Do que passou no reyno de Aarû despois da morte del Rey, & de como a Raynha foy a Malaca.
  47. [327](Cap. 28) Com este feruor, sem fazer mais detença, se pòs em hum Alifante, & acõpanhada de trezentos dos seus que aly tinha comsigo para sua guarda; & de outros muytos que despois se lhe ajuntaraõ, com que fez hum corpo de setecentos homẽs, se veyo com elles para a cidade, com determinaçaõ de lhe pòr o fogo, porque os inimigos a não lograssem, & achãdo nella obra de quatrocentos Achẽs occupados no despojo dalgum pouco fato que ainda nella auia, incitando os seus a se fazerem amoucos, & trazendolhes à memoria com muytas lagrimas, a obrigaçaõ que para isso tinhaõ, cometeo os inimigos tão esforçadamente, que dos quatrocentos se affirmou despois em Malaca que não escapara nenhũ.
  48. [328](Cap. 28) E vendo ella que para o mais que desejaua de fazer não era poderosa, se tornou a recolher ao mato, dõde em sòs vinte dias que ahy mais esteue lhe fez tanta guerra, & os salteou por tantas vezes no tomar da agoa & lenha, & outras cousas de que tinhaõ necessidade, que não ousauão ja nenhũs a sayr fora, nem se prouerem do necessario, & se fora possiuel continuarlhe esta guerra mais outros vinte dias, a fome os ouuera de fazer entregar inda que não quiseraõ, mas como as chuuas eraõ continuas por causa do clima, & a terra em sy era brejosa & alagadiça, & as frutas do mato de que se sustentauão eraõ ja todas podres, & a mayor parte da gente estaua doente & sem remedio, lhe foy forçado à Raynha passarse para hũ rio que estaua daly cinco legoas, que se chamaua Minhaçumbaa, no qual se embarcou em dezasseis embarcaçoẽs de remo que ahy pode ajuntar, em que auia algũs paroos de pescadores, & nellas se veyo ter a Malaca, parecendolhe que vindo ella em pessoa, se lhe não negaria cousa de quantas pidisse.
  49. [329](Cap. 29) Do recebimento que em Malaca se fez â Raynha de Aarû, & do que passou com Pero de Faria Capitaõ da fortaleza.
  50. [339](Cap. 30) Como esta Raynha de Aarû se partio de Malaca para Bintão, & do que passou com el Rey do Iantana.
  51. [340](Cap. 30) Ovuindo Pero de Faria o que esta desconsolada Raynha publicamente lhe disse, a qual lhe trouxe aly tambem à memoria as obrigaçoẽs que tinha para lhe fazer o que lhe pedia, alcançado elle de seu descuydo, & quasi corrido por esta falta em que tinha caydo, lhe respondeo, que em ley de Christaõ, & em sua verdade lhe affirmaua, que ja sobre este caso tinha escrito duas vezes ao Visorrey, & que sem falta nenhũa esperaua aquella monção por gente & armada, se na India não ouuesse trabalho que o estoruasse, pelo que lhe aconselhaua, & pedia muyto por merce, que por em tanto se deixasse estar aly em Malaca, ate que este pouco tempo lhe mostrasse aquella verdade.
  52. [348](Cap. 30) E mãdãdo logo fazer prestes as suas embarcaçoẽs, se partio ao outro dia para Bintão, onde naquelle tempo estaua el Rey do Iantana, o qual, segundo se disse despois em Malaca, lhe fez muyto grandes honras, & ella lhe deu conta do que passara cõ Pero de Faria, & de quão perdidas trazia as esperanças da nossa amizade, & lhe relatou por extẽso todo o processo, & o successo do negocio.
  53. [357](Cap. 31) Siribi Iaya quendou pracamaa de raja, direyto Rey por successaõ de patrimonio da minha catiua Malaca, vsurpada por jugo tyrannico de força de braço na injustiça dos infieis, Rey do Iantana, & de Bintão, & dos subditos Reys de Andraguiree, & de Lingaa, a ty Siry Soltão Alaradim Rey do Achem, & de toda a mais terra de ambos os mares, meu verdadeyro irmão pela antiga amizade de nossos auòs fauorecido por sello dourado da santa casa de Meca por bom & fiel Daroez, como os datos Moulanas que por honra do profeta Noby peregrinaraõ com esteril vida os cansados dias desta miseria.
  54. [364](Cap. 31) Toma primeyro Malaca, pois que foy tua, & então entenderàs no que nunca foy teu, & eu te fauorecerey como a vassallo, mas não como a irmão por que te nomeas.
  55. [378](Cap. 32) E desta maneyra que tenho contado, & que puntualmente assi passou na verdade, ficou o reyno de Aarù liure deste tyranno Achem, & em poder do Rey do Iantana, atè o anno de mil & quinhentos sessenta & quatro, que o mesmo Achem com hũa frota de duzentas vellas, fingindo yr sobre Patane, deu manhosamente hũa noite no Iantana, onde o Rey então estaua, & o tomou às mãos com suas molheres & filhos, & outra muyta gente, & os leuou catiuos para sua terra, onde de todos, sem perdoar a nenhum, mandou fazer crueys justiças, & ao Rey com hum pao muyto grosso fez botar os miolos fora, & tornou de nouo a senhorear o reyno de Aarù, de que logo intitulou por Rey o seu filho mais velho, que foy o que despois mataraõ em Malaca vindoa elle cercar, sendo Capitão da fortaleza dom Lionis Pereyra filho do Cõde da Feira, que lha defendeo com tanto esforço, que pareceo mais milagre que obra natural, por ser então tamanho o poder deste inimigo, & os nossos tão poucos em sua comparação, que bem se pudera dizer com verdade que eraõ duzentos Mouros para cada Christão.
  56. [379](Cap. 33) Como indo eu de Malaca para o reyno de Pão achey vinte & tres Christãos perdidos no mar.
  57. [382](Cap. 33) Partindo eu de Malaca cõ este dessenho, aos sete dias da minha viagem, sendo hũa noite tanto auante como a ilha de Pullo Timão, que pode ser nouenta legoas de Malaca, & dez ou doze da barra de Pão, quasi meyo quarto dalua passado, ouuimos por duas vezes hũa grande grita no mar, & não vẽdo nada por causa do grande escuro que ainda fazia, ficamos todos muyto suspensos, porque não sabiamos atinar co que aquillo seria, & mareando as vellas, fomos guinando para onde tinhamos ouuido o tom da grita, vigiando todos cos rostos baixos, para vermos se podiamos deuisar o que aquillo fosse.
  58. [386](Cap. 33) E despois de serem recolhidos & agasalhados o milhor que então foy possiuel, lhe perguntamos pela causa da sua desauentura: a que hum delles respondeo com assaz de lagrimas, Senhores, a mim me chamão Fernão Gil Porcalho, & este olho que me vedes menos, me quebraraõ os Achẽs na tranqueyra de Malaca, quãdo da segunda vez vieraõ sobre dom Esteuão da Gama, o qual desejando de me fazer merce, por me ver tão pobre como era naquelle tẽpo, me deu licença que fosse a Maluco, onde prouuera a Deos que não fora, ja que tal successo auia de ter a minha yda, porque despois que party do porto de Talãgame, que he o surgidouro da nossa fortaleza Ternate, auendo ja vinte & tres dias que nauegamos com tempos bonãças, & bem cõtentes de nòs, em hum junco que trazia mil bares de crauo, que valiaõ mais de cem mil cruzados, quiz a minha triste vẽtura por muytos peccados que contra Deos comety, que sendo Noroeste sueste com a ponta de Surobaya, na ilha da Iaoa, nos deu hum tempo de Norte tão rijo, que com a vaga dos mares cruzados, & co grande escarceo que o mar leuãtou, nos abrio o junco pela roda de proa; pelo qual nos foy forçado alijar o conuès, & corrẽdo assi aquella noite a aruore seca, sem mostrar ao vento hum só palmo de vella, por serem insofriueis as refegas que a miude o tempo de sy lançaua, viemos com assaz de trabalho atê meyo quarto dalua rendido, em que supitamente se nos foy o junco fundo, sem delle se saluarem mais que estas vinte & tres pessoas que nos aquy vedes, de cento & quarẽta & sete que nelle vinhamos.
  59. [391](Cap. 34) Daquy desta paragem nos fomos demandar a barra de Pão, onde chegamos quasi à meya noite que surgimos na boca da barra defronte de hũa pouoação pequena que se dizia Campalarau, & como a menham foy clara, nos fomos a remo pelo rio acima até a cidade, que seria daly pouco mais de hũa legoa, onde achamos o Tomè Lobo, que, como disse, ahy residia por feitor do Capitão de Malaca, a quẽ entreguey a fazenda que leuaua.
  60. [392](Cap. 34) E neste dia nos fallecerão tres Portugueses dos quatorze que achamos perdidos, hum dos quais foy o Fernão Gil Porcalho Capitão do jũco, & cinco moços Christaõs, os quais todos lãçamos de noite ao mar, cõ penedos atados nos peis & nos pescoços paraque se fossem ao fundo, porque na cidade nolos não quiserão deixar enterrar, cõ quãto Tomé Lobo lhe daua por isso quarenta cruzados, dãdo por razão que ficaria a terra maldita, & incapaz de poder criar cousa algũa, por quãto aquelles defũtos não hião lauados do muyto porco que tinhão comido, que era o mais graue & inorme peccado que quãtos na vida se podião imaginar: aos outros destes perdidos que ficarão viuos, agasalhou o Tomê Lobo, & os proueo a todos muyto abastadamẽte de tudo o que lhes foy necessario atè cõualecerẽ, & se irẽ para Malaca.
  61. [393](Cap. 34) Daly a algũs dias querẽdo eu seguir minha viagẽ para onde leuaua determinado, que era atè Patane, o Tomè Lobo mo não consintio, pedindome muyto que o não fizesse, porque me afirmaua que se não auia por seguro naquella terra, por lhe dizerem que hum Tuão Xerrafaõ, homem muyto principal nella, tinha jurado de lhe pór o fogo à casa, para o queimar dentro cõ quanta fazenda nella estiuesse, por dizer que em Malaca lhe tomara hum feitor do Capitão cinco mil cruzados em beijoim, & seda, & aguila, a muyto menos preço do que valia, & lhos pagara em roupa podre a como quisera, pelo que dos cinco mil cruzados de emprego, que em Malaca valião mais de dez mil, a fora o retorno de boas fazendas que de lá pudera trazer em que mõtaria quasi outro tanto de ganho, não tirara mais que sòs setecẽtos cruzados.
  62. [395](Cap. 34) E que se tinha aquella noua por tão certa como me affirmaua, que porque deixaua yr aquelles onze Portugueses, ou porque não se embarcaua com elles para Malaca?
  63. [400](Cap. 35) E tendo ja quasi tudo arrecadado, com tenção de nos embarcarmos ao outro dia, ordenou o demonio que aquella noite logo seguinte acontecesse hum caso assaz espantoso, o qual foy que hum Coja Geinal Embaixador del Rey de Borneo que auia ja tres ou quatro annos que residia na corte del Rey de Pão, & era homẽ muyto rico, matou a el Rey, pelo achar cõ sua molher, pelaqual causa foy tamanha a reuolta na cidade, & em todo o pouo, que não parecia cousa de homẽs, se não de todo o inferno junto; vendo então algũs vadios & gente ociosa, desejosa de tais successos como aquelles, que o tempo & a occasiaõ era então muyto accommodada para fazerem o que antes co temor do Rey não ousauão, se ajuntaraõ nũa grande companhia quasi quinhentos ou seiscẽtos destes, & em tres quadrilhas se vieraõ à feitoria onde pousaua o Tome Lobo, & abalroando as casas por seis ou sete partes, nolas entraraõ por força, por mais que as nòs defendemos, & na defensaõ dellas foraõ mortas da nossa parte onze pessoas, entre as quais foraõ os tres Portugueses que eu trouxera comigo de Malaca, & o Tome Lobo escapou com seis cutiladas, de hũa das quais lhe derrubaraõ a face direita atè o pescoço, de que esteue à morte, pelo que a ambos nos foy forçado largarmoslhe a pousada cõ toda a fazenda que nella auia, & recolhermonos à lãchara, na qual prouue a Deos que escapamos com mais cinco moços, & oyto marinheyros, porem da fazenda não escapou nada, a qual só em ouro & pedraria passaua de cinquenta mil cruzados.
  64. [402](Cap. 35) E partindonos logo daly, dentro de seis dias chegamos a Patane, onde fomos bem recebidos dos Portugueses que auia na terra, aos quais demos conta de tudo o que acontecera em Paõ, & do mao estado em que ficaua a miserauel cidade, de que todos mostraraõ pesarhes muyto, & querendo fazer sobre isto algũa cousa, mouidos somente do zelo de bõs Portugueses, se foraõ todos a casa del Rey, & se lhe queixaraõ muyto da sem razão que se fizera ao Capitão de Malaca, & lhe pediraõ licença para se entregarem da fazenda que lhe era tomada, o que el Rey lhes concedeo leuemente, dizendo: Razão he que façais como vos fazem, & que roubeis quem vos rouba, quãto mais ao Capitão de Malaca, a quem todos sois tão obrigados.
  65. [410](Cap. 35) E com quanto erão de pazes & se dauão por nossos amigos, todauia trabalharaõ quanto foy possiuel, com peitas que deraõ aos regedores, & aos priuados de el Rey, para que fizessem com elle que nos acoimasse o feito, & nos lançasse fora da terra, o que el Rey não quiz fazer, dizendo, que por nenhum caso auia de quebrar as pazes que seus antepassados tinhão feitas com Malaca, mas querẽdose fazer terceiro, & meter a mão entre nos & os tomados, nos pidio que satisfazendo os tres Necodàs senhorios dos juncos o que em Pão se tomara ao Capitão de Malaca, lhes largassem liuremente as suas embarcaçoẽs, o que o Ioão Fernandez Dabreu, & os mais Portugueses outorgaraõ pelo muyto desejo que virão que el Rey tinha disso, de que se elle mostrou muyto contente, & lhes agardeceo aquella boa vontade com muytas palauras.
  66. [414](Cap. 36) Avendo ja vinte & seis dias que eu estaua aquy em Patane acabãdo de auiar hũa pouca de fazenda que viera da China para me tornar logo, chegou hũa fusta de Malaca, de que vinha por Capitão hum Antonio de Faria de Sousa, o qual, por mandado de Pero de Faria, vinha a fazer aly certo negocio com el Rey, & assentar com elle de nouo as pazes antiguas que tinha com Malaca, & agradecerlhe o bom tratamento que no seu reyno fazia aos Portugueses, & outras cousas a este modo de boa amizade, importantes ao tempo, & ao interesse da mercancia, que na verdade era o que mais se pretendia que tudo, porem esta tenção vinha rebuçada com hũa carta a modo de embaixada, acompanhada de hum presente de boas peças, mandadas em nome del Rey nosso Senhor, & â custa de sua fazenda, como he custume fazerem os Capitaẽs todos naquellas partes.
  67. [415](Cap. 36) Este Antonio de Faria trazia hũs dez ou doze mil cruzados em roupas da India que em Malaca lhe emprestaraõ, as quais eraõ de tão mà digestaõ naquella terra, que não auia pessoa que lhe prometesse nada por ellas, pelo que vendose elle de todo desesperado de as poder gastar, determinou de inuernar aly até lhe buscar espediente por qualquer via que fosse possiuel; & foy acõselhado por algũs homẽs mais antiguos na terra que a mandasse a Lugor, que era hũa cidade do reyno Sião mais abaixo para o norte cem legoas, por ser porto rico, & de grande escala, em que auia grande soma de jũcos da ilha da Iaoa, dos portos de Laue, Tanjampura, Iapara, Demaa, Panaruca, Sidayo, Passaruaõ, Solor, & Borneo, que a troco de pedraria & ouro costumauão a comprar bem aquellas fazendas.
  68. [441](Cap. 37) A honrada dona, batendo então nos peitos, por sinal de grande espãto, disse, que me matem, se assi não he, porque esse Mouro que vos outros dizeis se gabaua publicamente a quem o queria ouuir, que da geração destes homẽs de Malaca tinha mortos por algũas vezes hũa grande soma, & que lhe queria tamanho mal que tinha prometido ao seu Mafamede de matar inda outros tantos.
  69. [451](Cap. 38) Antonio de Faria vendose sem nenhum remedio, & cos seus doze mil cruzados que em Malaca lhe emprestarão roubados, querẽdoo algũs consolar nesta perda, lhes respõdeo, que lhes confessaua que se não atreuia tornar a Malaca a ver o rosto aos seus acrédores, porque arreceaua que o quisessem elles obrigar pelas escrituras que lhes tinha feito a lhes pagar o que lhes deuia, o que elle então por nenhũa via podia fazer.
  70. [456](Cap. 38) Nesta yda foy tambem necessario yr o pobre de mim, por me ver sem hum só vintem de meu, nẽ quem mo desse nem emprestasse, & deuer em Malaca mais de quinhentos cruzados que algũs amigos me tinhaõ emprestado, os quais, cõ mais outros tantos que tinha de meu, todos por meus peccados o perro me leuou na volta dos outros de que tenho contado, sem saluar de tudo quanto tinha de meu mais que a pobre pessoa, cõ tres zargunchadas, & hũa pedrada na cabeça, de que estiue á morte por tres ou quatro vezes, & ainda aquy em Patane me tiraraõ hũ osso antes que acabasse de sarar della.
  71. [519](Cap. 43) Chegado este homẽ jũto de Antonio de Faria, vendo elle que era brãco como qualquer de nós, lhe perguntou se era Turco ou Parsio, ao que elle respondeo que não, mas que era Christão, natural de monte Sinay, onde estaua o corpo da bemauenturada santa Caterina, a isto lhe replicou Antonio de Faria, que pois era Christão como dezia, como não andaua entre Christãos, a que elle respondeo que era mercador, & de boa progenie, por nome Tome Mostãgue, & que estãdo surto com hũa nao sua no porto de Iudaa no anno de 1538. o Soleimão Baxà Visorrey do Cayro lha mandara tomar, como fizera a mais outras sete, para trazerem mantimẽtos & muniçoẽs para fornimento da armada das sessenta galês em que vinha por mandado do Turco, para restituyr o Soltão Baudur no reyno de Cambaya, de que o Mogor naquelle tempo o tinha desapossado, & lançar os Portugueses fora da India, & que vindo elle na mesma nao para a beneficiar & arrecadar o seu frete que lhe tinhão prometido, os Turcos, alem de lhe mentirem em tudo como sempre costumão, lhe tomarão sua molher, & hũa filha pequena que trazia comsigo, & perante elle as deshonraraõ publicamente, & porque hum filho seu, chorando se lhes queixou deste grande mal, lho lançaraõ viuo ao mar, atado de pees & de mãos, & a elle meteraõ em ferros, & lhe dauão todos os dias muytos açoutes, & lhe tomarão sua fazenda, que eraõ mais de seis mil cruzados, dizẽdo, que não era licito lograr beẽs de Deos, senão os Massoleymoẽs, justos & santos assi como elles; & porque neste meyo tempo lhe faleceraõ a molher & a filha, elle como desesperado se lançara hũa noite ao mar na barra de Diu, com aquelle moço seu filho, donde por terra fora ter a Çurrate, & dahy se viera ter a Malaca em hũa nao de Garcia de Saa Capitão de Baçaim, donde por mandado de dõ Esteuão da Gama fora à China com Christouão Sardinha, que fora feitor de Maluco, o qual estando hũa noite surto em Cincaapura, o Quiay Taijão senhor daquelle junco matara cõ mais vinte & seis Portugueses, & que a elle por ser bombardeyro dera a vida, & o trazia comsigo por seu Cõdestabre.
  72. [560](Cap. 46) Apos isto perguntado hum dos dous Portugueses, porque o outro estaua como morto, cujos filhos erão aquelles mininos, & como vierão ter ao poder daquelle ladraõ, & como se elle chamaua, respondeo que o ladraõ tinha dous nomes, hum de Christão, & outro de gentio, o de gentio porque se então nomeaua era Necodà Xicaulem, & o de Christão era Francisco de Saa, o qual auia cinco annos que em Malaca se fizera Christão, sendo Garcia de Saa Capitão da fortaleza, & que porque elle fora seu padrinho do bautismo lhe pusera aquelle nome, & o casara com hũa moça orfam mestiça muyto gentil molher, & filha de hum Portugues muyto honrado a fim de o fazer mais natural da terra, & que indo no Anno de 1534 para a China em hum junco seu muyto grãde, no qual leuaua vinte Portugueses dos mais honrados, & ricos da fortaleza, & tambem sua molher, chegando à ilha de Pullo Catão fizera ahy agoada, com tençaõ de passar ao porto do Chincheo, & auendo ja dous dias que ahy estaua, como a esquipaçaõ do junco era toda sua, & Chim como elle, se leuantaraõ hũa noite estando os Portugueses dormindo, & com as machadinhas que traziaõ, os mataraõ a todos, & aos seus moços, sem a nenhum que tiuesse nome de Christaõ se dar a vida, & cometeo à molher que se fizesse gentia, & adorasse hum idolo que o seu Tucão mestre do junco leuaua nũa arca, & que assi desatada da ley Christam a casaria com elle, porque o Tucaõ lhe daua por isso hũa irmam sua que aly leuaua comsigo, tambem gentia & China como elle, & porque a molher não quisera adorar o idolo, nem cõsentir em tudo o mais que lhe elle dezia, o perro lhe dera com hũa machadinha na cabeça, com que logo lhe lançara os miolos fora.
  73. [583](Cap. 48) E sendo ja menham clara, despois que todos disseraõ hũa Ladainha com muyta deuaçaõ, & prometeraõ boas peças & ricas a nossa Senhora do outeyro de Malaca para ornamentos da casa, Antonio de Faria só por sy, animando primeyro & afagando os dous Mouros, & segurandoos do medo que tinhaõ, lhes perguntou miudamente pelo que pretendia saber, a que elles ambos por hũa boca disseraõ, que quanto ao entrar no rio não auia que temer por ser o milhor de toda aquella enseada, & onde por muytas vezes entrauão & sahião muyto mayores embarcaçoẽs que aquellas que trazião, porque o menos fundo que auia em todo elle, era de quinze atê vinte braças, & que da terra se não arreceasse, porque os moradores della eraõ gẽte por natureza muyto fraca, & que não tinhão armas, & dos estrangeyros que nella estauão, os mais eraõ mercadores que auia noue dias que tinhaõ vindo do reyno de Benão, em duas cafilas de quinhentos bois cada hũa, com muyta prata, & aguila, & seda, & roupas de linho, & marfim, & cera, & lacre, & beijuim, & canfora, & ouro em pô, como o da ilha Çamatra, os quais com estas fazendas vinhão todos a buscar pimenta, & drogas, & perlas da ilha de Ainão, & perguntados se auia por aquella costa algũa armada, disseraõ que não, porque as mais das guerras que o Prechau Emperador dos Cauchins fazia, ou lhe fazião, eraõ por terra, & quando se fazião pelos rios eraõ em embarcaçoẽs pequenas de remo, mas não em nauios grandes como aquelles que trazia, porque não auia fundo para elles, & perguntados se estaua o seu Prechau aly perto, responderaõ que sòs doze dias de caminho na cidade de Quangepaarù onde o mais do tempo residia com sua casa & corte, gouernando em paz & justiça o seu reyno, & perguntados que tisouros & rendas tinha, responderaõ que as minas dos metais reseruados à sua coroa, rendião bem quinze mil picos de prata, de que a metade por ley diuina do Senhor que tudo criara, era dos pobres que cultiuauão as terras, para sustentação de suas familias, mas que por aprazimento & conformidade de todos os pouos lhe largarão liuremente este direyto, paraque daly por diante os não constrangesse a pagarem tributo, nem a cousa que lhes desse opressaõ algũa, pelo qual os antigos Prechaus em cortes lhe tinhão jurado de assi o cumprirem em quanto o Sol desse luz à terra.
  74. [618](Cap. 51) E perguntado se era Christão, disse que não, mas que ja o fora no tempo que dom Paulo da Gama fora Capitão de Malaca, & dizendolhe Antonio de Faria que pois ja fora Christão, que cousa o mouera a deixar a ley de Christo, na qual tinha certa sua saluação, por seguir a de Mafamede, na qual estaua clara a perdição de sua alma?
  75. [621](Cap. 51) E perguntado se matara mais Portugueses, ou dera fauor para isso, respondeo que não, mas que estando auia dous annos no rio do Choaboquec na costa da China, fora ahy ter hum junco grande com muytos Portugueses, de que era Capitaõ hum homem muyto seu amigo que se chamaua Ruy Lobo, que dõ Esteuão da Gama Capitaõ de Malaca mandara de veniaga, o qual despeis de ter feita sua fazenda se sayra do porto embandeirado por yr muyto rico, & que auendo ja cinco dias que era partido, lhe abrira o junco hũa agoa muyto grossa, & não a podendo vencer, lhe fora forçado tornar a demandar o porto donde partira, & vindo com vento rijo infunado com todas as vellas, por chegar mais depressa, se lhe fora supitamẽte ao fundo, de que se saluara o Ruy Lobo cõ dezassete Portugueses, & algũs escrauos, & viera ter na Champana ao ilheo de Lamau sem vella, nem agoa, nem mantimento algum.
  76. [665](Cap. 55) E perguntados estes oito pescadores que portos auia por aquella costa atê o Chincheo, onde nos parecia que podiamos achar algũa nao de Malaca, nos disseraõ que daly a dezoito legoas estaua hum rio muyto bom, & de bom surgidouro, que se dezia Xinguau, onde cõtinuamẽte auia muytos juncos que carregauão de sal, de pedrahume, de azeite, de mostarda, & de gergelim, no qual bẽ largamente nos podiamos aparelhar, & prouer de tudo o de que tiuessemos necessidade, na entrada do qual estaua hũa aldea pequena que se chamaua Xamoy, pouoada de pescadores, & de gẽte pobre, mas que daly a tres legoas pelo rio acima estaua a cidade onde auia muyta seda, almizcre, porcelanas, & outras sortes de fazendas que de veniaga se leuauão para diuersas partes.
  77. [674](Cap. 55) Nisto gastamos, como ja disse, quinze dias nesta ilha, nos quais os enfermos cõualeceraõ de todo, & nos partimos na via do reyno de Liampoo, onde tinhamos por nouas que auia muyta gente Portuguesa, que ahy era vinda de Malaca, de Çunda, de Sião, & de Patane, a qual toda naquelle tempo aly custumaua de vir inuernar.
  78. [679](Cap. 56) E indo assi com proposito determinado de chegar ao cabo com tudo o que a fortuna lhe offerecesse, quiz nosso Senhor que lhe enxergamos na quadra hũa grande bandeyra de Cruz, & no chapiteo muyta gente com barretes vermelhos, que os nossos naquelle tẽpo custumauão muyto de trazer quando andauão pelo que assentamos que eraõ Portugueses que podião vir de Liampoo, & yr para Malaca, como naquella monção sempre custumauão, & dandolhe nós tambẽ sinal de nós, para ver se nos conhecião, tanto que enxergaraõ que eramos Portugueses, deraõ todos hũa grande grita, & amainando ambos os traquetes de romania em sinal de obediencia, despidiraõ logo hum balão muyto esquipado com dous Portugueses a ver que gente eramos, & donde vinhamos, os quais tanto que nos reconheceraõ, & se affirmaraõ na verdade de quem eramos, se vieraõ mais afoutos a nós, & despois de fazerem sua salua, a que nos tambem respondemos, subiraõ acima.
  79. [689](Cap. 57) Partidos nos deste rio de Anay muyto bem apercebidos de tudo o necessario para a viagem que estaua determinado fazerse, pareceo bem a Antonio de Faria por conselho do Quiay Panjão, de que sempre fez muyto caso, pelo conseruar em sua amizade, yr surgir no porto do Chincheo, para ahy se informar pelos Portugueses que eraõ vindos da Çunda, de Malaca, de Timor, & de Patane, de algũas cousas necessarias a seu proposito, & se tinhão nouas de Liampoo, porque se soaua então pela terra que era la ida hũa armada de quatrocentos juncos, em que hião cem mil homẽs por mandado del Rey da China a prender os nossos que là residião dassẽto, & queimarlhe as naos, & as pouoaçoẽs, porque os não queria em sua terra, por ser informado nouamente que não eraõ elles gente taõ fiel & pacifica como antes lhe tinhaõ dito.
  80. [690](Cap. 57) Chegados nòs ao porto do Chincheo achamos ahy cinco naos de Portugueses que auia ja hũ mès que eraõ chegadas destas partes que disse, dos quais fomos muyto bem recebidos & agasalhados com muyta festa & contentamento, & despois que nos deraõ nouas da terra, & da mercancia, & da paz & quietaçaõ do porto, nos disseraõ que de Liampoo nao sabião nada, mais que dizeremlhe os Chins, que auia là muytos Portugueses de inuernada, & outros vindos nouamente de Malaca, da Çunda, de Sião, & de Patane, & que fazião na terra suas fazendas pacificamente, & que a armada grossa de que nos temiamos, não era là, mas que se presumia que era ida âs ilhas do Goto em socorro do Sucão de Pontir, aquẽ se dezia que hum seu cunhado tyrannicamente tinha tomado o reyno, & porque este Sucão se fizera nouamẽte subdito do Rey da China, com tributo de cem mil taeis cada anno lhe dera aquella armada dos quatrocẽtos juncos, em que se affirmaua que hião cem mil homẽs para o meterẽ de posse do reyno ou senhorio que lhe tinhão tomado; com a qual noua todos ficamos descançados, & demos por isso muytas graças a nosso Senhor.
  81. [694](Cap. 57) E vendoos daquella maneyra lhes perguntou pela causa de sua desauentura, & elles lha contaraõ com mostras de muyto sentimento, dizendo, que auia dezassete dias que tinhaõ partido de Liãpoo para Malaca, com proposito de passarem á India, se lhe a monção não faltasse, & que sendo tanto auante como o ilheo de Çumbor os comerera hum ladraõ Guzarate, por nome Coja Acẽ, com tres juncos & quatro lanteaas, nas quais sete embarcaçoẽs trazia quinhentos homẽs, de que os cento & cinquenta eraõ Mouros Lusoẽs, & Borneos, & Iaos, & Champaas, tudo gente da outra costa do Malayo, & pelejando com elles desde a hũa hora atè as quatro despois do meyo dia, os tomara com morte de oitenta & duas pessoas, em que entraraõ dezoito Portugueses, a fora quasi outras tãtas que leuara catiuas, & que no junco lhes tomara de emprego seu & de partes mais de cem mil taeis.
  82. [733](Cap. 60) Os dous começaraõ logo a entender em cobrarem sua fazenda, & se foraõ por toda a ilha com obra de cinquenta ou sessenta moços que os senhores delles lhe emprestaraõ, a recolher a seda molhada que ainda estaua a enxugar, de que todas as aruores estauão cheyas, a fora mais de duas casas em que estaua a enxuta, & a milhor acondicionada, que, como elles tinhão dito, eraõ cem mil taeis de emprego, no qual tinhaõ parte mais de cem homẽs, assi dos que ficauão em Liampoo, como de outros que estauão em Malaca, a quem se ella là mãdaua.
  83. [769](Cap. 64) E o outro põto foy dizerlhe que porque el Rey de Portugal seu senhor era com verdadeyra amizade irmão de el Rey da China, vinhão elles a sua terra, como tambem os Chins por este respeito custumauão yr a Malaca, onde eraõ tratados com toda a verdade, fauor, & justiça, sem se lhes fazer agrauo nenhum.
  84. [1026](Cap. 86) Despois de sermos açoutados da maneyra que tenho dito, nos leuarão a hũa casa que estaua dentro na prisaõ a modo de enfermaria, onde jazião muytos doentes, & feridos, hũs em leitos, & outros pelo chão, na qual fomos logo curados com muytas cõfeiçoẽs & lauatorios, & espremidos & apertados, com pós por cima das chagas, cõ que algum tanto se nos mitigou a dor dos açoutes, a qual cura nos fizeraõ homẽs honrados, que saõ como entre nós irmaõs da misericordia que seruem aquy aos meses pelo amor de Deos com muyta caridade, & prouem os enfermos de tudo o necessario com muyta abastança & limpeza: & auẽdo ja onze dias que aquy estauamos em cura, & ja começauamos de nos achar algũ tanto milhor, mas lamentando o cortar dos dedos conforme ao rigor da sentença que era dada, quiz Deos que a caso entrarão hũa menham dous homẽs vestidos em hũas vestiduras de citim roxo muyto compridas, & hũas varas brãcas nas maõs a maneyra de cetros, cõ cuja entrada os enfermos todos da casa deraõ hũa grande grita dizendo, pitau hinacur macuto chendoo, que quer dizer, venhaõ com Deos os ministros de suas obras, ao que elles erguendo as varas, respõderaõ, & a vos todos de paciencia em vossos trabalhos & aduersidades: estes, começando a prouer com dinheyro & vestido algũs dos que estauaõ mais perto delles, chegarão tambem a nós, & despois de nos saudarem afabelmente, & com mostras de terẽ piedade de nossas lagrimas, nos preguntaraõ que homẽs eramos, de que terra, ou de que naçaõ, & porque caso estauamos presos, aque respondemos com muytas lagrimas que eramos estrangeyros naturaes do reyno de Sião, de hũa terra que se chamaua Malaca, & que sendo mercadores abastados dos bẽs do mundo, vindo com nossas fazendas para o porto de Liampoo, nos perderamos com hũa grande tormẽta defronte dos ilheos de Lamau, onde perderamos quanto leuauamos, sem saluarmos mais que aquellas miseraueis carnes da maneyra que as viaõ, & que chegando assi a hum lugar que se chamaua Taipor, o Chumbim da justiça nos prendera sem causa nenhũa, dizendo que eramos ladroẽs vagabundos, que por naõ trabalharmos andauamos calaceando de porta em porta, comendo indiuidamẽte as esmollas que nos dauão, & fazẽdo disto hum auto como quisera, nos mandara em ferros a aquella prisaõ, na qual auia ja quarenta & dous dias que padeciamos immẽsos trabalhos de doenças & fomes, sem nos quererẽ ouuir de nossa justiça, assi por naõ termos que peitar, como por não sabermos falar, & foramos condenados sem causa nenhũa a pena de açoutes, & a nos cortarem os dedos como ladroẽs, de que logo se executàra em nòs a pena dos crueis açoutes cõ tanto rigor & sobegidaõ de crueldade quanto seus olhos veriaõ nas nossas tristes carnes, pelo qual lhe pediamos pelo officio que tinhão de seruir a Deos, que nos naõ desemparassem, porque por nossa muyta pobreza eramos auorrecidos de todos, & tratados com grandissimas afrontas.
  85. [1094](Cap. 90) Aquy jaz Trannocem Mudeliar tio del Rey de Malaca, a quem a morte leuou antes que Deos o vingasse do Capitão Albuquerque lião dos roubos do mar.
  86. [1095](Cap. 90) Espantados nòs todos de ver este letreyro, pregũtamos que cousa era aquella, aque hum Chim que parecia mais honrado que os outros que estauão presentes respondeo, esse homem que ahy jaz enterrado veyo aquy ha quarẽta annos por Embaixador de hum Rey que se dezia Malaca, a pedir socorro ao filho do Sol contra hũa gente de terra sem nome, que do cabo do mũdo viera por mar & lhe tomara Malaca, com outras particularidades de medos increiueis que estão escritos num liuro impresso que disso se fez.
  87. [1787](Cap. 131) Despois de auer quasi hum més que estauamos nesta cidade, vendo muytos jogos & festas notaueis, & outras muytas maneyras de desenfadamentos que os grandes & o pouo continuamente fazião, com banquetes esplendidos todos os dias, o embaixador Tartaro que nos trouxera, fallou a el Rey sobre a nossa yda, a qual lhe elle concedeo muyto leuemente, & nos mandou logo dar embarcação para a costa da China, onde nos pareceo que achassemos nauios nossos em que nos fossemos para Malaca, & dahy para a India, o qual foy logo posto em effeito, & nòs nos fizemos prestes do necessario para a partida.
  88. [1794](Cap. 132) Daquy nos partimos hũa terça feyra pela menham, & continuamos por nossa derrota mais treze dias, no fim dos quais chegamos ao porto de Sanchão no reyno da China, que he a ilha onde despois falleceo o bemauenturado padre mestre Francisco, como adiante se dirâ, & não achando aly ja a este tempo nauio de Malaca, por auer noue dias que erão partidos, nos fomos a outro porto mais adiãte sete legoas por nome Lampacau, onde achamos dous juncos da costa do Malayo, hũ de Patane, & outro de Lugor.
  89. [1797](Cap. 132) E nòs os oito constrangidos da necessidade nos foy forçado assentarmos partido com elle paraque nos leuasse comsigo por onde quer que fosse, até que Deos nos melhorasse noutra embarcaçaõ mais segura em que nos fossemos para Malaca.
  90. [1807](Cap. 133) O Capitão cossayro lhe respondeo que eramos de hũa terra que se chamaua Malaca, a onde auia muytos annos que tinhamos vindo de outra que se dezia Portugal, cujo Rey, segundo nos tinha ouuido algũas vezes, habitaua no cabo da grandeza do mundo.
  91. [1916](Cap. 140) a que respõdemos toda a verdade, que eramos Portugueses naturaes de Malaca.
  92. [1923](Cap. 140) Então tornãdo a olhar para nós, proseguio adiãte com suas preguntas, & sempre com rosto graue, & mostras irosas, como ministro inteyro em seu officio, nas quais se deteue quasi hũa hora, & jâ por derradeyro nos disse, pois, qual foy a causa porque as vossas gẽtes no tempo passado quando tomarão Malaca pela cubiça das suas riquezas, mataraõ os nossos tanto sem piedade, de que ainda agora ha nesta terra algũas viuuas?
  93. [1990](Cap. 143) São muyto comedores, & dados às delicias da carne, pouco inclinados às armas, & muyto faltos dellas, por onde parece que será muyto facil conquistallos, em tanto que no anno de 1556. chegou a MalacaPortuguez por nome Pero Gomez Dalmeyda, criado do mestre de Santiago, com hum grande presente & cartas do Nautoquim principe da ilha Tanixumaa para el Rey dom Ioaõ o terceyro que santa gloria aja, & toda a sustancia do seu requerimento vinha fundada em lhe pedir quinhentos homẽs para cõ elles & com a sua gente conquistar esta ilha Lequia, & ficarlhe por isso tributario em cinco mil quintaes de cobre, & mil de latão em cada hum anno, a qual embaixada não ouue effeito por vir este recado a este reyno no Galeão em que se perdeo Manoel de Sousa de Sepulueda.
  94. [1994](Cap. 144) Como de Liampoo me party para Malaca, donde o Capitão da fortaleza me mandou a Martauão ao Chaubainhaa.
  95. [1996](Cap. 144) E daquy me embarquey para Malaca em hũa nao de hum Portuguez chamado Tristão de Gaa, com tenção de tornar de lá a tẽtar de nouo a fortuna que tantas vezes me fora contraria, como se tem visto do que atras deixo cõtado.
  96. [1997](Cap. 144) Esta nao chegou a saluamento a Malaca, onde achey ainda a Pero de Faria por capitão da fortaleza, o qual desejando de me aproueitar antes que acabasse o seu tempo, me cometeo com a viagem de Martauão, de que então se tiraua proueito, em hũ junco de hum Mouro por nome Necodá Mamude, o qual ahy na terra tinha molher & filhos, & que a minha yda auia de ser assi para assentar pazes co Chaubainhaa Rey de Martauão, como para por via de comercio virẽ os seus juncos com mantimentos â fortaleza, que neste tẽpo estaua muyto falta delles pelo successo das guerras da Iaoa.
  97. [2001](Cap. 144) Eu lhe aceitey a viagem de boa vontade, & me party hũa quarta feyra noue dias do mez de Ianeyro do anno de 1545 desta fortaleza de Malaca, & seguy minha derrota com vẽtos bonanças ate Pullopracelar, onde o piloto se deteue por respeito dos baixos que atrauessauão todo este canal da terra firme â ilha Çamatra, & despois de sermos fora delles inda que com trabalho, vellejamos por nossa derrota as ilhas de Pullo Çambilão, onde me mety nũa manchua bem esquipada que leuaua, & nauegando sempre nella por espaço de mais de doze dias, cõforme ao regimento que leuaua de Pero de Faria, espiey toda a costa deste Malayo, que saõ cento & trinta legoas atè Iunçalaõ, entrando em todos os rios de Barruhaas, Salangor, Panaagim, Quedaa, Parlés, Pendão, & Sambilão Sião, sem em nenhum delles achar noua certa destes inimigos.
  98. [2009](Cap. 144) O Necodâ entendẽdo o mysterio disto que via, me disse que despidisse logo daly a embarcação de remo que tinha, & mãdasse recado ao Capitão de Malaca, porque sem duuida nenhũa me affirmaua que aquelles mortos eraõ Achẽs que vinhaõ desbaratados de Tanauçarim onde as suas armadas continuauão por causa da guerra que tinhaõ com el Rey de Sião, porque aquellas manilhas douro que achara, eraõ dos capitaẽs do Achem que custumauão enterrarse com ellas nos braços, & que a isso poria a cabeça.
  99. [2011](Cap. 144) Eu despidy logo daquy para Malaca o balão de remo que leuaua, pelo qual escreuy a Pero de Faria todo o successo da viagẽ, & o caminho que fizera, & os portos & rios & angras em que entrara, sem em nenhũa parte achar noua nem recado destes inimigos mais que sospeitarse estarẽ em Tanauçarim, donde por estes corpos mortos que aquy acharamos se podia crer que vinhaõ desbaratados.
  100. [2014](Cap. 145) Despedido este balão para Malaca com cartas a Pero de Faria, & estãdo já o junco apercebido de tudo o necessario, nos fizemos á vella volta de Tanauçarim, onde (como tenho dito) eu leuaua por regimento que fosse surgir, para negocear co Lançarote Guerreyro que elle & os mais Portugueses que andauão em sua companhia viessem socorrer Malaca pela noua que auia de virem os Achẽs sobre ella.
  101. [2029](Cap. 146) Seria âs duas horas despois do meyo dia quando desembarcamos todos em terra, & nos fomos logo caminhando para s tranqueyra onde os inimigos estauão, na dianteyra hia o filho do Necodâ com quarenta homẽs, dos quais os vinte erão de espingardas, & os mais de lanças & frechas, & o mesmo Necodâ hia na retroguardia com trinta homẽs, & leuaua hũa bandeyra de Cruz que Pero de Faria lhe dera quando partio de Malaca, para por ella ser conhecido por vassallo del Rey nosso senhor se no mar encontrasse com alguns nauios nossos: & seguindo com esta ordenança nosso caminho por dentro da ilha, & leuando o pobre Reizinho por guia, chegamos a onde o leuantado estaua com sua gente toda posta em campo, fazendo muytas algazarras, & dando mostras de muyta oufania, como que nos não tinha em cõta, os quais por todos podião ser até cinquenta, mas nas mostras gente fraca & desarmada, & mal prouida do necessario para sua defensaõ, porque não tinhão mais que paos, & dez ou doze lanças, & hũa espingarda.
  102. [2066](Cap. 147) Daquy desta paragem vellejamos por nossa derrota mais quatro dias em que prouue a nosso Senhor que hũa menham nos achamos entre cinco naos Portuguesas que hião de Bengala para Malaca, âs quais todas mostrey o regimento que leuaua de Pero de Faria, & lhes fiz requerimento que fossem todas juntas por causa da armada dos Aachẽs que andaua na costa, porque o descuydo não fosse causa de algum desastre, & disso lhe pedy hum estromento, que todos me derão, & me prouerão de tudo o que me era necessario em muyta abastança.
  103. [2073](Cap. 148) Parecendome a mim bem este conselho, me fuy logo cõ elles a terra, a ver o Ioão Cayeyro, do qual, & de todos os mais que estauaõ cõ elle na sua tranqueyra fuy muyto bẽ recebido, que eraõ setecentos Portugueses, gente toda muyto limpa & rica, & mostrey ao Ioaõ Cayeyro as cartas, & o regimẽto que trazia de Pero de Faria, & pratiquey cõ elle o negocio a que vinha, & elle fez sobre isso logo hũ grande requerimento aos quatro capitaẽs a quem eu vinha dirigido, os quais lhe responderaõ que elles estauão todos muyto prestes para seruirem el Rey nosso senhor em tudo o que se offerecesse, porem que pois a carta de Pero de Faria capitão de Malaca vinha toda fundada no receyo que tinha de os Achẽs, & a armada das cẽto & trinta vellas que esperaua, de que era general o Bijayaa sora Rey de Peedir, & Almirante do Aachem vir a Tanauçarim, a qual ja ahy viera, & fora desbaratada pela gente da terra, com perda de setenta lancharas, & de cinco mil homens, auião a sua yda então por desnecessaria, porque segundo o que elles tinhão visto, hia este inimigo taõ quebrado das forças, que lhes parecia que em dez annos se não poderia tornar a refazer do que tinha perdido.
  104. [2074](Cap. 148) E a fora esta razão, se deraõ neste caso outras muytas por onde se assentou que era escusada a sua yda a Malaca, & eu pedy a Ioão Cayeyro que de tudo o que era passado neste caso me mandasse passar hum estromẽto, para por elle se me dar credito em Malaca, porque em o auendo á mão determinaua de me tornar logo pois aly não tinha mais que fazer.
  105. [2172](Cap. 153) E porque Pero de Faria quando party de Malaca me dera hũa carta para elle, em que lhe pedia que se lâ me fosse necessario o seu fauor para o negocio a que me mandaua mo não negasse, assi por ser seruiço del Rey, como por lhe fazer a elle merce, tanto que cheguey a Martauão, onde o achey de morada, lhe dey a carta, & lhe disse tambẽ o aque hia, que era cõfirmar as pazes antigas que o Chaubainhaa por seus embaixadores fizera com Malaca quando Pero de Faria da outra vez fora capitão della, do qual tinha muyto conhecimento, & que para isso lhe trazia hũa carta de grande amizade, com hum presente de peças ricas da China.
  106. [2173](Cap. 153) Este Gonçalo Falcão quiçà parecendolhe que por aquy se confirmaria na graça do Rey do Bramaa, para quem no cerco se tinha passado, deixando o Chaubainhaa a quem antes seruia, passados sós tres dias depois da partida del Rey se foy a este seu Gouernador, & lhe disse que era eu aly vindo com hũa embaixada do Capitão de Malaca para o Chaubainhaa, em que lhe mandaua offerecer muyta gente contra o Rey do Bramaa, por quem a terra então estaua, para fazer fortaleza em Martauão, & lançar os Bramas fora do reyno, & outras tantas cousas a este modo, que o Gouernador me mandou logo prẽder, & despois de me ter posto a bom recado, se foy ao junco em que eu tinha vindo de Malaca, & lançou mão por elle com toda a fazenda que tinha dentro, que valeria mais de cem mil cruzados, & prendeo o Necodá capitão & senhorio do junco com todos os mais que achou nelle, que foraõ cento & sessenta & quatro pessoas, em que entrauão quarenta mercadores ricos Malayos & Menancabos, Mouros & Gẽtios naturais de Malaca, os quais logo assi em breue foraõ sentenciados na perda das fazendas, & que ficassem catiuos del Rey assi como eu, por serẽ consentidores & encubridores da traição que o Capitão de Malaca trataua em segredo co Chaubainhaa cõtra el Rey do Bramaa.
  107. [2174](Cap. 153) E mãdãdoos meter a todos nũa mazmorra, lhe mãdou dar muytos açoutes, de maneyra que em obra de hũ mès que estiueraõ presos, morreraõ dos cento & sessenta & quatro, ao desemparo & de modorra, & á fome & â sede, cẽto & dezanoue, & aos quarenta & cinco que ficaraõ, mandou meter nũa champana sem vella nem remos, & lançalos pelo rio abaixo; os quais assi entregues ao arbitrio da fortuna foraõ dar nũa ilha despouoada que se dezia Pullo Camude, vinte legoas ao mar desta barra, onde se forneceraõ de algum mantimento de marisco & fruytas do mato, & engenharaõ hũa vella dos pannos que trazião vestidos, & com hum par de remos que aly ou acharaõ feitos, ou ordenarão, fizerão seu caminho ao longo da costa até Iunçalão, & dahy em outro pouso, em que gastaraõ dous meses, forão têr ao rio de Parlés no reyno de Quedaa, onde a mayor parte delles se consumio de hũas postemas na gargãta a maneyra de nacidas de peste, de que a Malaca não foraõ ter viuos mais que sós dous, que contaraõ a Pero de Faria todo o successo desta triste viagem, & como o pobre de mym ficaua ja sentenciado â morte como na verdade ficaua, da qual nosso Senhor me liurou milagrosamente, porque despois que o Necodá & os mercadores foraõ desterrados pela maneyra que tenho dito, me passarão logo a outra prisaõ mais apertada, na qual me tiueraõ trinta & seis dias carregado de ferros com assaz de aspereza & crueldade.
  108. [2177](Cap. 153) Porque estando jâ este perro para dar â execução a sentença que tinha dada contra mim, lhe foraõ algũs seus amigos â mão aconselhandoo que o não fizesse, porque se me matasse, os Portugueses todos em Pegù se auião de queixar delle a el Rey, & dizerlhe que por me roubar cem mil cruzados que trouxera do capitão de Malaca me condenara à morte, & ma dera, & que estaua claro que el Rey lhe auia de pedir conta de toda esta contia, & que ainda que na verdade entregasse tudo o que me tinha tomado se não auia de auer por satisfeito, parecendolhe que era muyto mais, pelo que podia daquy ficar em tanto descredito com el Rey que nunca mais entrasse em sua graça, & ficarião seus filhos de todo perdidos com abatimento & deshonra muyto grande.
  109. [2576](Cap. 171) E ahi achey a Pero de Faria capitão que fora de Malaca, & que me tinha mandado a Martauão cõ a embaixada ao Chaubainhaa, como atras fica dito, ao qual dey larga conta de tudo o que por mim tinha passado, de que se elle mostrou assaz pesaroso, & me proueo cõ algũa cousa a que por sua consciencia & por sua nobreza lhe pareceo que me estaua obrigado, pelo muyto que eu tinha perdido por seu respeito.
  110. [2579](Cap. 172) Embarcãdome eu aquy em Goa em hum junco de Pero de Faria que de veniaga hia para a Çunda, cheguey a Malaca no dia que falleceo Ruy Vaz Pereyra Marramaque, capitão que então era da fortaleza.
  111. [2631](Cap. 176) E elle despois que de todo acabou de entrar em sy, chorando muyta quantidade de lagrimas nos disse: Eu senhores & irmãos meus, sou Christão, inda que no trajo volo não pareça, & Portuguez de pay & mãy, natural de Penamacor, & chamaõme Nuno Rodriguez Taborda, & vim do reyno na armada do Marichal no anno de 1513. na nao S. Ioaõ, de que era capitão Ruy Diaz Pereyra, & por eu ser hum homẽ hõrado, & que de mim dey sempre mostras disso, Afonso d’Albuquerque que Deos tenha na gloria me fez merce da capitania de hũ bargãtim de quatro que inda sómente auia na India naquelle tẽpo, & me achey cõ elle na tomada de Goa, & de Malaca, & lhe ajudey a fazer Calecut, & Ormuz, & me achey presẽte em todos os feitos hõrosos que se fizersõ assi em seu tẽpo, como no de Lopo Soarez, & no de Diogo Lopez de Siqueyra, & dos outros gouernadores ate dõ Anrique de Meneses, que socedeo por morte do Visorrey dõ Vasco da Gama, que no principio da sua gouernação proueo a Frãcisco de Sá de hũa armada de doze vellas, em que leuaua 300. homẽs para fazer fortaleza em Çunda, pelo receyo que então se tinha dos Castelhanos que naquelle tẽpo cõtinuauão Maluco pela noua viagem que o Magalhẽs descubrira, na qual armada eu vim por capitão em hum bargantim que se dezia S. Iorge com vinte & seis homẽs muyto esforçados, que partimos da barra de Bintão quando Pero Mascarenhas o destruyo, & sendo tanto auante como a ilha de Lingua, nos deu hũ tempo tão forte que não o podẽdo payrar, nos foy forçado arribarmos â Iaoa, onde dos sete nauios de remo que eramos se perderaõ os seys, dos quais foy hũ o meu por meus peccados, porque vim dar â costa aquy nesta terra em que agora estamos, ha ja vinte & tres annos, sem de todos os que vinhamos no bargantim escaparem mais que sós très companheyros, dos quais eu só agora sou viuo, & prouuera a Deos nosso Senhor que antes fora morto, porque sẽdo eu por muytas vezes cometido por estes Gẽtios que quisesse seguir suas opinioẽs, o não quiz fazer muyto tẽpo; mas como a carne he fraca, & a fome era grãde, & a pobreza muyto mayor, & a esperãça da liberdade era perdida, a distancia do mesmo tẽpo, & meus peccados foraõ causa de cõdecender a seus rogos, por onde o pay deste Rey me fauoreceo sẽpre, & porque eu ontẽ fuy chamado de hũ lugar em que viuia para vir curar dous homẽs nobres dos principais desta terra, quiz N. Senhor que me tomassem estes perros, para o eu ficar sendo menos, pelo que N. Señor seja bẽdito para todo sẽpre.
  112. [2632](Cap. 176) Tão espãtados ficamos todos disto que este homẽ nos disse, quãto o requeria a nouidade de tão estranho caso; & consolãdoo então como nòs soubemos, & cõ as palauras que nos pareceraõ necessarias para o tẽpo em que estauamos, lhe dissemos se se queria yr cõ nosco para a Çunda, porque dahy se iria para Malaca, onde prazeria a nosso Senhor que acabaria a vida christammente, & em seu seruiço, a que elle respondeo que sy, porque nunca outra cousa desejara mais que essa.
  113. [2666](Cap. 179) Este Ioaõ Rodriguez despois que chegou â China se embarcou para Malaca, onde foy de nouo reconciliado â nossa santa fé Catholica, & se lhe deu por penitencia que seruisse no hospital dos incuraueis hum anno, & elle o fez, no fim do qual tempo acabou sua vida, com mostras de bom & verdadeyro Christão, por onde parece que poderemos crer que nosso Senhor aueria misericordia com sua alma, pois a cabo de tantos annos de infiel o guardou para vir morrer em seu seruiço, pelo qual elle seja louuado para todo sempre.
  114. [2679](Cap. 180) Então se chegaraõ a nôs, & nos preguntaraõ por muytas cousas particulares, a que naturalmente saõ muyto inclinados, âs quais respondemos conforme a toda a verdade, & lhe pedimos pelo amor de Deos que nos quisessem leuar cõsigo para qualquer pouoaçaõ que quisessem, & lâ nos vendessem por seus catiuos a gẽte que nos leuasse a Malaca, porque eramos mercadores, & lá lhe darião muyto dinheyro por nós, ou fazenda quanta quisessem.
  115. [2716](Cap. 183) A primeira foy que no anno de 1540. sendo Pero de Faria capitão de Malaca lhe escreueo el Rey dom Ioaõ o terceyro da gloriosa memoria hũa carta, em que lhe mandaua & encomẽdaua muito que trabalhasse todo o possiuel por resgatar hũ Domingos de Seixas que estaua catiuo em Sião auia vinte & tres annos, por ser assi muito necessario ao seruiço de Deos & ao seu, por ser informado que delle mais que de outrem ninguẽ poderia saber a verdadeyra certeza das cousas daquelle reyno de que tãtas grãdezas lhe contauão, & que effeituandose o seu resgate o mandasse logo à India ao Visorrey dom Garcia, a quem jà tinha escrito sobre elle, para que nas naos daquelle anno lho mandasse a este reyno.
  116. [2718](Cap. 183) Este Francisco de Crasto foy ter á cidade de Odiaa no tempo que eu estaua nella, onde foy muyto bem recebido do Rey de Sião, & lhe deu a carta que leuaua para elle, o qual despois de a lér, & de lhe preguntar por algũas cousas nouas & de curiosidade, lhe deu logo ali a reposta (o qual elle não custumaua a fazer a outro nenhum embaixador) que foy esta, quanto ao Domingos de Seixas que o capitão de Malaca me manda pedir, apontãdome o muyto gosto que el Rey de Portugal terâ se lho mandar, o mesmo me fica a mim de lho conceder, & daquy lho ey por dado com todos os mais que elle lâ onde estâ traz comsigo, de que o Francisco de Crasto lhe deu as graças prostrandose tres vezes com a cabeça no chão, como se lhe custuma a fazer por ser Rey mais supremo que todos os outros; & tanto que chegou o tempo de se poder partir o Frãcisco de Crasto para Malaca, mandou vir o Domingos de Seixas da cidade de Guntaleu onde então estaua por fronteyro mór daquella arraya com trinta mil homẽs de pé, & cinco mil de cauallo, & dezoito mil cruzados cada anno de partido, & em sua cõpanhia fez tambem vir os dezasseis Portugueses que cõ elle andauão, & os entregou a todos ao Frãcisco de Crasto, o qual de nouo lhe tornou a dar as graças pela merce que lhe fazia.
  117. [2720](Cap. 183) Outra vez, no anno de 1545. sendo Simão de Melo capitão da mesma fortaleza de Malaca, vindo hum Luis de Mõtarroyo da China para Patane, acertou por caso fortuito de vento trauessaõ de dar com hũa nao sua â costa no porto de Chatir, abaixo de Lugor cinco legoas, onde pelo Xabandar da terra lhe foy tomada toda a fazenda que o mar lançou fora, & elle foy preso cõ todos os mais que se saluaraõ, que foraõ vinte & quatro Portugueses, & cinquenta moços & criãças pequenas, que ao todo erão setenta & quatro pessoas Christãs, & a fazenda que se saluou da nao montou quinze mil cruzados.
  118. [2724](Cap. 183) E quanto a esses catiuos que me pedis, a mim me praz de vos fazer esmolla delles, paraque liuremẽte se possaõ yr para Malaca, & mando que se lhe torne toda a fazenda que elles disserem que lhe tomaraõ, porque as cousas que se fazẽ por Deos quando cõ lagrimas se pedem por elle, hão de ser feitas cõ muyto mais largueza daquella com que as pedẽ os necessitados.
  119. [2775](Cap. 185) E chegando a hum lugar que se dezia Tilau, que he nas costas de Iuncalão para a parte do Sudueste junto do reino Quedaa, cento & quarenta legoas de Malaca, tomou a cidade de Iuropisaõ, cujo capitão lha entregou a partido, & leuando ja daquy guias que sabiaõ a terra, em mais noue dias de caminho chegou á vista da cidade Odiaa, sobre a qual assentou seu campo, & o cercou de trunqueiras & vallos muito fortes.
  120. [3014](Cap. 200) Como deste reyno Pégû me embarquey para Malaca, & dahy para Japaõ, & de hum estranho caso que ahy soccedeo.
  121. [3020](Cap. 200) Eu cõ outros 26. cõpanheyros nos fomos para Malaca, õde despois que chegamos, me detiue eu hũ més sòmẽte, & me torney a embarcar para Iapão cõ hũ Iorge Aluarez natural de Freixo de espada cinta, que em hũa nao de Simão de Mello capitaõ da fortaleza hia para là de veniaga, & auendo ja 26. dias que vellejauamos por nossa derrota com mouçaõ tendente de ventos bonanças, ouuemos vista de hũa ilha que se dezia Tanixumaa noue legoas ao Sul da primeira põta da terra Iapão, & põdo a proa nella, fomos ao outro dia surgir no meyo da angra, que he o surgidouro da cidade Guanxiroo, onde o Nautaquim principe della por sua curiosidade, & por ver cousa noua que nũca aly vira, se veyo logo a nosso bordo, & espãtado do aparato & do vellame da nao, por ser a primeyra que fora a aquella terra, mostrou que folgaua muito cõ a nossa vinda, & nos pedio por algũas vezes que quisessemos ahy fazer fazẽda cõ elle, de que o Iorge Aluarez & os mercadores se escusaraõ por causa de não ser o porto seguro para a nao, se lhe sobreuiesse qualquer tẽporal.
  122. [3072](Cap. 203) De hũa grossa armada que o Rey do Achem neste tempo mandou sobre Malaca, & do que nisso fez o padre mestre Frãcisco Xauier, reytor da Companhia de Iesu nas partes da India.
  123. [3074](Cap. 203) E temendo nos então cometer a entrada do rio, porque estaua por todas as partes tomado por este cossayro, corremos auante até Lamau, onde nos prouemos de algũs mantimentos que nos bastaraõ ate chegarmos a Malaca, onde achamos o padre mestre Francisco Xauier Reitor vniuersal da cõpanhia de Iesu nas partes da India, que auia poucos dias que chegara de Maluco, com grande nome de santo na voz de todo o pouo por milagres que lhe lâ viraõ fazer, ou, para mais acertado, que Deos nosso Senhor por elle fizera.
  124. [3078](Cap. 203) Partido este santo padre daquy de Malaca, para na India effeituar com o Gouernador esta ida a Iapaõ, Simão de Mello, que então, como já disse, era capitão da fortaleza, escreueo delle o que naquellas partes de Maluco fizera por augmentação da nossa santa Fé, & as marauilhas que Deos nosso Senhor por elle obrara.
  125. [3079](Cap. 203) E entre algũas cousas de que deu conta ao Gouernador dom Ioaõ de Castro, foy testemunhar de vista o que por espirito profetico este santo padre disse estando pregando na Sé de Malaca, a cerca do milagre a que o vulgar da gente lâ chamaua dos Achẽs.
  126. [3109](Cap. 204) & capitão do catur era Andre Toscano juiz dos orfaõs, & ahy casado em Malaca.
  127. [3125](Cap. 204) E Diogo Soarez lhe respondeo que elle vinha com determinaçaõ de não tomar Malaca, por lhe não fazerem pagar direitos daquella pouca fazenda que leuaua, ja que não tinha outra cousa de que se sustentaua a sy & aquelles soldados, mas que pois sua reuerencia lho pedia com tanta efficacia de palauras tão santas, & tanto para se temer a desobediẽcia dellas, visto ser, como dezia, puro zelo da ley de Deos, de cuja parte o requeria, elle era muito contẽte de lho cõceder.
  128. [3132](Cap. 205) Esta armada se partio do porto de Malaca hũa sesta feira vinte & cinco de Oitubro do anno de 1547. & vellejando todos por sua derrota aos quatro dias chegarão a Pullo Çambilão sessenta legoas dõde tinhaõ partido.
  129. [3134](Cap. 205) Posto este negocio em conselho, ouue nelle muyto differentes pareceres, & muyto cõtrarios hũs dos outros, & por fim de tudo o capitão mor se resolueo em não se arredar do regimento que leuaua, o qual era que não passasse daly, & fazendose logo na volta de Malaca, ordenou nosso Senhor que cõ aquella cõjunçaõ da lũa lhe dessem de improuiso ventos Noroestes que lhe eraõ pela proa, cõ que estiueraõ amarrados vinte & tres dias sem poderem surdir hũ só passo auante.
  130. [3135](Cap. 205) E como a armada não leuara mantimentos para mais que para hum só mês, & elles tinhão já gastados trinta & seis dias de sua viagẽ, & neste tẽpo ja não tinhão cousa nenhũa para comerẽ, lhes foy forçado iremno buscar a Iunçalão, ou a Tanauçarim, que eraõ portos muyto distãtes daquelle lugar para a costa do reyno Pégù, & cõ esta determinação se abalarão donde estauão, & começarão a fazer seu caminho, indo todos bem enfadados destes successos, mas prouue a nosso Senhor autor de todos os beẽs, que deu o tempo cõ elles na costa de Quedaa, & entrando no rio Parlès com fundamento de fazerem nelle agoada, & seguirem adiãte por sua derrota, viraõ de noite passar hum paraoo de pescadores ao lõgo da terra, & o capitão mòr o mandou buscar para saber delle onde era a agoada; trazido o paraoo a bordo, elle fez gasalhado aos que vinhaõ nelle, de que elles ficaraõ contentes, & preguntados hũ por hũ algũas particularidades necessarias, responderaõ todos que a terra estaua toda deserta, & o Rey era fugido para Patane, por causa de hũa grossa armada que auia més & meyo que aly estaua dassento com cinco mil Achẽs fazendo hũa fortaleza, & esperando as naos dos Portugueses que viessem de Bengala para Malaca, com fundamento, como elles dezião, de a nenhum Christão darem a vida, & tambem descubriraõ outras muytas cousas necessarias a nosso proposito, de que o capitaõ mòr ficou taõ contente, que se vestio de festa, & mandou embandeyrar toda a armada.
  131. [3142](Cap. 205) E porque num dos capitolos do regimento que o seu capitão mòr trazia lhe mandaua el Rey que aly naquelle rio esperasse as naos de Bengala & de outras partes viessem para Malaca, & as tomasse todas sem dar vida a Portuguez nenhum, nem a homem que fosse Christaõ, se detiuera aly tãto, & tinha determinado de esperar ainda mais hum més, até que de todo a moução fosse gastada, & que quando ouuirão o tom da nossa artilharia lhes pareceo que as naos eraõ já chegadas, pelo que toda a armada se ficaua fazẽdo prestes com grande pressa para os virem logo buscar, pelo que sem duuida nenhũa ao outro dia virião aly ter.
  132. [3159](Cap. 206) Dom Francisco se fez logo prestes para se tornar para Malaca, & vendo que não tinha gente cõ que pudesse marear tãtas vellas, lhes mandou pòr o fogo, & não trouxe comsigo mais que sós vinte & cinco, em que entraraõ quatorze fustas, & as tres galeotas em que vieraõ os sessenta Turcos, que todos morreraõ na peleja.
  133. [3161](Cap. 207) Do que passou em Malaca em quãto não ouue nouas desta nossa armada, & do que o padre mestre Francisco della disse estando hum domingo pregando.
  134. [3162](Cap. 207) Agora me cumpre deixar a armada, & tratar hum pouco neste lugar do que passou em Malaca despois da partida desta nossa armada, paraque se veja porque meyos nosso Senhor he seruido de acreditar os seus seruos na terra, para confusaõ da gente mũdana, fria, & pouco firme na fé & cõfiança que se deue ter neste Senhor que quiz morrer por nos dar a vida.
  135. [3163](Cap. 207) Custumaua este santo padre mestre Francisco de pregar ordinariamente duas vezes na somana, ás sestas feiras na misericordia, & aos domingos na igreja mayor que agora he a Sé, o qual em todos dous meses continuos, que foy o tempo em que os nossos puseraõ desde que partiraõ de Malaca até que tornaraõ, sempre despois do sermão acabado encomendaua que dissessem hum Pater noster, & hũa Ave Maria a nosso Senhor Iesu Christo que elle tiuesse por bem dar vitoria aos nossos irmãos que eraõ idos na armada a pelejar com aquelles inimigos da nossa santa fé, paraque por esta vitoria o seu santo nome fosse conhecido em toda a terra.
  136. [3167](Cap. 207) E foy isto em tanto crecimento que o Rey do Iãtana filho que fora do antigo Rey de Malaca, que então residia em Andraguiree porto seu na ilha Çamatra, sendo auisado disto que entre nòs se dezia, se veyo logo com hũa frota de trezentas vellas meter no rio Muhar seis legoas da nossa fortaleza, dõde despidio algũs baloẽs de remo por toda a costa, a saber a certeza disto que se soaua, com tençaõ de tanto que tiuesse noua certa de ser verdade isto que elle assaz desejaua, se meter logo em Malaca, o que segundo a cousa então estaua de sy prometendo, parece que pudera fazer muyto facilmẽte, & cõ custo de muyto pouco sangue.
  137. [3172](Cap. 207) De maneyra que com estes cumprimentos dissimulados de hum & do outro, esteue este inimigo metido aquy em braços com nosco vinte & tres dias, dandonos em todos elles bem em que cuydar, até que vieraõ os seus baloẽs do reyno de Quedaa onde os mandara a saber nouas, os quais o certificarão da vitoria que Deos nos dera, de que ficou tão magoado, que de nojo mandou matar o primeyro que lhe deu a noua, & sem esperar aly mais, se partio logo para Bintão, fingindo que hia mal desposto de febres, pelo qual em Malaca se fizeraõ muytas procissoẽs, dando graças a Deos nosso Senhor por nos querer desafrontar deste inimigo.
  138. [3180](Cap. 208) Como o padre mestre Francisco foy de Malaca para Iapão, & do que lá passou.
  139. [3181](Cap. 208) Despois de passada esta gloriosa batalha em que Deos nosso Senhor quiz acreditar este seu bemauenturado seruo assi co que na armada primeyro fez, como co que della despois disse, para confusaõ & arrependimẽto dos maldizentes, por meyo dos quais o inimigo infernal tanto trabalhou pelo desacreditar, elle se partio desta cidade de Malaca para a India naquelle Dezembro seguinte do mesmo anno de 1547. com determinação de pòr em effeito a sua ida ao Iapaõ, & leuou comsigo o Angiroo que despois de Christaõ se chamou Paulo de santa fé, como ja disse, onde aquelle anno se não pode auiar para o effeito do que desejaua, por causa das obrigaçoẽs do seu officio, que era Reitor vniuersal dos collegios da India da cõpanhia de Iesu, & pela morte do Visorrey dom Ioão de Castro que falleceo em Goa o Iunho seguinte do anno de 1548. porem Garcia de Saa que lhe socedeo na gouernança, o despachou o Abril do outro anno de 1549 com prouisoẽs para dom Pedro da Sylua que entaõ era capitaõ de Malaca, lhe dar lá embarcação para onde o Deos encaminhasse.
  140. [3182](Cap. 208) Com este despacho chegou o padre a Malaca o derradeyro dia de Mayo do mesmo anno de 49. & se deteue ahy alguns dias pelo mao auiamento que se lhe deu, mas em fim despois de passar ahy em Malaca muytos trabalhos, se embarcou em dia de S. Ioaõ do mesmo anno ao Sol posto em hum junco pequeno de hum Chim, que se dezia o Necodà ladraõ, & ao outro dia pela menham se fez á vella, & se partio, na qual viagem tambem passou assaz de trabalho, de que me escuso dar relaçaõ, porque me parece desnecessario escreuer isto taõ miudamente, nem farey mais que tocar breuemente o que for mais importante a meu intento conforme a pouca possibilidade do meu fraco engenho.
  141. [3198](Cap. 208) merces, mas porque esta noua me não pareceo tão verdadeyra como em meu coração desejo, determiney de mãdar saber por esse Christão a certeza della, pelo que lhes peço muyto que me mandẽ dizer donde vẽ, & de que porto partiraõ, & em que tẽpo determinão tornar para a China, porque queria, se Deos N. Senhor for disso seruido, trabalhar o possiuel por passar este anno à India, & de sy me escreuão por seus nomes, o da nao, & o do capitão della, & toda a mais certeza da paz & da quietação de Malaca, & se aparelhẽ, cõ furtarẽ aos negocios hũ pedaço de tẽpo, para examinarem suas consciencias, porque esta he a fazẽda em que o ganho està mais certo que na seda da China, por muyto que se nella dobre o dinheyro, porque eu determino, se Deos N. Senhor for seruido, ser lâ logo cõ elles tãto que vir seu recado, Christo Iesu, por quẽ he, nos tenha a todos de sua mão, & nos conserue nesta vida por graça no seu santo seruiço, amen.
  142. [3200](Cap. 208) O mensageyro cõ esta carta chegou onde nos estauamos, & de todos foy tão bẽ recebido como era razão, & lhe responderaõ logo por seis ou sete vias, assi o capitão como os mercadores, em que lhe derão muitas nouas da India & de Malaca, & que elles determinauão de se partirẽ daly a hũ més para a China cõ a sua nao, onde ficauão tres á carga que em Ianeyro auião de yr para Goa, em hũa das quais estaua seu amigo Diogo Pereyra, com quẽ sua reuerencia iria muyto á sua vontade.
  143. [3357](Cap. 214) pois eu confio nelle, & na sacratissima Virgem Maria sua mãy, a quem por elle tenho prometido tres missas na sua bẽdita casa do outeyro em Malaca, que ha de permitir que aquellas almas que vão nelle se não percão, de que o Pero Velho ficou corrido, & não falou mais palaura nenhũa.
  144. [3372](Cap. 215) Correndo nos daquy desta paragem, onde Deos nosso Senhor por sua misericordia, & pelas oraçoẽs deste bemauenturado padre nos quis fazer esta tão milagrosa merce, em treze dias de nossa viagem lhe aprouue que chegassemos ao reyno da China, & surtos no porto de Sanchão, onde naquelle tempo se fazia o nosso trato, jâ quando ahy chegamos, por causa de ser muyto tarde não achamos mais que hũa só nao, de que era capitão Diogo Pereyra, & esta jâ de verga dalto para se partir ao outro dia para Malaca, na qual o padre se embarcou, porque a de Duarte da Gama em que viera de Iapão lhe era necessario yr inuernar a Sião, por vir aberta pela roda de proa do grande trabalho que passara na tormenta que atras tenho contado, & là se concertar & prouer de muytas cousas de que tinha necessidade.
  145. [3373](Cap. 215) Nesta viagem que o padre fez da China para Malaca em companhia de Diogo Pereyra que era muyto seu amigo, lhe deu conta dos termos em que ficauão as cousas da Christandade em Iapão, & quão importante lhe era a elle trabalhar todo o possiuel por ver se podia ter entrada na China, assi para lá diuulgar, & dar noticia a aquella gentilidade da ley de Christo nosso Senhor, como por acabar de tomar conclusaõ cos bonzos do reyno de Omanguche, os quais vendose confundidos com as praticas & disputas que tiuera com elles acerca da Fê, lhe responderaõ já por derradeyro, que como da China lhe vieraõ aquellas leys que elles pregauão, & que auia seiscentos annos que tinhaõ aprouadas por boas, se não desdiriaõ por nenhum caso se não quando soubessem que elle conuencera os Chins com as proprias razoẽs com que a elles lhes fizera confessar ser esta ley boa & verdadeyra, & ser para ouuir o que elle pregaua.
  146. [3378](Cap. 215) Chegados com esta determinação a Malaca, o padre se embarcou logo daly para a India, & Diogo Pereyra ficou com a nao em Malaca para yr à Çũda carregar de pimenta, & mandou em companhia do padre hum Francisco de Caminha seu feitor com trinta mil cruzados em almizcre & seda para se comprar delles todo o necessario.
  147. [3380](Cap. 215) Elle contente assaz cõ esta boa reposta do Visorrey, se auiou o mais depressa que pode de tudo o que lhe era necessario: & dandolhe o Visorrey prouisoẽs para Diogo Pereyra yr nesta santa jornada por embaixador a el Rey da China, cometidas a dom Aluaro de Tayde que então estaua por capitão da fortaleza, se tornou a Malaca, porem o capitaõ lhe naõ quiz guardar as prouisoens, porque ao tempo que o padre chegou estaua muyto de quebra com Diogo Pereyra por lhe não emprestar dez mil cruzados que lhe pedira.
  148. [3387](Cap. 215) E assi se dezia publicamẽte em Malaca que se o padre desejaua (como se presumia delle) padecer martyrio por Deos, que bem martyre fora naquella persiguição.
  149. [3388](Cap. 215) E em verdade affirmo que quando me ponho a cuydar no que vy por meus olhos das grandes honras que el Rey do Bungo, sendo Gentio, fez em Iapão a este padre, só por lhe dizerem que era homem que daua noticia da ley de Deos, como atras fica dito, & o que despois vy em Malaca, fico pasmado, & assi creyo que o ficara todo o homem Christão que vira hum & o outro.
  150. [3389](Cap. 215) E sem embargo do tudo isto o padre se embarcou nesta mesma nao para a China, mas bem differente do que ouuera de yr se fora com Diogo Pereyra, mas elle ficou em Malaca, & a nao foy toda por cõta do capitão & dos seus apaniaguados, & cõ capitão posto de sua mão, & o padre foy ingreme, sem autoridade nenhũa, às esmollas do contramestre, & sem leuar outra cousa mais que só hũa loba que leuaua vestida.
  151. [3406](Cap. 216) Da maneyra de que foy enterrado este defunto, & trazido a Malaca, & dahy â India.
  152. [3407](Cap. 216) Procurãdose logo o enterramento deste bemauenturado corpo, se pos em ordem todo o necessario o milhor que entaõ pode ser cõforme â disposiçaõ da terra em que estauão, & ao Domingo á tarde duas horas despois da vespera o leuaraõ ao lugar onde a coua estaua feita, que poderia ser pouco mais de hum tiro de pedra acima da praya, na qual foy enterrado com grande sentimento de todos, principalmente dos mais virtuosos & tementes a Deos, porem não faltaraõ algũs em quem este sentimento se não enxergou de fora, se de dentro o tinhão ou não, Deos o sabe, elle os julgue que sabe a verdade das cousas, & as razoẽs dellas, mas o que se soube publicamente foy que daly a quinze dias escreuendo hũ homem, que por sua honra não nomeyo, hũa carta a dom Aluaro, em hum vancaõ que partio da China para Malaca, num dos capitolos della lhe disse assi secamente, câ morreo mestre Francisco, mas na sua morte não fez milagre, & cá jaz enterrado nesta praya de Sanchaõ cõ os mais que na nao falleceraõ, & quando nos embora formos, o leuaremos se estiuer para isso, porque não digaõ os praguentos de Malaca que naõ somos Christãos como elles.
  153. [3408](Cap. 216) Passados despois disto tres meses & cinco dias, estando jâ a nao de verga dalto para partir, os Portugueses se foraõ a terra, & mandarão abrir a coua em que fora enterrado o santo defunto, com tenção de lhe leuarem os ossos para Malaca, se estiuessem para isso, & acharãolhe o corpo todo inteyro sem corrupção nem falta algũa, tanto que nem na mortalha, nem na sobrepeliz que tinha vestida acharão desfeito nem nodoa, mas ambos tão limpos & tão aluos como se naquella hora os ensaboarão, & com hum cheyro suauissimo, o que em todos causou tamanha admiração que confundidos algũs co que vião por seus olhos, derão em sy muytas bofetadas pelo que antes tinhão dito, & dezião publicamente com muytas lagrimas, ò malauenturados daquelles que por comprazerem ao diabo quiseraõ ser ministros seus na anexação que se te fez em Malaca, sendo tu tão puro seruo de Deos como agora aquy vemos, & publicamente de ty confessamos, & malauenturados de nos que muytas vezes te negamos nossas esmollas entendendo quão falto estauas do necessario para sustentaçaõ da tua santa vida.
  154. [3409](Cap. 216) Vase enforcar o mundo & suas mentiras, enforquece Malaca & suas promessas, que por derradeyro tu só bemauenturado és o que acertaste em seruires a Deos tanto de verdade quanto todos agora em que nos pes, para mais confusaõ nossa, de ty confessamos.
  155. [3411](Cap. 216) O santo corpo foy metido em hũa caixa que pela medida delle aly logo se fez, & o leuaraõ â mesma não em que veyo, na qual foy ate Malaca num camarote do piloto, onde despois que chegou, ao outro dia ás dez horas o prouedor da misericordia com toda a irmandade, & o Vigayro, & todos os clerigos da igreja mayor, acompanhados de toda a gente da terra, saluo do capitão & dos seus aceitos, o foraõ buscar á nao, & o leuaraõ á irmida de nossa Senhora do outeyro, que era a casa onde naquella terra sempre na vida fizera sua habitação, & donde auia noue meses & vinte & dous dias que se embarcara para a China.
  156. [3413](Cap. 217) Como este santo defunto foy desembarcado da nao em que viera de Malaca, & do aparato com que chegou ao caez de Goa.
  157. [3414](Cap. 217) A nao em que hia este santo corpo chegou a Cochim a treze dias de Feuereyro do anno de 1554. & porque ja neste tempo os ventos Noroestes cursauaõ por mouçaõ tendente ao lõgo da costa, & a nao cõ todas as mais que vinhaõ de Malaca em sua cõserua, por o vẽto ser ponteyro, não podião surdir auante mais que somente hũa legoa ou duas por dia, bordejando às voltas cõ muyto trabalho, se assentou por parecer de todos os pilotos que o capitão mandasse recado ao collegio de São Paulo de Goa, paraque os padres prouessem dalgũa erabarcaçaõ de remo em que leuassem aquelle santo corpo, pois a nao não podia yr ter a Goa senão de 25. de Março por diante, que era o tẽpo em que naquelle anno cahia a somana santa, & porque nella celebraua a Igreija sagrada a memoria da paixão do Filho de Deos, não se podia então fazer este recebimento cõ a põpa & aparato que todos requerião.
  158. [3426](Cap. 217) E logo atras nesta mesma ordẽ estauão mais outras dez ou doze embarcaçoẽs, de maneyra que quãdo chegou ao caiz iria acõpanhado de vinte embarcaçoẽs de remo, em que iriaõ cẽto & cinquenta Portugueses da China & de Malaca, gẽte toda muyto limpa & rica, & estes, como digo todos cõ tochas & cirios acesos, & os seus moços, que seriaõ mais de trezeẽtos, com vellas grãdes como brandoẽs, o qual autorizado & Christaõ aparato causaua muita deuação em todos os que o viaõ.
  159. [3429](Cap. 218) Estauão jâ aly tambem o cabido da See, & o prouedor & irmãos da misericordia, todos cõ suas vestes & cirios brancos nas maõs, & hũa tumba cõ hũ pano de brocado nouo cõ suas franjas & guarniçoẽs douro, na qual não foy leuado, porque pareceo milhor que fosse na em que viera de Malaca, os padres & irmaõs da companhia de Iesu que eraõ muytos, chegaraõ ao catur, que já a este tempo estaua bem atracado com terra, & lãçando mão da tũba que estaua encima do toldo, apareceo hũ crucifixo muyto deuoto, que hũa grande quantidade de mininos orfaõs do collegio tinhaõ cuberto, & começãdo hũ delles a entoar o psalmo de Benedictus Dominus Deus Israel, respõderaõ todos os mais juntamente com hũa grita de muyto boas falas & bẽ concertadas tão deuota & espãtosa que os cabellos se arripiaraõ a todos os que a ouuiraõ, & as lagrimas & solluços foraõ taõ gerais em todo aquelle innumerauel & Christão ajũtamẽto, que sò a vista daquillo bastaua para todo o peccador se conuerter muito de verdade.
  160. [3430](Cap. 218) Deste caiz abalou toda esta gente posta em hũa procissaõ muito bẽ cõcertada, & o sãto corpo hia detras metido na tũba em que viera de Malaca cõ hũ grande pãno de brocado por cima, & alguns tribulos de prata que o hiaõ encẽçando por ambas as partes cõ cheyros suauissimos, & a tũba da misericordia hia diante a destro.
  161. [3438](Cap. 218) Neste mesmo dia á tarde chegou a esta cidade de GoaPortuguez por nome Antonio Ferreyra casado em Malaca, cõ hũ presente de peças ricas para o Visorrey, que lhe mãdaua de Iapaõ el Rey do Bungo, com hũa carta que dezia assi.
  162. [3446](Cap. 219) Como o padre mestre Belchior partio da India para Iapão, & a causa porque não passou de Malaca, & do que nella socedeo neste tempo.
  163. [3448](Cap. 219) O nouo capitão dom Antonio chegou a Malaca a cinco dias do més de Iunho, na qual foy bem recebido & leuado â igreija com procissaõ de Te Deum laudamus, onde se disse Missa, & ouue pregação.
  164. [3451](Cap. 219) Porque como por causa destes insultos, & de outros que dom Aluaro tinha cometidos, despuseraõ Malaca de ser cidade como antes era, & a camara & o gouerno della foy todo desfeito com pregoẽs feos & vergonhosos, causou a nouidade disto tamanho espanto & terror em todos os moradores della, que largando, como digo, as casas & as fazendas, se passauão todos para os Mouros.
  165. [3454](Cap. 219) Estas reuoltas & excessos da justiça, com que a terra andaua toda amotinada, foraõ causa que o padre mestre Belchior com os mais da sua companhia não pudesse aquelle anno passar a Iapão como tinha determinado, pelo qual lhe foy forçado inuernar aquy em Malaca até o Abril seguinte de 1555. que foraõ dez meses.
  166. [3455](Cap. 219) Neste tempo continuando o Ouuidor Gaspar Iorge pelas rigurosas execuçoẽs que cada dia fazia nũs & noutros, deu motiuo de muyto escandalo em toda a terra, & não contente com isso, confiado nas largas prouisoẽs que o Visorrey lhe dera, se quis entremeter na jurisdiçaõ do capitão dom Antonio, & se apoderou tanto della que ao capitão lhe não ficaua mais que só o nome, & ser hum olheyro da fortaleza, o qual inda que elle o sintia muyto, todauia o começou a yr pairando com muyto sofrimento, porem correndo estas demasias & solturas do ouuidor por mais de quatro meses, em que ouue muytos desgostos, de que aquy naõ trato particularmente por ser processo infinito, vendo hum dia o dom Antonio o tempo disposto para effeituar o que já dantes parece que tinha determinado, o prendeo, hũa sesta na fortaleza, onde por algũs, que já para isso estauão prestes, foy metido em hũa casa, & aly, segundo se disse, foy despido & atado cõ hũa corda de peis & de mãos, & despois de bem açoutado, & pingado com hũas torcidas de azeite, de que esteue para morrer, lhe lãçaraõ hũs grilhoẽs nos peis, & hũas algemas nas mãos, & hum colar no pescoço, & lhe depennarão todas as barbas sem lhe ficar hum sò cabello no rosto, & lhe fizeraõ outras cousas a este modo, segundo se então disse publicamente, de maneyra que o pobre licenciado Gaspar Iorge, que se intitulaua Ouuidor geral da India, prouedor mòr dos defuntos & dos orfaõs, veador da fazenda de Malaca & das partes do Sul por el Rey nosso senhor, foy por dom Antonio tratado desta maneyra, se he verdade o que se disse.
  167. [3456](Cap. 219) E vinda a moução, assi preso em ferros foy mandado â India com hũa fea deuassa que se tirou delle, a qual os letrados da rolaçaõ de Goa despois anullaraõ, & mandaraõ tirar outra de nouo a Malaca, & ao dom Antonio pelo que fizera mandou o Visorrey dõ Pedro Mascarenhas, que jà a este tẽpo gouernaua o estado da India, vir preso, para estar a juizo co Gaspar Iorge, & dar razão do que lhe fizera.
  168. [3457](Cap. 219) O qual dom Antonio se veyo logo à India, onde andandose liurãdo deste feito lhe mandaraõ na rolação que dentro em tres dias contrariasse hum feyo libello com que o Gaspar Iorge veyo contra elle, & porque o dom Antonio naturalmente era contrario destes termos judiciais de replicas & treplicas cõ que se dezia que os desembargadores o querião enfadar, parece (segundo então disseraõ os praguentos, porque eu não o vy, nem o sey de certo) que não quis gastar em respõder ao libello todos os tres dias que lhe foraõ dados de termo, mas dentro de vinte & quatro horas deu co Gaspar Iorge em parte donde nũca mais se leuantou, & segundo tambem se disse, com hum bom bocado que lhe deraõ num banquete, por onde este negocio cessou de todo, & o dom Antonio por sentença foy solto & liure, & que tornasse a seruir a sua capitania, para onde se partio logo daly a hum més, porem chegado a Malaca & metido de posse não durou mais nella que sós dous meses & meyo, no fim dos quais falleceo de camaras de sangue.
  169. [3458](Cap. 219) E desta maneyra se acabaraõ de aueriguar rodas as discordias & enfadamẽentos que a triste Malaca teue naquelle tempo.
  170. [3459](Cap. 220) Como partimos de Malaca para Iapaõ, & do que passamos atê chegarmos à ilha de Champeyloo na Cauchenchina, & do que nella vimos.
  171. [3460](Cap. 220) Chegada a mouçaõ para o padre mestre Belchior poder proseguir sua viagem, nos partimos de Malaca o primeyro de Abril do anno de 1555. embarcados em hũa carauella del Rey nosso senhor que dom Antonio capitaõ da fortaleza deu ao padre por hũa prouisaõ que leuaua do Visorrey.
  172. [3461](Cap. 220) E aos tres dias da nossa viagem chegamos a hũa ilha que se dezia Pullo pisaõ jà quasi na boca do estreito de Sincaapura, onde o piloto, por ser nouo naquella carreyra varou enfunado na vella por cima de hũa restinga de pedras, com que de todo estiuemos perdidos sem nenhũ remedio, pelo que foy forçado, por conselho de todos, yr o padre mestre Belchior em hũa manchua pedir socorro de batel & marinheyros a hũ Luis Dalmeida que auia duas horas que em hum nauio tinha passado auante, & estaua surto daly duas legoas por respeito do vento que lhe era contrario; na qual yda & distancia de caminho o padre cõ dous irmaõs & eu que com elle hiamos corremos assaz de risco & trabalho, porque como a terra toda estaua de guerra, por que era do Rey do Iantana, neto que fora del Rey de Malaca muyto nosso inimigo, os seus baloẽs & lancharas que andauão ahy darmada, nos vieraõ sempre ladrando com fundamẽto de nos abalroarem, mas permitio nosso Senhor que o não puderaõ fazer.
  173. [3463](Cap. 220) E chegando a ella ao outro dia, prouue a nosso Senhor que a achamos liure daquelle trabalho, mas com fazer muyta agoa pela roda de proa, que despois se lhe tomou em Patane onde chegamos daly a sete dias, & eu cõ outros dous desembarquey em terra, & fuy ver el Rey, & darlhe hũa carta do capitaõ de Malaca, o qual nos recebeo com muyto gasalhado, & lendo a carta do capitão, por ella entendeo que a tençaõ com que aly vinhamos, era para comprarmos mantimẽtos, & nos prouermos de algũas cousas que não traziamos de Malaca, & proseguirmos nossa viagem â China, & dahy a Iapão, para o padre com os mais que leuaua comsigo pregarem lá a ley Christam a aquelles Gentios; pelo qual el Rey, despois de estar hũ pouco pensatiuo, sorrindose para os seus lhes disse, quanto milhor fora a estes, ja que se auenturaõ a tantos trabalhos, irem â China fazerse ricos, que pregarem patranhas a reynos estranhos.
  174. [3464](Cap. 220) E chamando o Xabandar que estaua defronte delle, lhe disse, tudo o que estes homens requererem lhe faze por amor do capitaõ de Malaca que mos encomenda aquy muyto, & lembrete que não mando a cousa mais que hũa só vez.
  175. [3468](Cap. 220) O padre mestre Belchior praticou logo cos capitaens dellas sobre o que faria de sy, & por parecer de todos foy assentado que mandasse a carauella em que vinha para Malaca por naõ ser embarcação sufficiente para taõ lõga viagem como era daly a Iapaõ, o qual se fez assi, & o padre se embarcou com hũ Francisco Toscano homem rico & honrado, que lhe fez o gasto em toda a viagem, & muyta parte do tempo que esteue na China a elle & a toda a companhia que leuaua comsigo.
  176. [3478](Cap. 221) De maneyra que se dezia geralmente que era a mais nobre, rica, & abastada pouoaçaõ de quantas auia em toda a India, & do seu tamanho em toda a Asia, & quando os escriuaẽs passauão algũs precatorios para Malaca, ou os taballiaẽs fazião algũas escrituras dezião, nesta muyto nobre & sempre leal cidade de Liampoo por el Rey nosso senhor.
  177. [3484](Cap. 221) E isto acõteceo no anno de 1542. gouernando o estado da India Martim Afonso de Sousa, & sendo capitaõ de Malaca Ruy Vaz Pereyra Marramaque.
  178. [3486](Cap. 221) Aquy correo o negocio do trato entre nos & os da terra quietamente por tẽpo de quasi dous annos & meyo pouco mais ou menos, até que de Malaca por mandado de Simão de Mello capitaõ da fortaleza veyo ahy ter outro quasi da mesma estofa do Lançarote Pereyra que se chamaua Aires Botelho de Sousa, o qual trazia prouisaõ do capitão Simão de Mello para ser capitão mòr daquelle porto Chincheo, & prouedor dos defuntos, o qual, segundo se dezia, vinha tão desejoso de ser rico, que lhe assacauão que lançaua mão por tudo sem ter respeito a cousa algũa.
  179. [3488](Cap. 221) Tinha este homem de seu como dez ou doze mil cruzados, & por ser estrangeyro & Christão como nos, se tirou de hũ junco de Mouros em que vinha, & se passou para hũa nao de hum Portuguez por nome Luis de Montarroyo, & auendo jâ obra de seis ou sete meses que viuia aquy entre nos pacificamente, fauorecido & agasalhado de todos, por ser, como digo, muyto bom homem, & bom Christão, veyo a adoecer de febres de que morreo, & fazendo testamento declarou que era casado, & que tinha sua molher & seus filhos em hum lugar da Armenia que se dezia Gaborem, & que dos doze mil cruzados que tinha de seu deixaua á santa misericordia de Malaca dous mil, com certas declaraçoẽs de missas por sua alma, & o mais pedia ao prouedor & irmaõs da casa que o tiuessem em deposito em seu poder até o fazerem entregar a seus filhos, a quem mandaua que se désse, & sendo caso que seus filhos fossem mortos, deixaua a misericordia por sua herdeyra vniuersal.
  180. [3520](Cap. 223) Partido eu da cidade, cheguey o outro dia âs noue horas a hũ lugar que se dezia Fingau que seria hũ quarto de legoa da fortaleza de Osquy, donde por hũ dos Iapoẽs que leuaua comigo mandey dizer ao Osquim dono capitão della como eu era aly chegado, & que trazia hũa embaixada do Visorrey da India para sua alteza, pelo que lhe pedia me mandasse dizer quando queria que lhe fallasse; a que me elle respondeo logo por hũ seu filho, que a minha vinda cõ a de todos os meus cõpanheyros fosse muyto boa, & que jâ tinha mandado recado a el Rey à ilha do Xeque para onde fora ante menham cõ muyta gente a matar hũ grãde peixe, a que se não sabia o nome, que do centro do mar aly viera ter com outra grande soma de peixes pequenos, & que pelo ter cercado já num esteyro lhe parecia que não poderia vir senão de noite, mas que do que sua alteza lhe respondesse me mandaria logo recado, mas que entre tanto descançasse noutras casas milhores em que me mãdaua apousentar, onde seria prouido de tudo o necessario, porque toda aquella terra era tanto del Rey de Portugal como Malaca, Cochim, & Goa.
  181. [3581](Cap. 225) Ajuntouse tambem a isto virlhe hũa carta pela via de Firãdo, que hum Guilherme Pereyra lhe trouxe de Malaca, pela qual teue nouas que viera hum seu irmão deste reyno, por nome Ioaõ Nunez por Patriarca do Preste Ioaõ, o que tambem fez nelle hum grande abalo, por lhe parecer que indo com elle faria là na Etiopia muyto mais fruyto que aly, onde estaua jà desenganado que por entaõ se perdia o tempo & o trabalho; porem este seu bom intento tambem não teue effeito, por ser o imperio do Preste naquelle tempo senhoreado del Rey de Zeila com fauor do Turco, & elle se recolher com poucos dos seus âs serras de Tigremahom, onde morreo de peçonha que Mouros lhe deraõ.

Malata 12(1).

Nas orações: 133.

  1. [133](Cap. 12) E porque ja neste tempo erão catorze de Março, & a monção de Malata era ja chegada; se partio Pero de Faria para Goa, onde por prouisoẽs do Visorrey que leuaua, se acabou de prouer de tudo o necessario muyto abastadamente, & se partio de Goa a treze dias de Abril, com hũa frota de oito naos, & quatro fustas, & hũa Galé em que leuaua seiscentos homẽs, & com tempo feyto de boa monçaõ chegou a Malaca a cinco dias de Iunho do mesmo anno de 1539.

(2) Objecto geográfico interpretado

Porto. Parte de: Insulíndia.

Referente contemporâneo: Malacca, Malaysia (AS). Lat. 2.196000, long. 102.240500.

Porto, fortaleza, cidade. DHDP s.v.: 2º 15′ N, 102º 15′ E.

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