O lugar no contexto

(1) Entidade geográfica mencionada

Pegù. Pegù 20(1), 88(1), 96(1), 107(1), 112(1), 146(1), 148(1), 150(2), 153(3), 155(2), 162(1), 164(1), 165(3), 167(4), 169(1), 170(1), 171(1), 185(2), 188(1), 189(1), 190(8), 191(1).

Nas orações: 220, 1049, 1187, 1402, 1500, 2059, 2081, 2117, 2119, 2176, 2177, 2180, 2206, 2214, 2349, 2391, 2415, 2417, 2430, 2470, 2474, 2478, 2481, 2549, 2551, 2573, 2767, 2769, 2806, 2814, 2837, 2839, 2841, 2847, 2850, 2851, 2861, 2864, 2866.

  1. [220](Cap. 20) Partido eu com a pressa que digo deste rio Parlês, hum Sabado quasi Sol posto, cõtinuey por minha derrota atè a terça feyra ao meyo dia, em que prouue a nosso Senhor que cheguey às ilhas de Pullo Çambilão, primeira terra da costa do Malayo, onde achey tres naos Portuguesas, duas que vinhaõ de Bengala, & hũa de Pegù, de que era Capitão & senhorio hum Trisão de Gaa, ayo que fora de dom Lourenço filho do Visorrey dom Francisco de Almeida, que Miroocem matou na barra de Chaul, de que as historias do descubrimento da India fazem larga menção.
  2. [1049](Cap. 88) O quarto rio por nome Batobasoy dece pela prouincia de Sansim, que he aque se alagou no ano de 1556. como adiante se dirâ, este entra no mar pela barra de Cosmim no reyno de Pegù.
  3. [1187](Cap. 96) E no reyno de Pegù, onde eu ja estiue algũas vezes, vy outro pagode semelhante a este a que os naturais da terra nomeão por Ginocoginana, Deos de toda a grandeza.
  4. [1402](Cap. 107) Esta cidade do Pequim de que promety dar mais algũa informaçaõ da que tenho dada, he de tal maneyra, & tais saõ todas as cousas della, que quasi me arrependo do que tenho prometido, porque realmente não sey por onde comece a cumprir minha promessa, porque se não ha de imaginar que he ella hũa Roma, hũa Constantinopla, hũa Veneza, hum Paris, hum Londres, hũa Seuilha, hũa Lisboa, nem nenhũa de quantas cidades insignes ha na Europa por mais famosas & populosas que sejão, nem fora da Europa se ha de imaginar que he como o Cairo no Egypto, Taurys na Persia, Amadabad em Cambaya, Bisnagà em Narsinga, o Gouro em Bẽgala, o Auaa no Chaleu, Timplaõ no Calaminhan, Martauão & Bagou em Pegù, ou Guimpel & Tinlau no Siammon, Odiaa no Sornau, Passaruão & Demaa na ilha da Iaoa, Pangor no Lequîo, Vzanguee no graõ Cauchim, Lançame na Tartaria, & Miocoo em Iapaõ, as quais cidades todas saõ metropolis de grandes reynos, porque ousarey a affirmar que todas estas se não podem comparar com a mais pequena cousa deste grãde Pequim, quanto mais com toda a grandeza & sumptuosidade que tem em todas as suas cousas, como saõ soberbos edificios, infinita riqueza, sobejissima fartura & abastança de todas as cousas necessarias, gente, trato, & embarcaçoẽs sem conto, justiça, gouerno, corte pacífica, estado de Tutoẽs, Chaẽs, Anchacys, Aytaos, Puchancys, & Bracaloẽs, porque todos estes gouernão reynos & prouincias muyto grandes, & cõ ordenados grossissimos, os quais residem continuamente nesta cidade, ou outros em seu nome, quando por casos que soccedem se mandão pelo reyno a negocios de importancia.
  5. [1500](Cap. 112) E esta seita com todas as mais que se achão neste barbarismo da China, que, segundo eu soube delles, & ja disse algũas vezes, saõ trinta & duas, vieraõ do reyno de Pegù ter a Sião, & daly por sacerdotes & cabizondos se espalharaõ por toda a terra firme de Cãboja, Champaa, Laos, Gucos, Pafuas, Chiammay, imperio de Vzanguee, & Cauchenchina, & pelo arcipelago das ilhas de Ainão, Lequios, & Iapaõ, ate os confins do Miacoo & Bandou, de maneyra que a peçonha destes erpes corrõpeo tamanha parte do mũdo como a maldita seita de Mafamede.
  6. [2059](Cap. 146) O que sabido pelo Chaubainhaa Rey de Martauão, os mandou logo buscar com promessas de grandes partidos para o ajudarem contra o Rey do Bramaa que naquelle tempo se fazia prestes na cidade de Pegù para o vir cercar com setecentos mil homẽs.
  7. [2081](Cap. 148) E este negocio mandou tratar com muyto segredo por hũ Paulo de Seixas natural da villa de Obidos que tinha comsigo dentro na cidade, o qual em trajo de Pegù, por não ser conhecido, veyo ter hũa noite à tenda onde estaua o Ioaõ Cayeyro, & lhe deu hũa carta do Chaubainhaa, a qual dezia assi.
  8. [2117](Cap. 150) Logo apos estes pela mesma ordem vinha o Bainhaa Quendou senhor de Cosmim cidade nobre do reyno Pegù, & o Mongibray dacosem.
  9. [2119](Cap. 150) Apos estes principes & outros muytos aque não soube os nomes, vinha em distãcia de oito ou dez passos o Rolim de Mounay Talapoy de dignidade suprema sobre todos os outros sacerdotes do reyno, & tido de el Rey em reputaçaõ de homem santo, este só vinha junto do Chaubainhaa corno padrinho & terceyro entre elle & el Rey, & logo tras elle em tres palanquis vinha a Nhay Canatoo filha que fora do Rey de Pegù passado, a quẽ este Bramaa tomara o reyno, & molher do Chaubainhaa com quatro filhinhos seus, dous machos & duas femeas, de quatro até sete annos de idade, & ao redor destes palanquis vinhão trinta ou quarenta molheres moças fidalgas muyto fermosas cos rostos baixos chorando, & muyto afrontadas, encostadas todas em outras molheres que as sustentauão.
  10. [2176](Cap. 153) E dizendo eu algũas vezes que por me roubarẽ minha fazenda me assacauão todos aquelles falsos testemunhos, mas que o capitão Ioão Cayeyro que estaua em Pegù daria conta disso a el Rey muyto cedo, por isso que eu a caso disse jâ como desesperado, & sem saber o que dezia, permitio nosso Senhor que fosse liure da morte.
  11. [2177](Cap. 153) Porque estando jâ este perro para dar â execução a sentença que tinha dada contra mim, lhe foraõ algũs seus amigos â mão aconselhandoo que o não fizesse, porque se me matasse, os Portugueses todos em Pegù se auião de queixar delle a el Rey, & dizerlhe que por me roubar cem mil cruzados que trouxera do capitão de Malaca me condenara à morte, & ma dera, & que estaua claro que el Rey lhe auia de pedir conta de toda esta contia, & que ainda que na verdade entregasse tudo o que me tinha tomado se não auia de auer por satisfeito, parecendolhe que era muyto mais, pelo que podia daquy ficar em tanto descredito com el Rey que nunca mais entrasse em sua graça, & ficarião seus filhos de todo perdidos com abatimento & deshonra muyto grande.
  12. [2180](Cap. 153) Partido este Rey Bramaa da cidade de Martauão, como atras fica dito, caminhou tanto por suas jornadas que chegou a Pegù, onde antes de despidir seus capitaẽs fez ressenha da gente que tinha, & achou que dos setecentos mil homẽs cõ que cercara o Chaubainhaa trazia menos oitenta & seis mil.
  13. [2206](Cap. 155) Apos este successo ficou a cousa quieta por espaço de doze dias em que nos de fora não ouue nenhum rebuliço, & neste tempo hum capitão dos quatro principais da cidade por nome Xemim Meleitay, temendo o que geralmente já todos temião, que era não poderem escapar a este inimigo que os tinha cercados, se carteou secretamente com elle, com partido de o deixar liuremente possuyr seu estado, & lhe não tocasse em casa de nenhum seu familiar, & o fizesse no reyno Pegù Xemim de Ansedaa cõ toda a renda que nelle tiuera o Bainhaa de Malacou, que eraõ trinta mil cruzados, & que elle lhe entregaria a cidade dandolhe entrada nella por hũa porta que tinha a seu cargo.
  14. [2214](Cap. 155) Apos isto lhe trouxerão a Raynha molher do Reizinho, que como jâ se disse, elle era de idade de treze annos, & ella de trinta & seys, molher muyto alua, & bem assombrada, & tia de seu marido, irmam de sua mãy, & filha do Rey do Auaa, que he a terra donde os rubis, & as çafiras, & as esmeraldas vem a Pegù, a qual Raynha auia tres annos que este Bramaa mandara pedir por molher a seu pay, segundo se então là dezia, & elle lhe negara dizẽdo na reposta que deu ao embaixador que em muyto mais alto põto trazia sua filha o pensamento que em ser molher do Xemim do Tanguu, que era a geração donde procedia este cruel & fraco tyranno, o qual agora assi para desprezo della & de seu pay, como para se vingar da passada afronta que recebera delle, a mandou aly em publico despir nua, & darlhe muytos açoutes, & apos isso a mandou leuar por toda a cidade, & com grandes gritas & apupadas de gente baixa & deshonesta lhe mandou dar outro tormento, com que a pobre Raynha logo espirou, & despeis de morta a mandou atar abraçada co Reizinho seu marido que ainda estaua viuo, & com cada hum sua pedra ao pescoço os lançarão ambos pelo rio abaixo, que foy hum genero de crueldade assaz espantoso para quem o via.
  15. [2349](Cap. 162) Assaz espãtados ficamos todos de hũ caso tão nouo como este, & tambẽ assaz tristes de vermos o desauẽturado estado em que estaua esta pobre molher, & lhe dissemos entaõ o que nos pareceo razaõ, & o que se nos entẽdia, & por fim da pratica assentou cõ nosco de yr dahy a dez dias ter â cidade de Timplão, para se vir em nossa cõpanhia para Pegù, & dahy se embarcar para Choromandel, & acabar seus dias na pouoação do Apostolo S. Tomè.
  16. [2391](Cap. 164) A este templo foy o Embaixador cinco vezes, assi a ver cousas de grande admiração como a ouuir a doutrina dos que pregauão, & de tudo o que aquy passou vio, & ouuio, leuou hum volume de patranhas escritas ao Rey do Bramaa, que despois em Pegù mandou que se pregasse nos pulpitos de todas as brallas do reyno, como inda oje se faz, do qual eu trouxe o treslado a este reyno, que hũ Florentino me pedio emprestado, & querendoo eu tornar a auer à mãe, mo fez perdidiço, & o leuou comsigo a Florença, & o presentou ao duque da Toscana, o qual me disserão que o mandara imprimir cõ titulo de crenças nouas da gentilidade do cabo do mundo.
  17. [2415](Cap. 165) Porem antes que trate do caminho que fizemos daquy para Pegù, onde el Rey do Bramaa então residia, me pareceo cõueniente & necessario dar informaçaõ dalgũas cousas que vimos nesta terra; o qual farey com a mayor breuidade que puder, como fiz em todas as outras cousas de que tenho tratado, porque se ouuera de tratar particularmente de tudo o que vy & passey, assi neste imperio como nos mais reynos em que me achey nesta minha triste & trabalhosa peregrinação ouuera mister outro volume muyto mayor que este, & outro saber, habilidade & engenho muyto acima do que em mim ha, o qual eu conheço por muyto baixo & muito grosseyro, como ja muytas vezes tenho dito & cõfessado.
  18. [2417](Cap. 165) O reyno de Pegù tem de costa cento & quarẽta legoas, a qual estâ em dezasseis graos da banda do Sul, & pelo amago do sertaõ ao rumo de Leste, tẽ cento & trinta legoas, por cima do qual estâ cingido de hũa grande faixa de terra por nome Panguassirau, em que habita a nação Bramaa, que tem oitẽta legoas de largo, & duzẽtas de comprido, cuja monarchia foy antigamente toda hũ sò reyno, & agora o não he, porque está diuidida em treze estados de senhores que se leuãtaraõ com elles, matando primeyro o Rey com peçonha em hũ banquete que lhe deraõ na cidade Chaleu, segundo se conta nas suas historias.
  19. [2430](Cap. 165) Os sacerdotes comuns de todas as vinte & quatro seitas, de que neste imperio ha muyto grande quantidade, andão vestidos de amarello como os Roolins de Pegù, com suas altirnas sobraçadas a modo de estolas.
  20. [2470](Cap. 167) Continuando nosso caminho desta cidade de Pauel, logo ao outro dia despois que saymos della fomos ter a hũa aldea que se chamaua Lunçor, cercada em roda em distãcia de mais de tres legoas de aruores de beijoim, que daquy se leua de carregação para o reyno de Pegù & de Sião.
  21. [2474](Cap. 167) Daquy seguimos nosso caminho por hum esteyro que se dezia Madur, mais cinco dias, & chegamos a hũa aldea por nome Mouchel, primeyro lugar do reyno de Pegù, no qual hũ ladrão muyto afamado por nome Chalagonim, que ahy andaua ao salto cõ trinta seroos bẽ cõcertados, & cõ boa gẽte, nos cometeo hũa noite, & pelejando cõ nosco ate quasi a menham, nos tratou de tal maneyra, que a nos fazer Deos muyta merce escapamos da briga cõ perda de cinco embarcaçoẽs das doze que traziamos, & morte de cẽto & oitẽta homẽs da nossa parte, em que entraraõ dous Portugueses, & o Embaixador ficou cõ hũ braço cortado, & cõ duas frechadas, de que esteue â morte, & nòs com todos os mais muyto feridos, & o presente que o Calaminhan mandaua, que valia mais de cem mil cruzados, foy tomado cõ outra muyta fazenda rica que vinha nas cinco embarcaçoẽs, & desta maneyra chegamos dahy atres dias á cidade de Martauão destroçados & roubados, & com a mayor & milhor parte da gente morta.
  22. [2478](Cap. 167) Despois que o Embaixador aquy em Martauão conualeceo das feridas que ouuera na briga, se partio para a cidade de Pegù, onde naquelle tempo, como atras fica dito, o Rey do Bramaa residia com toda sua corte, o qual sabẽdo da sua chegada, & da carta que trazia do Calaminhan em que lhe aceitara a liga da sua amizade o mãdou receber pelo Chaumigrem, seu colaço & seu cunhado, acompanhado de todos os grandes, & com hũa mostra de quatro batalhoẽs de gente estrangeyra, em que entrauão mil Portugueses, de que era capitão hum Antonio Ferreyra natural de Bragãça, homem de grandes espritos, & a quem este Rey daua doze mil cruzados de partido, a fora merces particulares que montauão quasi outro tanto.
  23. [2481](Cap. 167) El Rey se partio logo essa mesma noite para Mounay, que era daly vinte legoas, por ser necessario acharse presente a este enterramento, conforme ao custume antigo dos Reys de Pegù, onde chegou ao outro dia â vespera, & fez dar tanta pressa a tudo o que era necessario para estas exequias, que no mesmo dia foy tudo preparado & posto em ordem.
  24. [2549](Cap. 169) El Rey se despidio tambẽ do Roolim lá sobola tarde, & veyo dormir â cidade, & como ao outro dia foy menhã se partio para a cidade de Pegù que estaua daly dezoito legoas, onde chegou ao outro dia cõ duas horas da noite, sem regozijo nẽ fausto nenhũ, por mostrar sentimẽto pela morte do Roolim passado, de que se dezia que fora muyto deuoto.
  25. [2551](Cap. 170) Passados vinte dias despois que este Rey Bramaa chegou â cidade de Pegù, vendo que na carta que o seu Embaixador lhe trouxera do Calaminhan lhe dezia elle que por seu Embaixador tomaria com elle conclusaõ na liga que ambos querião fazer nouamente contra o Siammõ, & que esta se não podia ja effeituar aquelle verão, pelo muyto que ainda auia que fazer nisso, & que para yr tambem sobre o reyno do Auaa, como desejaua, não era ja tempo, determinou de mandar este seu colaço (a quem, como atras fica dito, tinha dado titulo de seu irmão) sobre a cidade do Sauady, que era daly cento & trinta legoas contra o Nordeste.
  26. [2573](Cap. 171) E partindonos daquy jà fora dos receyos passados, quiz nosso Senhor que em cinco dias chegamos â cidade de Cosmim, que he hum porto de mar no reyno de Pegù, onde em casa desta Christam fomos curados com muyto gasalhado, & acabamos de conualecer de todo das nossas feridas.
  27. [2767](Cap. 185) Sendo informado o Rey do Bramaa, que neste tempo reynaua tyrannicamente em Pegù, do triste estado em que estaua este imperio Sornau; & como todos os grandes delle eraõ mortos por causa dos successos atrâs contados, & que o nouo Rey era homem religioso, sem ter nenhum conhecimento das cousas da guerra, nem pratica algũa das armas, & de sua natureza pusillanimo, & sobre tudo muyto tyranno & mal quisto do pouo, tomando conselho cos seus na cidade de Anapleu onde entaõ residia, sobre esta taõ importante empresa, lhe disseraõ todos que por nenhum caso a deixasse, visto ser aquelle hum reyno dos milhores do mundo, assi em riqueza como em abundancia de todas as cousas, & o fauor que então tinha do tempo & da conjunção lho estauão prometendo taõ barato, que segundo parecia não lhe podia custar mais tomallo que o rendimẽto de hum anno, por muyto que quisesse despender dos seus tisouros, & que tomandoo, ficaua sendo com elle Monarcha dos Emperadores do mundo, & com a honra daquelle supremo titulo de senhor do elifante branco, pela qual causa necessariamente lhe auião de obedecer todos os dezassete Reys do Capimper que nelle professauão as leys das suas verdades; & por suas terras, & cõ suas ajudas podia passar em dez ou doze dias á China, onde se tinha por certo que estaua aquella grande cidade do Pequim, perola sem preço em todo o mundo, & sobre a qual o grande Tartaro, & o Siammon, & o Calaminhan tantas vezes se tinhaõ posto em campo com grossissimos exercitos.
  28. [2769](Cap. 185) O qual Diogo Soarez ja neste tempo, que foy no anno de 1548. tinha deste Rey Bramaa duzentos mil cruzados de rẽda, com titulo de seu irmão, & gouernador do reyno de Pegù.
  29. [2806](Cap. 188) E tendo já assestadas nella quarenta peças de artilharia grossa, nũa trinchea de doze bestioens ao modo Turquesco, para o outro dia se bater a cidade, chegou hum correyo com cartas a el Rey do Chauseroo senhor de Mouchão, em que lhe dezia que no reyno de Pegù se aleuantara o Xemindoo, & matara quinze mil Bramaas, & tomara as principais forças delle, a qual noua fez em el Rey tamanho abalo, que logo, sem fazer mais nenhũa detença leuantou o cerco, & se retirou para hũa ribeyra que se dezia Pacarou, na qual não se deteue mais que naquella noite, & o outro dia seguinte, em que recolheo a artilharia, & as muniçoens.
  30. [2814](Cap. 189) Por quanto ategora tratey do successo que teue esta ida do Rey do Bramaa ao reyno de Sião, & do aleuantamẽto do reyno de Pegù, pareceme que não virá fora de proposito tratar aquy, inda que breuemente, do sitio, grandeza, abastança, riqueza, & fertilidade que vy neste reyno de Sião & imperio Sornau, & quanto mais proueitoso nos fora telo antes senhoreado que tudo quanto temos na India, & com muyto menos custo do que ategora nos tem feito.
  31. [2837](Cap. 190) Despois que o Rey Bramaa ouue em Pegù aquella grande vitoria cõtra o Xemindoo, como atras fica contado, com que ficou em posse pacifica de todo o reyno, a primeyra cousa em que entendeo foy em castigar os culpados no aleuantamento passado, em que cortou as cabeças a hũa grande quantidade de homens nobres, & capitaẽs, & senhores, & lhes confiscou todos os beẽs para a coroa, com que de ouro & de prata somente se affirmou que ouuera passante de dez contos douro, a fora muyta pedraria & baixellas ricas; onde, como então geralmente se dezia, pagaraõ muitos pelo peccado de hum sô.
  32. [2839](Cap. 190) Mas paraque a causa deste aleuantamento fique entendida dos curiosos, antes que vâ mais por diante não deixarey de dizer breuemente que este Xemindoo foy hum religioso Pegù de nação homem de geração nobre, & segundo algũs delle affirmauão, muyto parẽte do Rey passado, que este Bramaa tinha morto auia doze annos, como atras fica dito, o qual Xemindoo se nomeaua antes por seu proprio nome Xoripamsay, era de idade de quarenta & cinco annos, & de grandes espritos, & tido na opinião de toda a gente por homem santo, & era muyto douto nos estatutos & preceitos das suas gẽtilicas seitas, & com isto tinha muitas partes boas que o fazião ser tão agradauel aos ouuintes nos sermoẽs que fazia, que como se subia no pulpito, toda a gente se prostraua por terra dizendo a cada palaura que elle soltaua, pitarul axinão dauocoo Quiay Ampaleu, que quer dizer, certo que Deos he o que falla de ty.
  33. [2841](Cap. 190) E assi no tempo que o Rey Bramaa foy sobre o reyno de Sião, & após cerco à cidade de Odiaa, como atras fica dito, pregando o Xemindoo então na varella do Comquiay de Pegù, que he como See de todas as outras, a hum grande concurso de gente, lhe tratou com muytas palauras da perdição daquelle reyno, da morte do seu Rey natural, & dos grandes insultos, crueis mortes, & outros muytos males que os Bramas tinhão feito naquella nação Pegua, com tanto desacatamento & offensa de Deos, que até as casas ricas, instituidas com as esmollas dos bons para templos de seu louuor, erão ja por elles todas assolladas, & postas por terra.
  34. [2847](Cap. 190) Sendo (como eu jâ disse) este Rey Bramaa auisado do leuantamento da cidade de Martauão, & da morte dos seus dous mil Bramaas, proueo logo com toda a presteza em mandar vir todos os senhores do reyno com a gente que cada hum tinha de sua obrigação, & para isso lhes deu sós quinze dias de termo, porque a necessidade não sofria mayor dilação, & elle logo ao outro dia se partio aforrado desta cidade Pegù, paraque os seus fizessem o mesmo, & se foy alojar em hũa villa que se dezia Moucham, com fundamento de se deter ahy todos os quinze dias do termo.
  35. [2850](Cap. 190) Passados noue dias despois deste aleuantamento, vendose este leuantado fauorecido da fortuna, & com muyta gente que já lhe tinha acodido de toda aquella comarca, que em copia se dezia que passarião de trinta mil homens, se leuantou por Rey de Pegù, prometendo de fazer muitas merces aos que o seguissem & acompanhassem ate que de todo ganhasse o reyno, & lançasse os Bramaas fora delle.
  36. [2851](Cap. 190) E com isto se recolheo para hũa fortaleza que se dezia Tagalaa com determinaçaõ de se fazer nella forte pelo temor que tinha da gente porque o Rey morto estaua esperando, de que já auia nouas que era abalada da cidade Pegù.
  37. [2861](Cap. 190) E feito isto, se partio com muita pressa hũa hora antemenham, & seguio seu caminho para o Tanguu, que era a sua propria patria donde tinhaõ saido auia quatorze anhos a conquistar este reyno Pegù, & distaua daly pelo sertão dentro cento & sessenta legoas, & como o medo custuma a dar asas aos peis, este os fez caminhar com tanta pressa, que em quinze dias chegarão ao lugar para onde hião.
  38. [2864](Cap. 190) E com isto se partio logo para a cidade de Pegù, onde dos moradores della foy recebido com triumpho de Rey, & coroado por esse na varella do Comquiay, que he como See de todas as outras.
  39. [2866](Cap. 191) Avendo ja tres meses & noue dias que este tyranno Xemim de Çatão estaua pacifico Rey nesta cidade & reyno de Pegù, & sem receyo nem contradição de pessoa algũa, começou a distribuir indeuidamente, & fazer merce a quem queria dos beẽs que eraõ da coroa, donde se recreceraõ grandes escandalos, que foraõ causa de auerem muytas brigas & discordias entre muytos senhores, os quais por esta razão, & pela pouca justiça que o tyranno tinha no que fazia, se foraõ para diuersas terras, & reynos estranhos, & outros se passaraõ para o Xemindoo, o qual jâ neste tempo começaua a ter algum pequeno de nome, porque despois de fugido da batalha passada com os seis de cauallo, como atras disse, foy ter ao reyno de Ansedaa, onde pela efficacia dos seus sermoẽs, & pela autoridade de sua pessoa, aquirio a sy hũa grande quantidade de gente, & com o fauor & ajuda destes senhores que se passaraõ para elle, ajuntou hum corpo de sessenta mil homens, com os quais se veyo chegando para o Meidoo, onde dos naturais da terra foy bem recebido.

Pègù 193(1), 194(1), 200(1).

Nas orações: 2911, 2932, 3019.

  1. [2911](Cap. 193) Crecẽdo cada dia mais neste tyrãno & cubiçoso Rey Xemim de Çataõ as crueldades & as tyrannias que vsaua cõ todo o genero de gẽte, matãdo & roubando todos os dias toda a sorte de homem que lhe parecia que tinha dinheyro, ou cousa de que se pudesse lançar mão, veyo isto em tanto crecimento que se affirmou que em sós sete meses que pacificamente possuhio este reyno Pègù, matara seis mil mercadores & homẽs ricos, a fora senhores antigos que a modo de morgados possuhião os beẽs da coroa.
  2. [2932](Cap. 194) E ficãdo então o cãpo pelo Chaumigrẽ, elle naquelle pequeno espaço que ainda restaua do dia se coroou por Rey de Pègù, cõ as mesmas insignias reais de estoque, coroa, & cetro que foraõ do Rey Bramâ que o Xemim de Çataõ matara, & porque ja a este tẽpo era quasi noite se não entẽdeo em mais que na cura dos feridos, & na vigia do campo.
  3. [3019](Cap. 200) Despois que estas reuoltas que atras disse, foraõ todas quietas, Gõçallo Pacheco se despidio desta cidade Pègù, cõ todos os mais Portugueses que nella estauamos, a quẽ este nouo Rey Bramá tinha libertado, da maneira que atras fica dito, mãdandolhe entregar liuremẽte suas fazedas, & fazendolhe outras muitas merces, assi de honras como de liberdades, & nos embarcamos todos os cento & sessenta Portugueses em cinco naos que neste tẽpo estauão no porto de Cosmim, cidade das principais deste reyno, & nellas nos espalhamos, como peregrinos que somos na India, por diuersas partes, onde a cada hũ lhe parecia que poderia fazer milhor seu proueito.

Pégù 192(1), 195(1), 199(1), 200(2), 204(1), 205(1).

Nas orações: 2908, 2935, 3007, 3015, 3121, 3135.

  1. [2908](Cap. 192) E desta maneyra acabou o grande Diogo Soarez que a fortuna tanto tinha aleuãtado naquelle reyno de Pégù que chegou a ter titulo de irmão del Rey, que he aly o mais alto & supremo de todos, com duzentos mil cruzados de rẽda, & ser capitão geral de oitocẽtos mil homens, & gouernador supremo sobre todos os outros dos quatorze reynos que então senhoreaua o Rey do Bramaa, mas esta he a condição dos beẽs mundanos, principalmente dos mal aquiridos, serem sempre meyo & caminho de desauenturas.
  2. [2935](Cap. 195) E despois que os soldados ficaraõ nesta parte bem satisfeitos, o nouo Rey deste misero reyno abalou daly do lugar daquella vitoria para a cidade Pégù que estaua daly pouco mais de tres legoas, & não querẽdo entrar nella aquelle mesmo dia por alguns respeitos que aquy se declararaõ, se alojou á vista della, em distancia de pouco mais de meya legoa, em hũ campo que se dezia Sunday patir, onde despois de alojado proueo na guarda das vinte & quatro portas, mandando pòr a cada hũa dellas hum capitão Bramas com quinhentos de cauallo, aquy se deteue cinco dias sem acabar de se resoluer em entrar na cidade, pelo receyo que tinha do saco que os estrãgeyros lhe requerião, & a que lhe elle estaua obrigado por hum concerto que no Tanguu fizera com elles, & como he custume ordinario da gente da guerra que viue por seu soldo não ter respeito a outra cousa mais que ao interesse que espera, vendo estas seis naçoẽs esta dilaçaõ del Rey em entrar na cidade, que ellas muyto mal sofrião, se vieraõ tres dellas a amotinar por conselho de hum Portuguez que andaua com elles, por nome Christouão Sarmento natural de Bargança, homem de espritos altiuos, & muyto bom capitão & esforçado de sua pessoa; o qual motim foy em tanto crecimento que ao Rey Bramas, por se não perder de todo, lhe foy forçado retirarse para hũ pagode de grandes officinas, õde se fez forte cos seus Bramaas ate o outro dia âs noue horas que o negocio por meyo de tregoas teue pequena de quietaçaõ, na qual el Rey lhes descubrio sua tenção, dizendo em altas vozes de cima do muro paraque todos o ouuissem.
  3. [3007](Cap. 199) O Oretanau Chaumigrem teu irmão principe do Sauady & do Tanguu te manda pedir por mim teu escrauo que antes que desta vida te partas lhe queiras perdoar o passado se por isso te deu algum desgosto, & que logo nesta hora mandes tomar posse de todo o reyno, porque elle to larga todo sem auer nelle falta algũa, & que protesta por mym seu vassallo na renunciação que te faz delle não ter encargo de cousa algũa, & as queixas que por isso lá deres delle no Ceo, não serem ouuidas diante de Deos, & que por pena do desgosto que delle tiueste aceita ficar no desterro desta vida por capitão & olheyro deste teu reyno Pégù, do qual te faz menagẽ, cõ juramẽto de fazer sempre na terra o que de lá do Ceo lhe mandares, cõ tanto que do rendimẽto delle lhe faças esmolla para sua sustentaçaõ, porque doutra maneyra bem sabe que o não pode licitamente possuyr, nẽ os menigrepos o cõsintirão, nem na hora da morte o absolueraõ de tamanho peccado.
  4. [3015](Cap. 200) A morte daquelle bom Rey de Sião, & o adulterio daquella mà Raynha sua molher, de que atrás dey larga cõta foraõ a raiz & o principio de tantas discordias, & de tãtas & taõ crueis guerras quãtas ouue nestes dous reinos de Pégù & de Sião, as quais duraraõ tres annos & meyo cõ tanto custo, assi de sangue como de fazẽda, como se tem visto no que ategora tenho cõtado, cujo fim foy ficar o Chaumigrẽ Rey do Bramá senhor absoluto do reyno de Pégù.
  5. [3121](Cap. 204) E sendo ja sobola tarde, como todos tinhão os olhos no que elle tinha dito, inda que cõ differẽtes animos, cõforme à fé que cada hũ tinha, hũa hora antes do sol posto pouco mais ou menos, se deu rebate de cima do outeyro de nossa Senhora que para a parte do Norte aparecião duas vellas latinas, com a qual noua foy tamanho o aluoroço no pouo, que era cousa de espanto, o capitão Simão de Mello mandou logo là hũ balão esquipado a saber o que era, o qual trouxe recado que eraõ duas fustas em que hião sessenta Portugueses, de hũa das quais era capitão Diogo Soarez o Galego, & da outra Baltezar Soarez seu filho, as quais ambas vinhaõ de Patane, com determinação de passarem de largo para Pégù, para onde leuauão sua derrota.
  6. [3135](Cap. 205) E como a armada não leuara mantimentos para mais que para hum só mês, & elles tinhão já gastados trinta & seis dias de sua viagẽ, & neste tẽpo ja não tinhão cousa nenhũa para comerẽ, lhes foy forçado iremno buscar a Iunçalão, ou a Tanauçarim, que eraõ portos muyto distãtes daquelle lugar para a costa do reyno Pégù, & cõ esta determinação se abalarão donde estauão, & começarão a fazer seu caminho, indo todos bem enfadados destes successos, mas prouue a nosso Senhor autor de todos os beẽs, que deu o tempo cõ elles na costa de Quedaa, & entrando no rio Parlès com fundamento de fazerem nelle agoada, & seguirem adiãte por sua derrota, viraõ de noite passar hum paraoo de pescadores ao lõgo da terra, & o capitão mòr o mandou buscar para saber delle onde era a agoada; trazido o paraoo a bordo, elle fez gasalhado aos que vinhaõ nelle, de que elles ficaraõ contentes, & preguntados hũ por hũ algũas particularidades necessarias, responderaõ todos que a terra estaua toda deserta, & o Rey era fugido para Patane, por causa de hũa grossa armada que auia més & meyo que aly estaua dassento com cinco mil Achẽs fazendo hũa fortaleza, & esperando as naos dos Portugueses que viessem de Bengala para Malaca, com fundamento, como elles dezião, de a nenhum Christão darem a vida, & tambem descubriraõ outras muytas cousas necessarias a nosso proposito, de que o capitaõ mòr ficou taõ contente, que se vestio de festa, & mandou embandeyrar toda a armada.

Pegu 168(1).

Nas orações: 2500.

  1. [2500](Cap. 168) E por esta maneyra disse tantas cousas em fauor dos pequenos, & deu tantos brados, & chorou tantas lagrimas por sua causa, que el Rey estaua como pasmado & fora de sy, & fez isto tanta impressão nelle, que logo aly mandou chamar o Brazagarão gonernador de Pegu, & lhe mandou que fosse logo despidir todos os procuradores dos pouos do reyno que mandara ajuntar na cidade de Cosmim para lhes pedir hũa grande soma de dinheyro para suprimento da guerra do reyno Sauady que nouamente queria fazer, & jurou publicamẽte na cinza do morto, que em quanto reynasse não lançaria peita a nenhum pouo, nem os obrigaria ao seruirem por força, como antes fazia, & que daly por diãte teria muyto particular cuydado de ouuir os pequenos, & fazer justiça dos grandes, conforme ao merecimento de cada hum, & assi prometeo mais outras muytas cousas muyto justas & boas, que para Gentio nos confundio grandemente.

Pegú 167(1).

Nas orações: 2469.

  1. [2469](Cap. 167) Do mais caminho que fizemos atê chegarmos a Pegú onde estaua o Rey do Bramaa, & da morte do Roolim de Mounay.

Pegû 151(1), 153(1), 167(1), 168(1), 170(1), 190(1), 198(1).

Nas orações: 2148, 2178, 2476, 2496, 2550, 2835, 2982.

  1. [2148](Cap. 151) Tras estas, cercada de doze porteyros cõ maças de prata, vinha a Nhay Canatoo filha do Rey de Pegû aque este tyranno Bramâ tinha tomado o reyno, & molher do Chaubainhaa cõ quatro criãças filhos seus, que homẽs a cauallo trazião nos braços, & todas as cento & quarẽta padecẽtes eraõ molheres & filhas dos principaes Capitaẽs que o Chaubainhaa tiuera comsigo na cidade, nas quais este tyranno Bramaa a modo de vingança quiz executar sua ira, & a mâ inclinação que sempre teue cõtra as molheres.
  2. [2178](Cap. 153) O perro do Gouernador Bainhaa Chaque, arreceando que pudesse ser isto assi, deixou de yr com sua teima adiante, & processando de nouo sobre a sentença que tinha dado, sahio que me absoluia da pena da morte, mas que perdesse a fazenda, & ficasse catiuo del Rey, & tãto que fuy saõ das chagas que me fizeraõ os açoutes & os pingos, me leuarão em ferros a Pegû, onde como catiuo fuy entregue a hum Bramaa tisoureyro del Rey por nome Diosoray, que em sua cõpanhia tinha oito Portugueses, que tambem por infortunios nacidos de peccados como os meus, já la estauão auia seis meses os quais foraõ de hũa nao de dom Anrique Deça de Cananor, que com tempo fora aly dar â costa.
  3. [2476](Cap. 167) Os nossos puseraõ logo cerco á fortaleza, & no primeyro assalto que lhe derão a entrarão com morte de algũs Bramaas, & de hum só Portuguez, mas muytos ficarão feridos de frechadas, de que em poucos dias foraõ saõs sem perigo nem aleijão de nenhum delles; & entrada a fortaleza, toda a gente della foy metida á espada sem se dar vida mais que ao ladraõ, & a cento & vinte homẽs de sua companhia, os quais trouxeraõ viuos ao Rey do Bramaa, o qual na cidade de Pegû mandou a todos lãçar aos elifantes, que em pouco espaço os esborracharaõ & fizeraõ em muytos pedaços.
  4. [2496](Cap. 168) De que maneyra foy eleito o nouo Roolim de Mounay, summo talagrepo desta gentilidade do reyno de Pegû.
  5. [2550](Cap. 170) Do que este Rey Bramaa fez despois que chegou â cidade de Pegû, & como mãdou sobre a cidade Sauady, & do que ahy nos aconteceo a os noue Portugueses.
  6. [2835](Cap. 190) Do que mais socedeo no reyno de Pegû atè a morte do Rey do Bramaa & despois della.
  7. [2982](Cap. 198) Tanto que ao outro dia foy menham clara, se deraõ por toda a cidade grandes pregoẽs para que todo o pouo se achasse presente â morte deste desauenturado Xemindoo, Rey que fora de Pegû, & a razão porque o Bramaa isto fez foy, porque vendoo elles morto acabassem de desesperar de todo de o poderem ainda em algum tempo ter por Rey, como todos geralmente desejauão, & se pronosticauão, porque como elle era natural, & o Bramaa estrangeyro, temião grandemente que pudesse este Bramaa por tempo vir a ser tal como fora o passado, que o Xemim de Çatão matara, o qual em quanto reynou foy inimicissimo desta nação Pégua, & vsou cõ ella hũa tão desacustumada crueldade, que nũca passou dia que não mãdasse matar & degolar de quinhentos para cima, & às vezes quatro & cinco mil, & isto por casos muyto leues, & que por justiça, se fora verdadeyra, não merecião pena nenhũa.

Pegua 188(1), 190(1).

Nas orações: 2808, 2841.

  1. [2808](Cap. 188) E temẽdo o Rey Bramaa que esta falta que agora tinha da sua gẽte fosse cada dia mais em crecimẽto, foy aconselhado pelos seus que não se detiuesse aly mais hum só dia, porque entendido estaua que quanto mais aly esperasse, tanto mais se lhe auia de deminuyr o poder que tinha, pois a mayor parte da sua gente, ou quasi toda era Pegua que lhe auia de ser muyto pouco fiel.
  2. [2841](Cap. 190) E assi no tempo que o Rey Bramaa foy sobre o reyno de Sião, & após cerco à cidade de Odiaa, como atras fica dito, pregando o Xemindoo então na varella do Comquiay de Pegù, que he como See de todas as outras, a hum grande concurso de gente, lhe tratou com muytas palauras da perdição daquelle reyno, da morte do seu Rey natural, & dos grandes insultos, crueis mortes, & outros muytos males que os Bramas tinhão feito naquella nação Pegua, com tanto desacatamento & offensa de Deos, que até as casas ricas, instituidas com as esmollas dos bons para templos de seu louuor, erão ja por elles todas assolladas, & postas por terra.

Pégua 194(1), 198(1).

Nas orações: 2925, 2982.

  1. [2925](Cap. 194) O nouo Rey de Péguu Xemindoo tendo nouas certas deste poder que vinha sobre elle, se fez prestes para lhe sayr ao encontro, com proposito de lhe dar batalha, & para isto ajuntou nesta cidade onde então estaua hum grosso campo de nouecentos mil homẽs, porem tudo gente Pégua, que de natureza he fraca, & para muyto menos que toda a outra de que tenho tratado.
  2. [2982](Cap. 198) Tanto que ao outro dia foy menham clara, se deraõ por toda a cidade grandes pregoẽs para que todo o pouo se achasse presente â morte deste desauenturado Xemindoo, Rey que fora de Pegû, & a razão porque o Bramaa isto fez foy, porque vendoo elles morto acabassem de desesperar de todo de o poderem ainda em algum tempo ter por Rey, como todos geralmente desejauão, & se pronosticauão, porque como elle era natural, & o Bramaa estrangeyro, temião grandemente que pudesse este Bramaa por tempo vir a ser tal como fora o passado, que o Xemim de Çatão matara, o qual em quanto reynou foy inimicissimo desta nação Pégua, & vsou cõ ella hũa tão desacustumada crueldade, que nũca passou dia que não mãdasse matar & degolar de quinhentos para cima, & às vezes quatro & cinco mil, & isto por casos muyto leues, & que por justiça, se fora verdadeyra, não merecião pena nenhũa.

Pegùs 149(1), 152(1), 155(1), 156(1), 188(1), 189(1), 190(2), 194(1).

Nas orações: 2111, 2165, 2205, 2226, 2807, 2829, 2852, 2931.

  1. [2111](Cap. 149) E querendo este Rey Bramaa por grandeza de estado festejar esta entrega do Chaubainhaa, mandou que todos os capitaẽs estrangeyros com sua gente armada & vestida de festa se pusessem em duas fileyras a modo de rua para vir por ella o Chaubainhaa, o que logo foy feito, & esta rua tomaua desda porta da cidade até a sua tenda que seria distancia de dous terços de legoa, na qual rua estauão trinta & seys mil estrangeyros, de quarenta & duas naçoẽs, em que auia Portugueses, Gregos, Venezeanos, Turcos, Ianiçaros, Iudeus, Armenios, Tartaros, Mogores, Abexins, Raizbutos, Nobins, Coraçones, Persas, Tuparaas, Gizares, Tanocos da Arabia Felix, Malauares, Iaos, Achẽs, Moẽs, Siames, Lusoẽs da ilha Borneo, Chacomaas, Arracoẽs, Predins, Papuaas, Selebres, Mindanaos, Pegùs, Bramâs, Chaloẽs, Iaquesaloẽs, Sauadis, Tãgus, Calaminhãs, Chaleus, Andamoens, Bengalas, Guzarates, Andraguirees, Menancabos, & outros muytos mais a que não soube os nomes.
  2. [2165](Cap. 152) Ao qual lastimoso & cruellissimo espectaculo se leuantou em todo o pouo hum tamanho tumulto de gritos & vozes que a terra tremia debaixo dos peis, & no campo se aleuantou hum motim com que elle esteue tão reuolto & baralhado, que a el Rey lhe foy necessario fazerse forte na sua estancia cõ seis mil Bramâs de cauallo & trinta mil de pé, & ainda assi estaua bem cheyo de medo do que sẽpre arreceou que ouuesse, como ouuera de ser se a noite o não estoruara, porque não auia cousa que bastasse aquietar a gente, porque dos setecentos mil homẽs que auia no arrayal, os seiscentos mil eraõ Pegùs, de cujo Rey aquella Raynha fora filha, mas traziaos este Bramaa tão sogigados & tão cortados do ferro, que não ousauão de leuantar os olhos.
  3. [2205](Cap. 155) Deste successo se deu Rey Bramaa por tão afrontado, pondo a culpa delle a algũs dos seus capitaẽs pela mà vigia que em sy tiueraõ, & pelo descuydo que se teue na guarda da serra, que logo naquelle mesmo dia mandou descabeçar mais de dous mil Pegùs que eraõ os que vigiauão aquelle quarto.
  4. [2226](Cap. 156) E com esta determinaçaõ se sayraõ hũa noite que acertou de ser muyto escura, & de grande çarraçaõ & de grande chuua, & dãdo nas primeyras duas estancias que estauão mais juntas cõ a porta do sertão por onde sayrão, as despejaraõ de toda a gente que estaua nellas, & seguindo com seu proposito adiãte como homẽs jâ de todo determinados, & cegos da desesperação, ou desejos de ganharẽ honra & fama onde deixauão as vidas, fizeraõ tanto que o tyranno lhe foy necessario lançarse a nado ao rio para se saluar, & o campo esteue quasi de todo desbaratado, & se diuidio em mais de cem partes, com morte de doze mil homens, em que entrarão mil & quinhẽtos Bramaas, & dous mil estrangeyros de diuersas naçoẽs, & os outros todos Pegùs.
  5. [2807](Cap. 188) E fazẽdo pòr o fogo a todas as tranqueyras & estancias do arrayal, se partio para a cidade de Martauão hũa terça feira cinco dias de Oitubro do anno de 1548. & caminhando apressadamente por suas jornadas, em dezassete dias chegou a ella, onde mais largamente foy informado pelo Chalagonim seu capitão, de tudo o que era passado no reyno, & do modo que o Xemindoo tiuera em se fazer Rey, & tomarlhe o tisouro cõ morte dos quinze mil Bramaas; & que nas cidades de Digum, Surião, Dalaa, atè Danapluu tinha alojados quinhentos mil homens, com tençaõ de lhe impidir cõ elles a entrada no reyno, com a qual noua o Rey Bramaa se achou muyto embaraçado, & perafusando comsigo no modo que teria para remediar esta desauentura que tinha por dauãte, se deixou estar aly em Martauão mais algũs dias esperando pelo restãte da sua gente que vinha atras, com proposito de tanto que chegasse yr buscar este inimigo, & aueriguarse com elle por batalha campal, & em sós doze dias que aquy se deteue lhe fugirão de quatrocentos mil homens que aquy tinha comsigo, os cento & vinte mil; porque como todos eraõ Pegùs, & todos desejauão de se verem liures da sojeição dos Bramaas, & o Xemindoo nouo Rey era Peguu como elles, & de condição muito grandioso & liberal em lhes fazer muitas merces, a fora as pagas ordinarias dos seus soldos, & alem disto era manso & afabel para os seus, & tão bem inclinado & largo para todos que nenhũa cousa lhe pedião que logo a não concedesse, cõ isto tinha ganhado tanto as võtades a todos, que nenhũ auia que se não passasse para elle.
  6. [2829](Cap. 189) Tem doze seitas gentilicas como os Pegùs.
  7. [2852](Cap. 190) Dantre aquelles Bramaas que o Xemim de Çatão tinha morto, escapou a caso hum, o qual inda que muyto ferido se lançou ao rio, & passando a nado á outra parte caminhou sem parar toda aquella noite & a outra seguinte com medo dos Pegùs, & ao terceyro dia chegou a hum campo que se dezia Coutasarem pouco mais de hũa legoa da cidade, no qual já achou o Chaumigrem colaço del Rey alojado com hum exercito de cento & oitẽta mil homẽs, dos quais sós os trinta mil eraõ Bramaas, & todos os mais eraõ Pegùs, & estaua ja de caminho para se partir como quebrasse a força da calma, que poderia ser daly a duas horas, & lhe deu conta da morte del Rey, & de tudo o mais que era passado.
  8. [2931](Cap. 194) Mas o Chaumigrẽ como mais pratico na guerra, entendendo o por onde então se podia ganhar, fingio que se lhe hia retirando, a modo de vencido, o que o Xemindoo não entẽdeo, mas como desejoso da vitoria esforçando os seus, foy seguindo a alcance por espaço de quasi meyo quarto de legoa, porẽ o Bramaa tornou então a voltar com toda sua gente, & deu nelle com grandissimo impeto, & com hũa grita tão espantosa que não sômente fez tremer os homẽs, mas tambem a terra, & todos os outros elementos, com que a peleja se tornou a renouar de tal maneyra que em muyto pequeno espaço o ar se vio ardendo em fogo, & a terra alagada em sangue, porque os capitaẽs & senhores Pegùs vẽdo seu Rey tão metido na força da batalha, & com mostras jâ de vencido, abalaraõ sem ordem nenhũa para o socorrerem, o que o Panousaray irmão do Bramaa tambem fez com quarenta mil homẽs, & dous mil elifantes, co qual encontro a sanguinolenta briga se acẽdeo de tal maneyra que não ha palauras cõ que na verdade se possa contar, & por isso não direy mais senão que sendo pouco mais de meya hora de sol, o campo dos nouecentos mil Pèguus foy de todo roto, com morte, segundo ahy se disse, de quatrocentos mil delles, & todos os mais, ou a mayor parte delles assaz feridos, & o Xemindoo por cõselho dos seus, desapareceo de entre elles.

Pégûs 194(1).

Nas orações: 2930.

  1. [2930](Cap. 194) Porem o Chaumigrem ganhou o lugar que pretendia, & nelle se deixou estar toda aquella noite com boa vigia, & com grandes luminarias de fogo; & tanto que ao outro dia foy menham clara, o Xemindoo Rey dos Pegûs apresentou batalha aos da parte contraria, os quais lha não refusarão, & trauandose hũs cos outros com a furia que o cruel odio traz comsigo, as duas diãteyras, em que vinha a principal gente de ambos os exercitos se trataraõ de maneira, que em pouco mais de meya hora o campo todo ficou assaz acompanhado de corpos mortos, com que os Pégûs começaraõ a mostrar fraqueza, vẽdo então o Xemindoo que os seus, por estarem muyto feridos, hião perdendo muyto do cãpo, os socorreo com hũ corpo de tres mil elifantes, com que deu nos setenta mil de cauallo tanto sem medo, que os Bramaas tornaraõ a perder tudo o que tinhaõ ganhado.

Pêguu 188(1), 194(1), 197(1).

Nas orações: 2801, 2920, 2970.

  1. [2801](Cap. 188) Como o Rey Bramaa aleuantou este cerco por nouas que lhe vierão de hum aleuantamento que ouuera no reyno de Pêguu, & do que sobre isso fez.
  2. [2920](Cap. 194) Do que fez o Xemindoo despois de ter coroado por Rey de Pêguu, & como o Chaumigrẽ colaço do Rey do Bramaa veyo sobre elle com hũ grande exercito, & do successo que teue.
  3. [2970](Cap. 197) Despois de auer vinte & seis dias que este Rey Bramaa estaua nesta cidade Pêguu pacificamente, entendeo logo primeyro que tudo em se apoderar das principaes forças do reyno, que ainda a este tempo estauão pelo Xemindoo sem saberem da sua rota.

Pèguu 196(1).

Nas orações: 2955.

  1. [2955](Cap. 196) Da sentença que derão os seis juizes neste caso, & da entrada que fez o Chaumigrem na cidade de Pèguu.

Péguu 193(3), 194(3), 196(1), 197(1).

Nas orações: 2913, 2915, 2919, 2921, 2922, 2925, 2966, 2975.

  1. [2913](Cap. 193) E chegando â vista da cidade Péguu, onde elle então residia com toda sua corte, a cercou toda em roda de trunqueiras & vallos muito fortes, & lhe deu algũs assaltos, mas não a pode entrar tão facilmẽte como lhe pareceo, pela grãde resistẽcia que achou nos de dentro.
  2. [2915](Cap. 193) Começãdo a correr o tẽpo das tregoas, ficou tudo quieto de hũa parte & da outra, & os de dentro cos de fora se começaraõ a cõmunicar misticamẽte, & nestes dias desta quietação quãdo vinha duas horas ante menhã se tocauão da parte do Xemindoo muitos estromẽtos suaues ao seu modo, ao sõ dos quais toda a gẽte da cidade acodia acima aos muros a ver o que aquillo era, os de fora então fazẽdo calar os instrumẽtos se daua hũ pregão cõ hũa voz muyto triste & sentida por hũ sacerdote tido na opinião de todos por homẽ santo, o qual dezia: O gẽtes, gẽtes, a que natureza deu orelhas para ouuir, ouuy a voz deste capitão santo Xemindoo, espelho claro por quẽ Deos vos mãda restituyr na liberdade primeyra de vosso descanço, o qual a todos assi como estais vos amoesta & manda da parte do Quiay Niuandel deos das batalhas do cãpo Vitau, que ninguẽ leuãte mão cõtra elle, nẽ contra este santo ajuntamento zelador do pouo Péguu, & irmão no sangue do mais pequeno de todos os pobres, so pena que o que for cõtra este exercito dos seruos de deos, ou for em consentimẽto de se lhe fazer algũ mal, serâ por isso maldito, & feyo, & negro como os filhos da noite que na baba irosa da sua peçonha dão bramidos de raiua cruel, tragados nas ardentes gengiuas do dragão da discordia, a quem o verdadeyro senhor de todos os deoses amaldiçoou perpetuamẽte.
  3. [2919](Cap. 193) E determinado neste parecer, se fez logo prestes para o pòr por obra, & dahy a dous dias hũa antemenham sahio por cinco portas com oitenta mil homẽs que inda então tinha cõsigo, & arremetendo aos inimigos com grande furia, & grandes estrondos de vozes & gritas, elles, que não estauão descuydados os vieraõ receber cõ muyto esforço, & entre todos se trauou hũa briga taõ cruel, & pelejada com tanta vontade, que em espaço de pouco mais de hora & meya que a mayor força della durou, morrerão de ambas as partes passante de quarenta mil homẽs, no fim do qual tẽpo o Xemim de Çatão nouo Rey foy derrubado do elifante em que andaua de hũa arcabuzada que lhe deu hum Portuguez por nome Gonçalo Neto natural de Setuuel, pela qual causa toda a mais gente se acabou de render, & a cidade se entregou a partido de lhe ficarem a todos saluas as vidas & as fazendas; & o Xemindoo entrou logo dentro nella, & no mesmo dia se coroou por Rey de Péguu na varella grande, hum sabado vinte & tres dias de Feuereyro do anno de 1551. E ao Gonçalo Neto pelo que fizera mandou dar vinte biças douro que saõ dez mil cruzados, & aos mais Portugueses, que eraõ oitenta, deu cinco mil cruzados, & lhes fez muytas honras, & deu muytas liberdades na terra, & lhes quitou por tres annos todos os direytos de suas fazendas, que despois se lhes guardou muyto inteiramente.
  4. [2921](Cap. 194) Vendose o Xemindoo coroado Rey em Péguu, & senhor pacifico de todo o reyno, ẽtrou em differẽtes pensamẽtos do que tiuera o Xemim de Çatão quãdo se vio no mesmo estado, porque este Xemindoo a cousa em que primeyra & principalmente entẽdeo foy em trabalhar todo o possiuel por cõseruar a Republica em paz & justiça cõ hũa tamanha quietaçaõ & inteireza, que nenhũ grande ousaua a leuãtar os olhos para nenhũ pequeno por muyto pequeno que fosse; & em tudo o mais que tocaua ao gouerno do reyno guardaua hũa tamanha virtude & verdade, que os estrangeyros que então aly se acharaõ, se espãntauão muyto, porque considerando bem a paz, quietaçaõ, & conformidade de todo pouo, era para causar espanto.
  5. [2922](Cap. 194) Correndo assi este reyno neste ditoso estado por espaço de tres annos & meyo, sendo informado o Chaumigrem colaço do Rey Bramaa que o Xemim de Çatão matou, como atras fica dito, que pelos aleuantamentos & guerras que despois da sua vinda ouuera em Péguu, era morta a principal gente do reyno, & que o Xemindoo que nelle então reynaua, estaua muyto falto de todos as cousas necessarias para a defensaõ delle, determinou tentar de nouo a mesma empresa em que antes, pelo successo da morte do seu Rey se tinha perdido.
  6. [2925](Cap. 194) O nouo Rey de Péguu Xemindoo tendo nouas certas deste poder que vinha sobre elle, se fez prestes para lhe sayr ao encontro, com proposito de lhe dar batalha, & para isto ajuntou nesta cidade onde então estaua hum grosso campo de nouecentos mil homẽs, porem tudo gente Pégua, que de natureza he fraca, & para muyto menos que toda a outra de que tenho tratado.
  7. [2966](Cap. 196) Bemdito & louuado seja aquelle Senhor que com verdsde se deue conhecer de todos por senhor, de cujas obras santas feitas por suas diuinas mãos nos estão dando testemunho a claridade do dia, & a pintura da noite, com todas as mais magnificencias da sua misericordia obradas em nós; o qual pelos effeitos da sua potencia infinita agradaueis a elle, foy seruido de te constituyr na terra sobre todos os Reys que a gouernão, & pois temos para nos seres tu este seu mimoso, te pedimos senhor que nossas culpas & erros passados te não lembrem mais de oje por diante, porque este teu triste pouo fique consolado com esta promessa que por tua real condição agora lhe fizeres; & tambem os cinco mil grepos prostrados todos por terra, & com as mãos aleuantadas lhe pediraõ isto mesmo, com hum espantoso tumulto de vozes, dizendo, concede senhor & Rey nosso paz & perdão a todos os pouos deste teu reyno Péguu, porque os não perturbe o medo de suas culpas que diãte de ty cõfessaõ publicamente: & el Rey lhes respondeo que lhe prazia, & assi lho juraua pela cabeça do santo Quiay Niuandel deos das batalhas do campo Vitau.
  8. [2975](Cap. 197) Acabadas assi estas cousas tanto em fauor do Bramaa, mandou elle logo com muyta presteza por todas as partes muyta gente de cauallo em busca do Xemindoo, que, como se disse, escapara ferido da batalha passada; o qual foy tão mofino que foy conhecido num lugar que se chamaua Fancleu hũa legoa da cidade Potem, que diuide a raya do reyno Arracão, & foy trazido com grande aluoroço por hum homem baixo a este Rey Bramaa, que por isso o fez senhor de trinta mil cruzados de renda; & mandandoo vir logo perante sy assi preso como tinha co colar de ferro ao pesçoco, & com as algemas nas mãos, lhe disse a modo de desprezo, venhas embora Rey de Péguu, bem podes beijar esse chão, porque te affirmo que jâ nelle pus os peis, & por aquy verás quanto teu amigo sou pois te dou esta honra que tu nunca imaginaste, a que o Xemindoo não respondeo palaura nenhũa, & tornando el Rey a motejar do triste Xemindoo que estaua diante delle debruçado no chaõ, lhe disse, que he isso?

Peguu 128(1), 147(1), 148(1), 152(1), 153(3), 158(1), 163(2), 165(1), 188(4), 191(2).

Nas orações: 1739, 2064, 2086, 2166, 2168, 2170, 2182, 2243, 2376, 2379, 2410, 2807, 2809, 2811, 2867, 2869.

  1. [1739](Cap. 128) Outro, que se chama Iangumaa, cortando ao Sul & ao Sueste, & atrauessando muyto grande parte da terra, como he o reyno do Chiammay, os Laos, os Gueos, & algũa parte do Dãbambuu, entra no mar pela barra de Martauão no reyno de Peguu, & ha de distancia de hum ao outro pela graduaçaõ dos seus climas, mais de setecentas legoas.
  2. [2064](Cap. 147) Elles me contaraõ que vindo da India nũa nao de Iorge Manhoz casado em Goa para o porto de Ghatigaõ no reyno de Bẽgala se perderaõ nos baixos de Racão por mà vigia que tiueraõ, & saluãdose no batel dezassete pessoas somente de oitenta & tres que vinhão na nao, caminharaõ ao longo da costa cinco dias, com tenção de se irem meter no rio de Cosmim no reyno de Peguu, para dahy se embarcarem para a India na nao do lacre del Rey, ou doutro qualquer mercador que no porto achassem, & vindo com esta determinação lhes dera hum vento Leste de sobola terra tão impetuoso, que nũa noite & num dia a perderaõ de vista.
  3. [2086](Cap. 148) E dando sobre isto de nouo juramento ao Paulo de Seixas, lhe disse que dissesse o que disto entendia, & se era verdade que o tisouro do Chaubainhaa era tamanho como tinha a fama, a que elle respondeo, que pelo juramento que tomaua elle não sabia de certa certeza quamanho o tisouro era, mas que elle vira cinco vezes por seus olhos hũa grande casa do tamanho de hũa igreija meam cheya de paẽs, & de barras douro até o telhado, em que lhe parecia que poderia auer carrega de duas naos grandes, & vira mais vinte & seis caixoẽs fechados & liados, cõ cordas em que o Chaubainhaa lhe dissera que estaua o tisouro que fora do Bresagucão passado Rey de Peguu, & que da quantidade do ouro lhe disse que eraõ cento & trinta mil biças, de quinhentos cruzados cada biça, que ao todo vinhaõ a ser sessenta & cinco contos douro, & que dos paẽs de prata que tambem vira na bralla do Quiay Adocaa Deos dos trouoẽs não sabia a quantidade certa, mas que com seus olhos vira tamanha copia della, que quatro boas naos a não esgotariaõ.
  4. [2166](Cap. 152) E desta maneyra, com taõ baixo & afrontoso genero de morte acabou esta Muhee Canatoo, filha del Rey de Peguu Emperador de noue reynos, & molher do Chaubainhaa Rey de Martauão, princesa de tres contos douro de renda.
  5. [2168](Cap. 153) Da desauentura que me aconteceo em Martauão, & do que o Rey Bramaa fez despois que chegou a Peguu.
  6. [2170](Cap. 153) E no fim deste tempo se partio para Peguu, & deixou aly o Bainhaa Chaque seu mordomo mòr para assentar algũas cousas necessarias á quietação do reyno, & tornar a fazer de nouo o que o fogo consumira, para o qual lhe deixou guarnição bastante, & leuou comsigo tudo o que restaua do exercito, em que leuou tãbem ò Ioaõ cayeyro cos setecentos Portugueses, sem ficarem aly delles mais que so os tres ou quatro, homẽs de pouca sustancia.
  7. [2182](Cap. 153) E determinando de yr sobre a cidade do Prom, fez deter o exercito que tinha junto, & fez de nouo grandes apercebimentos por todo o reyno, & em cinco meses ajuntou atê nouecentos mil homẽs, com os quais partio da cidade de Bagou, a que o vulgar chama Peguu, embarcados em doze mil embarcaçoens de remo, das quais as duas mil eraõ seroos, laulees, catures, & fustas.
  8. [2243](Cap. 158) Ha tambem nesta cidade muyta soma de almizcre muyto milhor que o da China, que tambem se leua para Martauão & Peguu, onde os nossos o compraõ para de vaniaga o leuarem a Narsinga, Orixaa, & Masulepatão.
  9. [2376](Cap. 163) Saydos deste jardim em que o Monuagaruu quiz que o Embaixador se detiuesse algum tanto para ter em Peguu que cõtar ao seu Rey, entramos nũa antesala muyto grãde, que se dezia Cutamuilau, na qual estauão assentados muytos capitaẽs & senhores, & algũs principes de muyta renda & de grandes estados, que com certas cerimonias de cortesias receberaõ este Embaixador, mas não que nenhum delles se tirasse do lugar em que estaua.
  10. [2379](Cap. 163) Esta casa, assi na marauilhosa fabrica della, como na grande ordem & concerto de tudo o que nella auia, affirmo em verdade que representaua hũa tão rica, tão hõrosa, & tão extraordinaria magestade, que a todos nos encheo de espãto, de tal maneyra que ao proprio Embaixador, tratando algũas vezes disto, ouuimos dizer, se me Deos leua a Peguu, eu não direy nada disto a el Rey, assi pelo não entristecer, como por me não ter em conta de homem que finjo cousas a que se não pode dar credito.
  11. [2410](Cap. 165) Em que se dà larga informação deste imperio do Calaminhan, & algũa do reyno de Peguu, & dos Bramaas.
  12. [2807](Cap. 188) E fazẽdo pòr o fogo a todas as tranqueyras & estancias do arrayal, se partio para a cidade de Martauão hũa terça feira cinco dias de Oitubro do anno de 1548. & caminhando apressadamente por suas jornadas, em dezassete dias chegou a ella, onde mais largamente foy informado pelo Chalagonim seu capitão, de tudo o que era passado no reyno, & do modo que o Xemindoo tiuera em se fazer Rey, & tomarlhe o tisouro cõ morte dos quinze mil Bramaas; & que nas cidades de Digum, Surião, Dalaa, atè Danapluu tinha alojados quinhentos mil homens, com tençaõ de lhe impidir cõ elles a entrada no reyno, com a qual noua o Rey Bramaa se achou muyto embaraçado, & perafusando comsigo no modo que teria para remediar esta desauentura que tinha por dauãte, se deixou estar aly em Martauão mais algũs dias esperando pelo restãte da sua gente que vinha atras, com proposito de tanto que chegasse yr buscar este inimigo, & aueriguarse com elle por batalha campal, & em sós doze dias que aquy se deteue lhe fugirão de quatrocentos mil homens que aquy tinha comsigo, os cento & vinte mil; porque como todos eraõ Pegùs, & todos desejauão de se verem liures da sojeição dos Bramaas, & o Xemindoo nouo Rey era Peguu como elles, & de condição muito grandioso & liberal em lhes fazer muitas merces, a fora as pagas ordinarias dos seus soldos, & alem disto era manso & afabel para os seus, & tão bem inclinado & largo para todos que nenhũa cousa lhe pedião que logo a não concedesse, cõ isto tinha ganhado tanto as võtades a todos, que nenhũ auia que se não passasse para elle.
  13. [2809](Cap. 188) A el Rey lhe pareceo bẽ este conselho, & se partio logo para Peguu, onde teue por nouas que o Xemindoo o estaua esperando, o qual sẽdo auisado da vinda del Rey, tambem se fez prestes para o esperar, & chegados á vista hum do outro assentaraõ ambos seus arrayaes num campo muito grande que se dezia Machão duas legoas da cidade Peguu, o Xemindoo com seiscẽtos mil homẽs, & o Bramaa cõ trezentos & cinquẽta mil.
  14. [2811](Cap. 188) Porem deixemolo agora yr que a seu tempo tornaremos a elle, & tornemonos ao Bramaa, que estaua assaz contẽte cõ a vitoria que alcançara; o qual logo ao outro dia pela menham se veyo marchando para a cidade de Peguu que estaua daly duas legoas como atras disse, a qual se lhe entregou com lhe ficarem saluas as vidas & as fazendas dos moradores, onde logo proueo em curar a gente ferida.
  15. [2867](Cap. 191) E deixando agora de tratar do mais que aquy nesta terra fez em quatro meses que nella esteue, de que se tratara a seu tempo, me passarey a hũ estranho caso que nestes breues dias aconteceo nesta cidade, paraque se saiba em que parou a prosperidade do grãde Diogo Soarez, gouernador que foy deste reyno Peguu, & o galardão que o mundo em fim custuma de dar a todos os que o seruem, & que se fião delle por mais boas venturas que lhe mostre no começo.
  16. [2869](Cap. 191) Auia nesta cidade de Peguu hum mercador chamado Mambogoaa, homem rico & de nome na terra, o qual em tempo do Rey Bramaa passado, quando Diogo Soarez estaua na mayor força do seu mando & valia, com titulo de irmão del Rey, & supremo em todo o gouerno sobre todos os principes & senhores do reyno, veyo a tratar de casar hũa filha que tinha com hum mancebo filho de outro mercador honrado, & tambem muito rico, que se chamaua Manicamandarim.

Pèguus 194(1), 195(1), 197(1).

Nas orações: 2931, 2945, 2979.

  1. [2931](Cap. 194) Mas o Chaumigrẽ como mais pratico na guerra, entendendo o por onde então se podia ganhar, fingio que se lhe hia retirando, a modo de vencido, o que o Xemindoo não entẽdeo, mas como desejoso da vitoria esforçando os seus, foy seguindo a alcance por espaço de quasi meyo quarto de legoa, porẽ o Bramaa tornou então a voltar com toda sua gente, & deu nelle com grandissimo impeto, & com hũa grita tão espantosa que não sômente fez tremer os homẽs, mas tambem a terra, & todos os outros elementos, com que a peleja se tornou a renouar de tal maneyra que em muyto pequeno espaço o ar se vio ardendo em fogo, & a terra alagada em sangue, porque os capitaẽs & senhores Pegùs vẽdo seu Rey tão metido na força da batalha, & com mostras jâ de vencido, abalaraõ sem ordem nenhũa para o socorrerem, o que o Panousaray irmão do Bramaa tambem fez com quarenta mil homẽs, & dous mil elifantes, co qual encontro a sanguinolenta briga se acẽdeo de tal maneyra que não ha palauras cõ que na verdade se possa contar, & por isso não direy mais senão que sendo pouco mais de meya hora de sol, o campo dos nouecentos mil Pèguus foy de todo roto, com morte, segundo ahy se disse, de quatrocentos mil delles, & todos os mais, ou a mayor parte delles assaz feridos, & o Xemindoo por cõselho dos seus, desapareceo de entre elles.
  2. [2945](Cap. 195) E para isto, aquella mesma noite á meya noite mandou el Rey hum Bramaa de uallo ao bairro onde pousauão os Portugueses, os quais estauão com tanto receyo do saco, & da morte de todos como os mesmos Pèguus.
  3. [2979](Cap. 197) E apos isto caindo em terra de bruços pedio por duas vezes hũa pouca dagoa, a qual o Rey Bramaa, para o magoar mais, mandou que lhe desse hũa sua filha do mesmo Xemindoo que tinha catiua, a que dezião que o pay queria grandissimo bem, & a tinha já neste tempo do seu desbarato esposada co principe de Nautir filho do Rey do Auaa, esta moça em vendo seu pay da maneyra que estaua debruçado no chão, dizem que se lhe lançou aos peis, & abraçandose com elle despois de o beijar tres vezes na face lhe disse banhada em lagrimas: ò pay & senhor & Rey meu, peçouos pelo muito que sempre vos quiz, & me quisestes que me leueis assi como estou em braços com vosco, paraque neste amargoso transito tenhais quẽ vos console com hũ pucaro de agoa, ja que o mundo por peccados meus vos negou o respeito que se vos deuia, a que o pay cometendo algũas vezes a responder dizem que nunca pode, porque o grande amor que lhe tinha lhe impidia a falla, & caindo outra vez de bruços no chão, onde então ja estaua assentado, esteue esmorecido por hum grãde espaço, pelo que mouidos a cõpaixão delle algũs daquelles senhores que estauão presentes, se lhes arrasaraõ os olhos dagoa, o que vendo o Rey Bramaa, & que estes senhores erão Pèguus, que antes foraõ vassallos deste Xemindoo, desconfiãdo de suas lealdades, lhes mandou logo aly cortar as cabeças, dizendo com sembrante irado, ja que tanto vos doeis desse vosso Rey Xemindoo, ide diãte a lhe fazer as pousadas prestes, & lâ vos pagara esse amor que lhe tendes, & crecendolhe com isto mais a colera, mandou tambem logo aly matar a moça encima de seu pay, porque a vio abraçada cõ elle; crueldade certo mais que brutal, & mais que ferina que quer ainda impedir os affeitos da natureza.

(2) Objecto geográfico interpretado

Reino. Parte de: Indico Oriental.

Referente contemporâneo: Bago, Myanmar [Burma] (AS). Lat. 17.335210, long. 96.481350.

Reino, cidade. DHDP 17º 20’’ N 96º 29′ E.

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