O lugar no contexto

(1) Entidade geográfica mencionada

Nanquim. Nanquim 71(4), 73(1), 74(2), 79(3), 81(2), 82(2), 84(3), 85(3), 87(1), 88(3), 90(1), 91(1), 94(2), 97(1), 100(3), 103(1), 111(1), 117(1), 143(1), 222(1).

Nas orações: 852, 853, 860, 897, 898, 899, 954, 955, 971, 972, 985, 990, 1012, 1014, 1015, 1017, 1022, 1037, 1041, 1044, 1047, 1098, 1110, 1161, 1165, 1213, 1280, 1281, 1288, 1334, 1489, 1573, 1989, 3513.

  1. [852](Cap. 71) Sendo ja o tempo chegado, & Antonio de Faria prestes de tudo o que era necessario para esta noua viagem que tinha determinado de fazer, hũa segunda feira quatorze de Mayo do anno de 1542. se partio daquy para a ilha de Calempluy, embarcado em duas panouras, que saõ como Galeotas, inda que hum pouco mais alterosas, porque em juncos de alto bordo foy aconselhado que não fosse, assi por não ser sentido, como por respeito das grandes correntes, & peso das agoas que decem da enseada do Nanquim, que nauios grossos, naquelle tempo em que elle hia não podião romper, nem com todas as vellas dadas, por causa das inuernadas da Tartaria, & de Nixihumflaõ que naquelles meses de Mayo, Iunho, & Iulho correm para aquella parte com grandissimo impeto.
  2. [853](Cap. 71) Nestas duas embarcaçoẽs hião cinquenta & seis Portugueses, & hum padre Sacerdote de Missa, & hião mais quarenta & oito marinheyros para o remo, & para a mareação das vellas, naturaes de Patane, a que se fez bom partido, por ser esquipação fiel & segura, & a fora estes hião quarenta & dous escrauos nossos, assi que por todos eraõ cento & quarenta & seis pessoas, & não forão mais porque o cossairo Similau, que era o nosso Piloto, não quiz que fossem, nem taõ pouco quiz mais embarcaçoẽs, por arrecear poder ser sentido, porque como auia de atrauessar a enseada do Nanquim, & entrar por rios frequentados de muyta gente, temia muyto acontecerlhe algum desastre dos muytos a que hiamos offerecidos.
  3. [860](Cap. 71) Antonio de Faria lhe agradeceo isto muyto, & o abraçou por isso muytas vezes & praticando com elle porque caminho faria esta viagem, ja que por aly lhe não parecia bem por causa do muyto perigo em que se vião, disse que ao Norte cento & setenta legoas auante estaua hum rio de pouco mais de meya legoa em largo que se chamaua Sumhepadaõ, pelo qual não auia cousa que lhe pudecesse empecer, por não ser pouoado como aquella enseada do Nanquim em que então estauão, mas que se auia de pòr mais hum més no caminho, por causa do grande rodeyo que por aquelle rio se fazia; & parecendo entaõ milhor a Antonio de Faria auẽturarse antes a mais demora de tempo que ao risco das vidas, concedeo no que o Similau lhe dezia, & se tornou a sayr da enseada do Nanquim por onde tinha entrado, & costeou a terra mais cinco dias, no fim dos quais prouue a nosso Senhor que vimos hũa serra muyto alta com hum morro redondo para a parte do Leste, a qual o Similau disse que se chamaua Fanjus, & chegandonos bem a ella entramos em hũa muyto fermosa angra de quarenta braças de fundo que a maneyra de meya lũa ficaua abrigada de todos os ventos, na qual podião muyto bẽ estar surtas duas mil naos, por muyto grãdes que fossem.
  4. [897](Cap. 73) No cabo destes dias quiz nosso Senhor que chegamos â enseada do Nanquim, que o Similau nos tinha dito, & com esperança que daly a cinco ou seis dias veriamos o effeito do nosso desejo.
  5. [898](Cap. 74) Dos trabalhos que passamos nesta enseada do Nanquim, & do que aquy nos fez o Similau.
  6. [899](Cap. 74) Chegados nòs a esta enseada do Nanquim, Antonio de Faria foy aconselhado pelo Similau que por nenhũ caso consintisse mostrarense os Portugueses a gente nenhũa, porque arreceaua que vendoos ouuesse aluoroço nos Chins, visto como por aquelle lugar nunca atè então se vira gente estrangeyra, porque só elles bastauão para darem razão do que lhes preguntassem, & que seu parecer era tambem que nauegassem antes pelo meyo da enseada que ao longo da terra, por respeito da muyta frequencia de lorchas & lanteaas que continuamente passauão de hũa parte para a outra, o que assi pareceo a todos, & assi se fez.
  7. [954](Cap. 79) Como nos perdemos na enseada do Nanquim, & do que passamos despois disso.
  8. [955](Cap. 79) Sete dias auia ja que faziamos nossa viagem pelo meyo da enseada do Nanquim, para cõ a força da corrente caminharmos mais depressa, como quẽ só nella tinha sua saluaçaõ, porem todos tão tristes & descontentes, que como homẽs fora de sy nenhum de nos fallaua a proposito, quando chegamos a hũa aldea que se chamaua Susoquerim, & como ainda aly não auia nouas de nós, nem donde vinhamos, surgimos no porto della, & despois de nos prouermos de algũ mãtimento, & nos informarmos dissimuladamente do caminho que auiamos de leuar, nos partimos daly a duas horas, & o mais depressa que pudemos entramos em hum esteyro menos seguido de gente que a enseada por onde tinhamos vindo, que se chamaua Xalingau, pelo qual corremos mais noue dias, nos quais caminhamos cento & quarenta legoas, & tornando a entrar na mesma enseada do Nanquim, que ja aquy era de mais de dez ou doze legoas de largo, velejamos por nossa derrota cõ ventos Oestes de hum bordo no outro mais treze dias, & bem enfadados do muyto trabalho & medo que passauamos, & ja com pouco mantimento, & sendo à vista das minas de Conxinacau, que estaõ em quarenta & hum graos, & dous terços, nos deu hũ tẽpo do Sul, aque os Chins chamão tufaõ, taõ forte de vento, & çarraçaõ & chuueyros, que não parecia cousa natural; & como as nossas embarcaçoẽs eraõ de remo, & não muyto grãdes, & baixas, & fracas, & sem marinheyros, nos vimos em tanto aperto, que quasi desconfiados de nos podermos saluar, nos deixamos yr assi rolando à costa, auendo por menos mal morrermos entre os penedos, que afogados no mar; & seguindo nòs com este proposito nosso caminho, sem podermos effeituar este miserauel intento, que então escolhiamos por menos mao, & menos trabalhoso, nos saltou o vẽto ao Nornoroeste ja sobola tarde com que os mares ficaraõ taõ cruzados, & tão altos na vaga do escarceo, que era cousa medonha de ver.
  9. [971](Cap. 81) E como ao outro dia foy menham nos preguntarão que gẽte eramos, ou como vinhamos daquella maneyra, a que respondemos que eramos estrangeyros naturais do reyno de Sião, & que vindo do porto de Liampoo para a pescaria do Nanquim, nos perderamos com hũa grande tormenta auia quinze dias, sem saluarmos mais que aquellas miseraueis carnes assi chagadas & nuas como as vião.
  10. [972](Cap. 81) Elles nos tornarão a preguntar que determinaçaõ era a nossa, ou para onde queriamos yr, a que respondemos que para a cidade de Nanquim, para dahy por remeyros das lanteaas, nos irmos para Cantão, ou para Comhay, onde os nossos naturais, com licença do Aytao do Paquim fazião suas fazendas debaixo do seguro & verdade do filho do sol, lião coroado no trono do mundo, pelo que lhes pediamos pelo amor de Deos, que nos deixassem estar aly naquella casa atè conualecermos, & termos forças para podermos caminhar, & nos dessem algũa maneyra de vestido para nos cubrirmos, elles todos quatro nos responderaõ, razão he que se dé a essas vossas nuas carnes o que com tantas lagrimas nos pedis, mas a casa ao presente está tão pobre, que isso nos farà não cumprirmos de todo com a nossa obrigação, mas o que podermos tudo faremos de muyto boa vontade; então nos leuaraõ, assi nùs como estauamos, por todo o lugar que podia ser de quarenta ate cinquenta vezinhos, pouco mais ou menos, & segundo o que viamos nelle, de gẽte muyto pobre que viuia por seu trabalho, & nos tiraraõ de esmola dous taeis em dinheyro, & hum meyo saco de arroz, & hũa pouca de farinha, & feijoẽs, & cebollas, & assi mais algum vestido velho, com que pobremente nos remedeamos, & da mesa da albergaria nos derão outros dous taeis de prata, & de ficarmos aly se escusarão, dizendo que não era costume estarem aly os pobres mais que tres dias até cinco, tirãdo se fossem homẽs doentes, ou molheres prenhes, aque sempre se tinha muyto respeito por não poderem caminhar sem perigo, pelo qual elles por nenhum caso podião quebrar este regimento que antigamente fora feito por pareceres de homẽs doutos & religiosos, mas que daly a tres legoas nũa villa grande que se chamaua Sileyjacau, auia hum esprital muyto rico em que recolhião toda a maneyra de pobres, no qual podiamos ser curados muyto milhor que naquelle que era pequeno & pobre conforme ao lugar onde estaua, & que para isso nos darião hũa carta de encomenda assinada pelos da irmandade, pela qual nos recolherião logo.
  11. [985](Cap. 82) a que respõdemos que eramos pobres estrangeyros, naturais do reyno de Sião, & que nos perderamos no mar cõ hũa grande tormenta, da qual nos Deos saluara daquella maneyra que nos vião, a que ella tornou, pois, que quereis que vos façamos, ou que determinais de fazer, porque aquy não ha casa de repouso de pobres onde vos possamos agasalhar, a que hum dos nossos, cõ lagrimas & meneos exteriores conformes a nosso proposito, respondeo, que Deos, por quem era, nos não desempararia da sua mão poderosa, cõ lhes mouer os coraçoẽs a se apiadarem de nós & de nossa pobreza, & que nossa determinação era caminharmos por aquella pobre via até a cidade do Nanquim, para dahy por remeyros das lanteaas dos mercadores que hião para Cantão nos yrmos ao porto de Comhay onde auia muytos juncos da nossa terra em quo nos embarcariamos.
  12. [990](Cap. 82) Daquy nos partimos para outro lugar que se chamaua Xianguulee, duas legoas adiante, com tençaõ de assi peregrinando nos yrmos para a cidade do Nanquim, que distaua inda daly cento & quarenta legoas, parecẽdonos que de là nos poderiamos yr para Cantaõ, onde as nossas naos naquelle tempo fazião seu comercio, se a fortuna nolo não contrariasse.
  13. [1012](Cap. 84) Ao outro dia sendo ja menham clara, nos despidimos do nosso hospede, & nos partimos daly, & fomos ter a hũ lugar que se chamaua Finginilau, que estaua daly quatro legoas adiante, no qual nos detiuemos tres dias, & continuando por nossas jornadas de lugar em lugar, & de aldea em aldea, afastandonos sempre das cidades & villas notaueis, arreceando que a justiça entendesse em nós, andamos assi peregrinãdo quasi dous meses sem ninguem nos yr â mão em cousa nenhũa, no qual tẽpo puderamos muyto bẽ chegar á cidade do Nanquim se tiueramos guia que nos encaminhara, mas como não sabiamos o caminho, errandoo muytas vezes, gastamos debalde toda esta distancia de tempo com muytos trabalhos, & grandes perigos, no fim do qual chegamos a hum lugar pequeno que se dezia Chautir, onde então se celebrauão hũas grandes exequias com põpas funebres ao seu modo muyto custosas, pela alma de hũa molher muyto rica, que desherdara todos os seus parentes, & deixara por herdeyra a casa do pagode do mesmo lugar onde estaua enterrada; nas quais exequias fomos conuidados por sermos pobres, comermos sobre a sua coua, como lá costumão: & passados os tres dias que aquy estiuemos, que foy em quanto durarão estas exequias, nos deraõ de esmolla seis taeis, & nos pediraõ muyto que sempre em nossas oraçoẽs rogassemos a Deos pela alma da defunta.
  14. [1014](Cap. 84) a que nos respondemos que eramos estrangeyros naturais do reyno de Sião, que por nos perdermos no mar com hũa tormẽta, andauamos peregrinando, & pedindo de porta em porta para com as esmollas dos bõs sustentarmos nossas vidas até chegarmos à cidade do Nanquim para onde hiamos, com tenção de là nos embarcarmos nas lanteaas dos mercadores para Cantão onde estauão os nossos nauios; cõ a qual reposta elle nos mandaua soltar, se hum dos escriuaẽs lhe não fora á mão, dizendo que o não fizesse, porque eramos vadios & vagabundos, que gastauamos a vida em calacear de porta em porta comendo indeuidamente as esmollas que nos dauão, pelo que conforme â ley que sobre isso era feyta no liuro setimo dos doze das ordenaçoẽs do reyno que neste caso fallaua, nos não podia mandar soltar por nenhum caso, so pena de na residencia ser por isso grauemẽte punido, pelo qual lhe aconselhaua como seu seruidor que era, que nos mãdasse logo pór a bom recado porque não fugissemos para outra parte, o qual o Chumbim logo fez com tamanho excesso de crueldade quanto se esperaua de hum Gentio sem ley qual elle era: & fazendo logo com grande instancia autos com testemunhos falsos de infamias muyto feas & criminosas, como tem por custume, nos mandou meter nũa esteril prisaõ com grilhoẽs nos peis, algemas nas mãos, & colares nos pescoços, & muyto maltratados de açoutes & fome, em que passamos hum miserauel trabalho por espaço de vinte & seis dias, em que por sua sentença fomos remetidos à rolação do Chaem do Nanquim, porque na sua alçada não cabia poder condenar nenhum preso à morte.
  15. [1015](Cap. 85) Como deste lugar de Taypor fomos leuados à cidade do Nanquim, & do que nella passamos.
  16. [1017](Cap. 85) Daquy nos tirarão hum dia pela menham, assi carregados de ferros como estauamos, & ja neste tempo tão fracos & doentes, que trabalhosamente podiamos falar, & nos meteraõ a todos nũa corrente, & nos embarcaraõ na volta doutros trinta ou quarẽta presos que por casos graues tambẽ hião remetidos por apellação a esta cidade do Nanquim, a qual, como ja disse, he a segunda do reyno da China, & onde continuamente reside hum Chaem da justiça, que he titulo supremo como de Visorrey, com hũa grande rolaçaõ de cento & vinte gerozemos & ferucuas, que saõ os desembargadores, chançareis, & reuedores de todas causas ciuis & crimes, sem auer nellas reuista, apellação, nem agrauo, senão para outra mesa que ahy ha que tẽ poder ainda sobre el Rey, para a qual quando se apella he como apellar para o Ceo.
  17. [1022](Cap. 85) Passados os noue dias que aquy estiuemos presos nos tornarão a embarcar, & nauegando por hum muyto grande rio acima, em sete dias chegamos â cidade do Nanquim, que alem de ser a segunda de toda esta Monarchia, he tambem metropoli dos tres reynos de Liampoo, Fanjùs, & Sumbor, na prisaõ da qual estiuemos hũ mès & meyo com assaz de trabalho & pobreza, porque chegamos a tamanho estremo de miseria que visiuelmẽte morriamos ao desemparo, sem termos mais que chorar, & olhar para o Ceo, porque na primeyra noite que chegamos fomos logo roubados de quanto leuauamos, sem nos deixarem nem hũa camisa, porque como a casa da prisaõ era muyto grãde, & muyta a gente que estaua nella (porque segundo nos affirmarão passauão de quatro mil presos) não auia onde hũa pessoa se pudesse assentar que logo não fosse roubado & cuberto de piolhos.
  18. [1037](Cap. 87) Seruidores daquelle alto Senhor, espelho claro de luz incriada, ante cujos merecimentos os nossos ficão sendo nada, nòs os somenos seruos desta santa casa de Tauhinarel, situada no fauor da quinta prisaõ do Nanquim, com verdadeyras palauras de acatamento deuido fazemos saber a vossas humildes pessoas, que esses noue estrangeyros que esta lhe daraõ saõ homẽs de terras muyto apartadas, cujas fazẽdas & corpos o mar consumio cõ seu brauo impeto tanto sem piedade, que de nouẽta & cinco que erão, segundo por seu dito nos foy affirmado, sós esses coitados lançou na praya dos ilheos de Tautaa na costa da enseada de Sumbor & Fanjus, & vindo com suas carnes chagadas, como por nossos olhos foy visto, pedindo de lugar em lugar a aquelles que por proximidade lhes dauão do seu, como he custume dos bõs & fieis, forão presos sem razão nẽ justiça pelo Chumbim de Taypor, & mãdados a esta quinta prisaõ do Fanjau, onde os cõdenarão a pena daçoutes de que logo se fez nelles execução pelos ministros do braço da ira, como no processo da sua sentença vay relatado, & querendolhes mais por desordenada crueldade cortar ambos os dedos polegares das mãos, nos pedirão cõ infinitas lagrimas que por este verdadeyro Senhor em cujo seruiço andamos, enxergassem em nòs o fauor do seu bafo, & acudindo nós logo cõ grãde pressa a tãto desemparo, fizemos petição de clamor, a que foy respondido na mesa do leão coroado, que não cabia misericordia onde a justiça perdia seu nome, pelo que, zelosos nós da hõra de Deos, nos queixamos logo â mesa dos vinte & quatro da austera vida, os quais com zelo santo, a som de sino tangido se ajuntarão todos na santa casa do remedio dos pobres, & desejando de valer a estes, a maldiçoarão toda a mesa grande, & todos os ministros do crime, paraque a ira do seu rigor não preualecesse no sangue dos tristes, visto ser o grao da misericordia em Deos de tam altos quilates, como vemos pelos effeitos que por ella obra em nos.
  19. [1041](Cap. 88) Como daquy partimos para a cidade do Pequim, & das grandezas da cidade do Nanquim.
  20. [1044](Cap. 88) E ainda que hiamos presos ao banco da lanteaa onde remauamos, não deixauão os olhos de ver cousas muyto grandiosas nas cidades, villas, & lugares que ao lõgo deste grande rio estauão situadas, das quais breuemente direy algũa cousa desse pouco que vimos, & começarey logo por esta cidade do Nanquim dõde partimos.
  21. [1047](Cap. 88) O primeyro he este por nome Batampina, que atrauessãdo pelo meyo deste imperio da China trezẽtas & sessenta legoas, faz sua entrada no mar pela enseada do Nanquim em trinta & seis graos; o segundo, por nome Lechune, tẽ sua euasaõ cõ grandissimo impeto ao longo dos montes de Pancruum, que diuidẽ a terra do Cauchim, & o senhorio de Catebenão, que pelo sertão confina co reyno de Chãpaa em dezasseis graos.
  22. [1098](Cap. 90) Daquy nos partimos logo, & continuamos nosso caminho pelo rio acima, o qual ja nesta parte he menos largo que na cidade do Nanquim donde primeyro partimos, mas a terra he muyto mais pouoada de aldeas & quintas que todas as outras, porque não ha tiro de pedra onde não aja hũa casa, ou de pagode, ou de laurador & gente de trabalho.
  23. [1110](Cap. 91) aque respondiamos conforme ao que ja tinhamos dito muytas vezes, que eramos naturais do reyno de Sião, & que nos perderamos no mar com hũs tormẽta indo de Liampoo para a enseada do Nanquim, & que eramos mercadores que ja foramos ricos, & tiueramos muyto de nosso, inda que nos vião daquella maneyra.
  24. [1161](Cap. 94) E da mãy delles, que, como disse, se chamou Nancaa, se lé tambem que fundou a cidade do Nanquim, que he a segunda desta monarchia, & que della tomou o nome que inda oje em dia tem.
  25. [1165](Cap. 94) Das mais grandezas desta insigne cidade direy a seu tempo, porque isto que agora contey assi de corrida, foy somente para dar hũa breue relaçaõ da origem & fundação deste imperio, & do primeyro que fundou esta cidade do Pequim, metropoli com razão, & com verdade de todas as do mundo, na grandeza, na policia, na abastança, na riqueza, & em tudo o mais quanto se pode dizer ou cuydar, & tambem para dar conta da fundação & principio da segunda cidade deste grande imperio que he a do Nanquim, como ja disse, & destoutras duas de Pacão & Nacau, de que atras tenho contado, nas quais ambas jazem estes dous seus fundadores em tẽplos muyto nobres & ricos, nũas sepulturas de alabastro verde & branco guarnecidas douro, postas sobre leoẽs de prata, com muytas alampadas ao redor, & perfumadores de muytas diuersidades de cheyros.
  26. [1213](Cap. 97) Ha tambem ao longo deste grãde rio da Batampina por onde fizemos este nosso caminho da cidade do Nanquim para a do Pequim, que he distancia de cento & oitenta legoas, tanto numero de engenhos daçucar, & lagares de vinhos & de azeites, feitos de muytas & muyto diuersas maneyras de legumes & fruitas, que ha ruas destas casas ao longo do rio de hũa parte & da outra de duas & tres legoas em comprido, cousa certo de grandissima admiração.
  27. [1280](Cap. 100) E como o Chifuu, que era o Alcaide a que hiamos entregues, apresentou na pilanga do Aytao, que he a sua rolação, o processo da nossa sentença assi fechada cos doze sinetes de lacre como no Nanquim lha entregarão, os doze Conchalys da mesa do crime, a quem por distribuição foy cometido o conhecimento da causa, nos mandarão logo à prisaõ onde estauamos, hum destes doze com dous escriuaẽs, & seys ou sete ministros, aque chamão vpos, o qual em chegando nos fez grandes medos & ameaços, dizendo, eu pelo poder & autoridade que tenho do Aytao da Batampina, supremo presidente da casa dos trinta & dous da gente estrangeyra, em cujo peito se encerra o segredo do leão coroado no trono do mundo, vos amoesto & mando da sua parte que me digais que gente sois, & o nome da terra em que nacestes, & se tendes Rey que por seruiço de Deos, & pela obrigaçaõ do cargo que tem, se incline aos pobres, & lhes guarde inteyramente sua justiça, porque não clamẽ cõ as maõs leuãtadas & cõ lagrimas dos seus olhos ao Senhor da fermosa pintura, de cujos santos peis saõ alparcas todos os limpos que cõ elle reinão.
  28. [1281](Cap. 100) Nos lhe respõdemos que eramos estrangeyros naturais do reyno de Sião, & que vindo para o porto de Liampoo com nossas fazẽdas, nos perderamos no mar com hũa grande tormenta, de que nos saluaramos nùs & descalços sem cousa algũa sobre nossas carnes, & que assi nos foramos pedindo de porta em porta, até chegarmos ao lugar de Taipor, onde o Chumbim que ahy residia nos prendera sem causa, & nos mandara á cidade do Nanquim, na qual por seu dito foramos cõdenados a açoutes, & a nos cortarem os dedos, sem nos ouuirem de nossa justiça, pelo que postos os olhos no Ceo, pediramos com lagrimas aos vinte & quatro da austera vida, que por zelo de Deos ouuessem dò de nosso desemparo, porque eramos pobres & sẽ valia nenhũa, ao que elles logo, com zelo santo acudirão com muyta presteza, fazendo auocar a causa a aquelle juizo a que eramos trazidos, pelo que lhe pediamos que por seruiço de Deos visse bem nosso desemparo, & quanta sem razão nos era feita por não termos valia na terra, nem quem por nós fallasse hũa só palaura.
  29. [1288](Cap. 100) a que respondemos chorando, que eramos hũs pobres estrãgeyros taõ desemparados de todos os homẽs, que nenhum auia naquella terra que nos soubesse o nome; & que o mais que lhe podiamos dizer da nossa pobreza para lhes pedirmos que por Deos se lembrassem de nos, o verião naquella carta que traziamos para elles da cidade do Nanquim da mesa da irmandade da casa do Quiay Hinarel, & dandolha entaõ Christouão Borralho, elles a tomarão com hũa noua cerimonia de grande cortesia, dizendo, louuado seja o que tudo criou pois se quer seruir de peccadores na terra; para por isso lhes fazer a feria do seu pagamento no derradeyro dia de todos os dias, com lhes pagar seu jornal tanto por encheyo nas riquezas dos seus santos tisouros, que segundo temos para nos serâ em tanta multiplicação como as gotas que as nuuens do Ceo tem lançado em toda a terra.
  30. [1334](Cap. 103) Mostrando em publico a estes ouuintes o que determiney na appellação destes noue estrangeyros que da cidade do Nanquim me foy auocada a requerimento dos vinte & quatro da austera vida por modo de agrauo a elles feito, digo que pelo juramento que tenho deste cargo em que assisto pelo Aytao da Batãpina presidente sobre os trinta & dous que gouernão os pouos de toda a grandeza da terra, que aos noue dias da setima lũa dos quinze annos da coroaçaõ do filho do Sol me foraõ apresentadas as culpas que delles me mandou o Chumbim de Taipor, nas quais dezia serem elles ladroẽs roubadores das fazendas alheyas, no qual officio auia muyto tempo que gastauão as vidas, com offensa graue do alto senhor que tudo criou, & que sem temor seu se banhauão no sangue dos que lhe resistião com justa razão, pelo qual crime foraõ condenados a pena de açoutes, & dedos cortados, de que nos açoutes se fez logo execuçaõ, & querendose tambem fazer no cortar dos dedos, vieraõ allegando por parte delles os procuradores dos pobres, que erão mal condenados, visto não auer proua nenhũa do que fora posto contra elles, pelo que requeriaõ por sua parte que se preguntassẽ de nouo testemunhas tementes a Deos, & ao direyto castigo da sua diuina justiça, & os não julgassem por indicios de sospeitas incertas a que foy respondido em ajuntamento de mesa que não era licito tirar á justiça o seu nome.
  31. [1489](Cap. 111) E preguntando nós aos Chins pela significaçaõ daquellas cousas, nos disseraõ, que despois que Deos alagàra o mundo com a agoa dos rios do Ceo, em que se afogara todo o genero humano, vendo que a terra ficaua deserta, & sem auer nella quem o louuasse, mandara do Ceo da Lũa a deosa Amida camareyra mór da Nacapirau sua molher paraque restaurasse a perda da gente que se afogara, a qual em pondo os peis em hũa terra que ja era desalagada, por nome Calempluy (que he aquella ilha ou lizira que atras disse, que estâ na enseada do Nanquim, onde Antonio de Faria desembarcou em terra) ella se tornara toda em ouro, & aly estãdo em pè & co rosto no Ceo, suara pelos sobacos grande soma de crianças, pelo do braço direyto machos, & pelo do ezquerdo femeas por não ter outro lugar no corpo por onde as pudesse parir, como tem as molheres do mundo que tem peccado, em castigo do qual as sojeitara Deos por ordem da natureza à miseria da corrupção çuja & fedorenta; para mostrar quanto lhe fedia o peccado cometido contra elle.
  32. [1573](Cap. 117) Hũa quarta feira treze dias do mez de Iulho do anno de 1544. sendo passada mais de meya noite se leuantou em todo o pouo hũa tamanha reuolta & vnião de repiques & gritas, que parecia que se fundia a terra, & acudindo nòs todos a casa de Vasco Caluo lhe pregũtamos pela causa daquelle tumulto, & elle cõ assaz de lagrimas, nos disse, que auia noua certa de estar el Rey da Tartaria sobre a cidade do Pequim, co mais grosso poder de gente que nenhum outro Rey nũca ajuntara no mundo, desde o tempo de Adão até aquella hora, no qual se affirmaua que vinhaõ vinte & sete Reys, & que se dezia que trazião comsigo hũ conto & oitocentos mil homẽs, de que os seiscẽtos mil eraõ de cauallo, que por terra eraõ vindos da cidade de Lançame, & de Famstir, & de Mecuy, dõde partiraõ com oitenta mil badas em que vinha o mantimento & toda a bagage, & o conto & duzentos mil de pé, vieraõ em dezasseis mil embarcaçoẽs de Laulees, & Iangaas pelo rio da Batampina abaixo, & que el Rey da China por se não atreuer a resistir a tamanho poder, se fora aforrado para o Nanquim.
  33. [1989](Cap. 143) Os habitadores de toda esta terra saõ como Chins, vestem linho, algodão, & seda, com alguns damascos que lhe trazem do Nanquim.
  34. [3513](Cap. 222) Affirmouse tambẽ por geral dito de todos, que nestes tres dias em que isto acõteceo em Sansy, chouera sempre sangue na cidade do Pequim onde el Rey da China então residia, pela qual causa a mayor parte della se despejou, & elle fugio para o Nanquim, onde tambem se disse que mandara fazer muyto grãdes esmollas, & libertar infinidade de presos, no qual cõto permitio Deos que foraõ hũs cinco Portugueses que auia mais de vinte annos que estauão presos na cidade de Pocasser, os quais aquy em Cantão, onde vieraõ ter, nos cõtaraõ muyto grandes cousas, entre as quais nos affirmaraõ que passaraõ as esmollas que el Rey fez por este caso, de seiscẽtos mil cruzados, a fora tẽplos muyto sumptuosos que edificou para aplacar a ira de Deos, em que entrou hũ que se fez nesta cidade por nome Hifaticau, amor de Deos, casa muyto sumptuosa & de grande magestade.

Nãquim 71(1), 72(1), 88(1).

Nas orações: 855, 873, 1051.

  1. [855](Cap. 71) E indo nós assaz confusos cõ a imaginação destes perigos, fomos os primeyros cinco dias com vento bonança à vista da terra atè a boca da enseada das pescarias do Nãquim, aquy atrauessamos hum golfaõ de quarenta legoas, & ouuemos vista de hũa serra muyto alta que se dezia Nangafau, ao longo da qual com a proa ao Norte corremos mais outros cinco dias, no fim dos quais nos escaceou o vento, & por serẽ os mares ja aquy muyto grossos, se meteo o Similau num rio pequeno, & de bom surgidouro, pouoado de hũa gẽte muyto alua, de boa estatura, & cõ olhos pequenos como os Chins, mas em tudo o mais muyto differente delles, assi na fala como no trajo.
  2. [873](Cap. 72) E aquy nos disse o Similau que pela muyta soma de immundicias de alimarias mortas que com as enchẽtes das inuernadas estes rios aly trazião, vinhão todos os animaes que tinhamos visto, assi na outra bahia como naquella a se ceuaram nellas, o que não era em outras nenhũas de toda a mais costa que atras tinhamos deixado, & perguntandolhe Antonio de Faria de que parte vinhaõ aquelles rios, disse que o não sabia, mas que se era verdade o que delles estaua escrito, que dous delles vinhaõ de hum grande lago que se chamaua Moscumbià, & os outros dous, de hũa prouincia de grandes serranias que todo o anno estauão cubertas de neue, que se dezia Alimania, pela qual causa no veraõ, em que a mayor parte da neue se derretia, vinhaõ aquelles rios tão impetuosos & com tanto poder de agoa quanto tinhamos visto, que era mais que em todo o outro tempo do anno, & que por aquelle rio, em cuja boca estauamos surtos, que se dezia Paatebenam, auiamos co nome do Senhor do ceo de yr cõ a proa a Leste, & a Lessueste demandar outra vez a enseada do Nãquim que atras tinhamos deixado duzentas & sessenta legoas, porque toda esta distancia de caminho tinhamos multiplicado em mòr altura do que era onde nos demoraua a ilha que hiamos buscar; & que ainda que nisso passassemos algum trabalho, pedia muyto a Antonio de Faria que o ouuesse por bem empregado, porque elle o fizera por milhor & mais seguro a vida de todos: & perguntandolhe Antonio de Faria quantos dias poderia por na viagem atè passar aquelle rio por onde o leuaua, disse que quatorze ate quinze somente, & que despois de saydos delle a cinco, lhe prometia de o desembarcar cos seus soldados na ilha de Calempluy, onde bem largamente satisfarião seu desejo, & auerião por bem empregado todo o trabalho de que agora se queixauão.
  3. [1051](Cap. 88) E tornando a meu proposito, esta cidade do Nãquim está, como ja disse, situada ao longo deste rio da Batampina em hũ teso de boa altura, por onde fica a caualeyro das cãpinas que estão em torno della, cujo clima he algum tanto frio, porẽ muyto sadio, tem oito legoas de cerca por todas as partes.

(2) Objecto geográfico interpretado

Cidade (enseada). Parte de: China.

Referente contemporâneo: Nanjing, China (AS). Lat. 32.061670, long. 118.777780.

Cidade, enseada. GT para a Peregrinação distingue o estuário do rio Yang-Tsé-Kiang e o golfo do Príncipe Jerónimo na Coreia, em 37º 05’ N, 126º 45’ E. FMPP (vol.4, p. 27) também distingue entre a cidade de Nanjing e a enseada que identifica como Hangzhouwan. Jin Guoping (FMPP: vol. 3, p. 106) aclara que para os europeu a enseada de Nanquim era Hangzouwan e Donghai (Mar do Leste). Identifico apenas a cidade: 32º 03′ N, 118º 48′ E.

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