O lugar no contexto

(1) Entidade geográfica mencionada

Bramá. Bramâ 151(1), 153(1), 188(1), 194(1).

Nas orações: 2148, 2171, 2802, 2932.

  1. [2148](Cap. 151) Tras estas, cercada de doze porteyros cõ maças de prata, vinha a Nhay Canatoo filha do Rey de Pegû aque este tyranno Bramâ tinha tomado o reyno, & molher do Chaubainhaa cõ quatro criãças filhos seus, que homẽs a cauallo trazião nos braços, & todas as cento & quarẽta padecẽtes eraõ molheres & filhas dos principaes Capitaẽs que o Chaubainhaa tiuera comsigo na cidade, nas quais este tyranno Bramaa a modo de vingança quiz executar sua ira, & a mâ inclinação que sempre teue cõtra as molheres.
  2. [2171](Cap. 153) A fóra estes ficou tambẽ outro por nome Gonçallo falcaõ, homem fidalgo & de bõ sangue, o qual antre os gentios se chamaua Crisna pacau, que quer dizer flor das flores, nome antre elles honroso, que o Rey do Bramâ lhe dera em satisfação de seruiço.
  3. [2802](Cap. 188) Vendo este Rey Bramâ que nẽ as batarias da artilharia que tinha dado â cidade, nem os assaltos a escalla vista com tanta força de gente, nem aquella inuenção dos castellos acõpanhados de tãtos artificios de fogo em que elle tiuera tamanha confiança, lhe tinhão aproueitado para elle effeituar o que tanto desejara, desejoso ainda de não desistir desta empresa que tinha entre as mãos, chamou a cõselho geral todos os capitaẽs, & bainhás, & principes, & senhores que auia no exercito, & propõdo perãte todos seu intẽto & seu desejo, lhes pedio que lhe dessem nisto seus pareceres.
  4. [2932](Cap. 194) E ficãdo então o cãpo pelo Chaumigrẽ, elle naquelle pequeno espaço que ainda restaua do dia se coroou por Rey de Pègù, cõ as mesmas insignias reais de estoque, coroa, & cetro que foraõ do Rey Bramâ que o Xemim de Çataõ matara, & porque ja a este tẽpo era quasi noite se não entẽdeo em mais que na cura dos feridos, & na vigia do campo.

Bramaa 124(1), 146(1), 147(1), 148(5), 149(5), 150(5), 151(2), 152(2), 153(9), 154(5), 155(5), 156(7), 157(6), 158(1), 162(1), 163(2), 164(1), 165(3), 167(5), 168(2), 170(2), 185(7), 186(8), 187(4), 188(6), 189(1), 190(12), 191(1), 192(2), 194(6), 195(7), 196(1), 197(7), 198(5), 199(2).

Nas orações: 1677, 2059, 2067, 2072, 2075, 2077, 2090, 2091, 2099, 2107, 2111, 2112, 2113, 2114, 2119, 2133, 2142, 2148, 2165, 2167, 2168, 2173, 2178, 2180, 2181, 2184, 2186, 2187, 2192, 2197, 2199, 2202, 2205, 2207, 2208, 2214, 2218, 2220, 2223, 2224, 2225, 2227, 2229, 2231, 2232, 2233, 2234, 2236, 2238, 2327, 2351, 2371, 2391, 2412, 2415, 2417, 2469, 2475, 2476, 2478, 2479, 2498, 2514, 2550, 2551, 2763, 2767, 2768, 2769, 2772, 2773, 2776, 2777, 2785, 2787, 2788, 2789, 2790, 2796, 2799, 2800, 2801, 2807, 2808, 2809, 2811, 2812, 2814, 2835, 2837, 2839, 2841, 2843, 2845, 2847, 2848, 2849, 2859, 2862, 2863, 2869, 2892, 2908, 2920, 2922, 2926, 2929, 2931, 2933, 2945, 2946, 2947, 2949, 2954, 2958, 2969, 2970, 2974, 2975, 2979, 2982, 2988, 3002, 3003, 3005.

  1. [1677](Cap. 124) E despois de a ter toda recolhida, se passou para outra cidade muyto mayor & muyto mais nobre, que se chamaua Tuymicão, onde foy visitado pessoalmente de algũs principes seus comarcãos, & por embaixadores o foy tambem doutros Reys & senhores de mais longe, de que os principaes forão seis assaz grandes & poderosos, quais forão o Xatamaas Rey dos Persas, o Siammom Emperador dos Gueos, que confina por dentro deste sertão co Bramaa do Tanguu, o Calaminhan senhor da força bruta dos elifantes da terra, como ao diante direy quando tratar delle, & do seu senhorio, o Sornau de Odiaa, que se intitula Rey de Sião, cujo senhorio cõfina por distãcia de setecentas legoas de costa, como he de Tanauçarim a Champaa cos Malayos & Berdios & Patanes, & pelo sertaõ, co Passiloco & Capimper, & Chiammay, & Lauhos, & Gueos, de maneyra que este somente tem dezassete reynos em seu senhorio, o qual entre esta gentilidade toda se intitula por grao mais supremo, senhor do elifante branco, outro era o Rey dos Mogores, cujo reyno & senhorio jaz por dentro do sertão entre o Coraçone que he jũto da Persia, & o reyno do Dely & Chitor, & hum Emperador que se chamaua o Carão, cujo senhorio, segũdo aquy soubemos, confina por dentro dos montes de Goncalidau em sessenta graos auante, com hũa gente a que os naturaes da terra chamão Moscoby, da qual gente vimos alguns homens aquy nesta cidade, que saõ ruyuos, & de estatura grande, vestidos de calçoẽs, roupetas & chapeos ao modo que nesta terra vemos vsar os Framengos & os Tudescos, & os mais honrados trazião roupoẽs forrados de pelles, & algũs de boas martas, trazião espadas largas & grandes, & na lingoagem que fallauão lhe notamos algũs vocablos Latinos, & quando espirrauão dezião tres vezes dominus, dominus, dominus.
  2. [2059](Cap. 146) O que sabido pelo Chaubainhaa Rey de Martauão, os mandou logo buscar com promessas de grandes partidos para o ajudarem contra o Rey do Bramaa que naquelle tempo se fazia prestes na cidade de Pegù para o vir cercar com setecentos mil homẽs.
  3. [2067](Cap. 147) Feita esta diligencia seguimos daquy nosso caminho, & passados noue dias chegamos á barra de Martauão, hũa sesta feyra de Lazaro vinte & sete de Março do anno de 1545. tendo passado por Tanauçarim, Touay, Merguim, Iuncay, Pullo Camude, & Vagaruu, sem em nenhum destes portos achar noua destes cem Portugueses que hia buscar, porque a este tempo erão lançados là dessa parte do Chaubainhaa Rey de Martauão, o qual (segundo ouuy dizer) os mandara chamar para se ajudar delles contra o Rey do Bramaa que o tinha cercado com hum campo de setecentos mil homens, como atras fica dito, porem elles ja então não estauão em seu seruiço, como logo se verá mas a razão porque, eu a não soube.
  4. [2072](Cap. 148) E para isto se fez há vella para dentro do rio com conjunçaõ de vento & maré, & dobramos hũa põta que se dizia Mounay, da qual descobrimos a Cidade cercada toda em roda de hũa grãde quãtidade de gẽte que ocupaua grãde parte da vista, & no rio quasi outra tanta de vellas de remo, & com quãto sospeitamos ò que isto podia ser pollas atoardas que jâ traziamos de mais lõge, não deixamos de vellejar até dentro do porto, onde surgimos com muyto recado, & fazendo por cirimonia de paz nossa salua custumada, nos sahio da terra hum batel bem esquipado em que vinhaõ seys Portugueses, cuja vista nos alegrou em estremo, os quais subindo a cima, onde foraõ bem recebidos de toda a gente, nos declararaõ tudo o que conuinha â segurança de nossas pessoas, & nos aconselharaõ que por nenhũ caso fizessemos daly mudança como lhe dissemos que tinhamos determinado, que era fugirmos aquella noite para Bengala, porque sem duuida nos perderiamos, & seriamos tomados da armada que o Rey do Bramaa aly tinha, que era de mil & setecentas vellas de remo, em que entrauaõ cem galès todas bẽ prouidas de gente estrangeyra, mas que me fosse eu logo com elles a terra ver a Ioão Cayeyro que aly estaua por capitão dos Portugueses, a que daria cõta do a que vinha, & faria o que me elle aconselhasse se não queria errar, porque era elle homẽ bem inclinado, & grande amigo de Pero de Faria, em quẽ lhe tinhaõ ouuido fallar muytas vezes, gabandolhe sempre a nobreza de sua pessoa & condição, & que tambem lá acharia Lançarote Guerreyro, & os outros capitaẽs para quẽ trazia cartas, & que nũa cousa & noutra se praticaria o que fosse mais seruiço de Deos & del Rey nosso Senhor.
  5. [2075](Cap. 148) E assi me deixey aly ficar em companhia do Ioão Cayeyro com fundamento de me yr no junco como fosse tempo, & continuey com elle no trabalho deste cerco por espaço de quarenta & seis dias, que foy o tempo que este Rey Bramaa aquy mais se deteue, do qual aquy breuemente direy hũ pouco, porque me parece que os curiosos folgaraõ de saber o successo que teue nesta guerra o Chaubainhaa Rey de Martauão.
  6. [2077](Cap. 148) Ao que foy respondido pelo Rey Bramaa que nenhum partido lhe auia de aceitar se não se entregasse primeyro em seu poder.
  7. [2090](Cap. 148) De modo que estes ministros do demonio, despois de porem diante algũas impossibilidades, que eraõ o rebuço de sua fraqueza & mâs inclinaçoẽs, & o temor que tinhaõ de perderem suas fazendas, & de lhes o Rey Bramaa cortar por isso as cabeças, se rosumiraõ em totalmente não consentirem neste feito, antes o descubrirem se Ioão Cayeyro insistisse em leuar auante o que determinaua, que era aceytar o que o Chaubainhaa lhe cometia.
  8. [2091](Cap. 148) A qual Ioaõ Cayeyro então dissimulou por lhe ser assi forçado, porque arreceou que se fizesse nisso força o descubrissem ao Rey Bramaa, como ja dezião, sem temor de Deos, nem vergonha dos homens.
  9. [2099](Cap. 149) E com esta determinaçaõ mandando logo desmanchar as casas & ajuntar muyta lenha para se effeituar isto que estaua determinado, huns dous Capitaẽs dos tres principaes da cidade, temendo o que ao outro dia auia de ser, se lançaraõ aquella noite com quatro mil homẽs no arrayal do Bramaa, cuja fugida & deslealdade quebrou tãto os animos aos que ficaraõ, que não auia ja nenhum que quisesse acudir aos repiques, nem vigiar as estancias como antes fazião, mas dezião todos a hũa voz, que se o Chaubainhaa se não determinasse em algum concerto co Bramaa, auião de abrir as portas, porque por muyto menos mal terião morrer pelejando, que consumilos aly o tempo poucos a poucos como gado enfermo.
  10. [2107](Cap. 149) Vista esta carta pelo Rey Bramaa, lhe respondeo logo com outra cheya de muytas promessas & juramentos que tudo o passado poria em esquecimento, & que a elle proueria com hum estado de tantas terras & rendas que ficasse bẽ contente, o que despois lhe cumprio bem mal como adiante direy.
  11. [2111](Cap. 149) E querendo este Rey Bramaa por grandeza de estado festejar esta entrega do Chaubainhaa, mandou que todos os capitaẽs estrangeyros com sua gente armada & vestida de festa se pusessem em duas fileyras a modo de rua para vir por ella o Chaubainhaa, o que logo foy feito, & esta rua tomaua desda porta da cidade até a sua tenda que seria distancia de dous terços de legoa, na qual rua estauão trinta & seys mil estrangeyros, de quarenta & duas naçoẽs, em que auia Portugueses, Gregos, Venezeanos, Turcos, Ianiçaros, Iudeus, Armenios, Tartaros, Mogores, Abexins, Raizbutos, Nobins, Coraçones, Persas, Tuparaas, Gizares, Tanocos da Arabia Felix, Malauares, Iaos, Achẽs, Moẽs, Siames, Lusoẽs da ilha Borneo, Chacomaas, Arracoẽs, Predins, Papuaas, Selebres, Mindanaos, Pegùs, Bramâs, Chaloẽs, Iaquesaloẽs, Sauadis, Tãgus, Calaminhãs, Chaleus, Andamoens, Bengalas, Guzarates, Andraguirees, Menancabos, & outros muytos mais a que não soube os nomes.
  12. [2112](Cap. 149) Estas naçoẽs todas se puseraõ na ordem que lhe foy mandado pelo Xemimbrum mestre do campo, o qual pós os Portugueses na dianteyra de todos, que era junto com a porta da cidade por onde o Chaubainhaa auia de sayr, & logo apos elles os Armenios, & logo os Ianiçaros & os Turcos, & todos os mais nos lugares que lhe a elle bem pareceo, & com esta ordem chegaua esta gente estrangeyra, como ja disse até o dopo del Rey, onde estaua a gente Bramaa da guarda do campo.
  13. [2113](Cap. 150) De que maneyra o Chaubainhaa se entregou ao Rey do Bramaa, & da grande afronta que os Portugueses aly passaraõ.
  14. [2114](Cap. 150) Sendo ja quasi a hũa hora despois do meyo dia se tirou hũa bombarda, ao qual sinal as portas da cidade foraõ logo abertas, & primeyro que tudo começou a sayr a guarda que el Rey o dia dantes lhe mandara pòr, que erão quatro mil Sioẽs & Bramaas, todos arcabuzeyros, & alabardeyros, & piqueyros, com mais trezẽtos elifantes armados, de que era Capitão hũ Bramaa tio del Rey por nome Mõpocasser, Bainhaa da cidade de Meleitay no reyno do Chaleu.
  15. [2119](Cap. 150) Apos estes principes & outros muytos aque não soube os nomes, vinha em distãcia de oito ou dez passos o Rolim de Mounay Talapoy de dignidade suprema sobre todos os outros sacerdotes do reyno, & tido de el Rey em reputaçaõ de homem santo, este só vinha junto do Chaubainhaa corno padrinho & terceyro entre elle & el Rey, & logo tras elle em tres palanquis vinha a Nhay Canatoo filha que fora do Rey de Pegù passado, a quẽ este Bramaa tomara o reyno, & molher do Chaubainhaa com quatro filhinhos seus, dous machos & duas femeas, de quatro até sete annos de idade, & ao redor destes palanquis vinhão trinta ou quarenta molheres moças fidalgas muyto fermosas cos rostos baixos chorando, & muyto afrontadas, encostadas todas em outras molheres que as sustentauão.
  16. [2133](Cap. 150) E porque deste tempo era ja quasi noite os despidio, & o triste do Chaubainhaa foy entregue a hum capitão Bramaa por nome o Xemim Coumidau, & sua molher & filhos com todas as mais molheres ao Xemim Ansedaa por ter aly sua molher, & ser hõrado & velho & de quem o Rey Bramaa se fiaua muyto.
  17. [2142](Cap. 151) E da prata, & ouro, & pedraria se não pode saber a certeza, por ser cousa que geralmente se encobre & se nega; somente o que este Rey Bramaa tomou para sy em solido do tisouro do Chaubainhaa se affirmou que passara de cẽ contos douro, dos quais, como jâ fica dito atras, el Rey nosso Senhor perdeo a metade por nossos peccados, & quiçá pela fraqueza ou inueja de animos mal intencionados.
  18. [2148](Cap. 151) Tras estas, cercada de doze porteyros cõ maças de prata, vinha a Nhay Canatoo filha do Rey de Pegû aque este tyranno Bramâ tinha tomado o reyno, & molher do Chaubainhaa cõ quatro criãças filhos seus, que homẽs a cauallo trazião nos braços, & todas as cento & quarẽta padecẽtes eraõ molheres & filhas dos principaes Capitaẽs que o Chaubainhaa tiuera comsigo na cidade, nas quais este tyranno Bramaa a modo de vingança quiz executar sua ira, & a mâ inclinação que sempre teue cõtra as molheres.
  19. [2165](Cap. 152) Ao qual lastimoso & cruellissimo espectaculo se leuantou em todo o pouo hum tamanho tumulto de gritos & vozes que a terra tremia debaixo dos peis, & no campo se aleuantou hum motim com que elle esteue tão reuolto & baralhado, que a el Rey lhe foy necessario fazerse forte na sua estancia cõ seis mil Bramâs de cauallo & trinta mil de pé, & ainda assi estaua bem cheyo de medo do que sẽpre arreceou que ouuesse, como ouuera de ser se a noite o não estoruara, porque não auia cousa que bastasse aquietar a gente, porque dos setecentos mil homẽs que auia no arrayal, os seiscentos mil eraõ Pegùs, de cujo Rey aquella Raynha fora filha, mas traziaos este Bramaa tão sogigados & tão cortados do ferro, que não ousauão de leuantar os olhos.
  20. [2167](Cap. 152) E o semuentura de seu marido foy lançado essa mesma noite no mar com hũa pedra ao pescoço, cõ mais outros cinquenta ou sessenta vassallos seus, em que entrarão algũs senhores de trinta & quarenta mil cruzados de rẽda, pays, maridos & irmãos das cento & quarenta molheres que tanto sem culpa receberaõ hũa tão cruel & tão afrontosa morte, no conto das quais entraraõ tres criadas desta princesa que o Rey Bramaa sendo conde mandara requerer de casamento, de que ellas nem seus pays então quiseraõ fazer conta, mas saõ successos da fortuna, & do tẽpo que sempre custumaraõ trazer comsigo estas variedades.
  21. [2168](Cap. 153) Da desauentura que me aconteceo em Martauão, & do que o Rey Bramaa fez despois que chegou a Peguu.
  22. [2173](Cap. 153) Este Gonçalo Falcão quiçà parecendolhe que por aquy se confirmaria na graça do Rey do Bramaa, para quem no cerco se tinha passado, deixando o Chaubainhaa a quem antes seruia, passados sós tres dias depois da partida del Rey se foy a este seu Gouernador, & lhe disse que era eu aly vindo com hũa embaixada do Capitão de Malaca para o Chaubainhaa, em que lhe mandaua offerecer muyta gente contra o Rey do Bramaa, por quem a terra então estaua, para fazer fortaleza em Martauão, & lançar os Bramas fora do reyno, & outras tantas cousas a este modo, que o Gouernador me mandou logo prẽder, & despois de me ter posto a bom recado, se foy ao junco em que eu tinha vindo de Malaca, & lançou mão por elle com toda a fazenda que tinha dentro, que valeria mais de cem mil cruzados, & prendeo o Necodá capitão & senhorio do junco com todos os mais que achou nelle, que foraõ cento & sessenta & quatro pessoas, em que entrauão quarenta mercadores ricos Malayos & Menancabos, Mouros & Gẽtios naturais de Malaca, os quais logo assi em breue foraõ sentenciados na perda das fazendas, & que ficassem catiuos del Rey assi como eu, por serẽ consentidores & encubridores da traição que o Capitão de Malaca trataua em segredo co Chaubainhaa cõtra el Rey do Bramaa.
  23. [2178](Cap. 153) O perro do Gouernador Bainhaa Chaque, arreceando que pudesse ser isto assi, deixou de yr com sua teima adiante, & processando de nouo sobre a sentença que tinha dado, sahio que me absoluia da pena da morte, mas que perdesse a fazenda, & ficasse catiuo del Rey, & tãto que fuy saõ das chagas que me fizeraõ os açoutes & os pingos, me leuarão em ferros a Pegû, onde como catiuo fuy entregue a hum Bramaa tisoureyro del Rey por nome Diosoray, que em sua cõpanhia tinha oito Portugueses, que tambem por infortunios nacidos de peccados como os meus, já la estauão auia seis meses os quais foraõ de hũa nao de dom Anrique Deça de Cananor, que com tempo fora aly dar â costa.
  24. [2180](Cap. 153) Partido este Rey Bramaa da cidade de Martauão, como atras fica dito, caminhou tanto por suas jornadas que chegou a Pegù, onde antes de despidir seus capitaẽs fez ressenha da gente que tinha, & achou que dos setecentos mil homẽs cõ que cercara o Chaubainhaa trazia menos oitenta & seis mil.
  25. [2181](Cap. 153) E porque ja neste tempo tinha atoardas que o Rey do Auaa, confederado cos Sauadijs, & Chaleus daua entrada ao Siammon (que pelo sertão destes reynos confina a Loeste & a Loesnoroeste co Calaminhan Emperador da força bruta dos elifantes da terra, como adiante declararey quando tratar delle) para que tomasse as fortalezas do reyno Tanguu a este Bramaa, elle como bom capitão & muyto pratico & astuto nas cousas da guerra, mandou logo primeyro que tudo prouer bem de gente & de todo o necessario as principaes quatro forças que tinha, & de que mais se arreceaua.
  26. [2184](Cap. 153) E seguindo daquy sua derrota por hum grande rio de agoa doce de mais de hũa legoa em largo, que se dezia Pichau malacou, surgio á vista do Prom a treze de Abril, & por espias que aquella noite se tomaraõ teue por nouas que o Rey era morto, & que por sua morte lhe socedera no reyno hum seu filho moço de treze annos, o qual, seu pay, antes que morresse, casara com hũa sua cunhada irmam de sua molher, & tia do mesmo moço, & filha do Rey do Auaa; & esta sabendo da vinda do Bramaa sobre esta sua cidade do Prom, mandara logo pedir socorro a el Rey seu pay, o qual se affirmaua que mandaua hum seu filho irmão da Raynha, cõ hũa armada em que vinhão sessẽta mil Moẽs, & Tarees, & Chalẽs, gente escolhida, & muyto determinada na guerra, com a qual noua o Rey Bramaa se deu muyta pressa, determinando de tomar a cidade antes que o socorro viesse, & desembarcando em hum campo que se dezia Meigauotau, duas legoas abaixo da cidade, se esteue nelle preparando de tudo o que lhe era necessario por espaço de cinco dias.
  27. [2186](Cap. 154) Do que passou entre a Raynha do Prom, & o Rey Bramaa, & do primeyro assalto que se deu à cidade, & o successo delle.
  28. [2187](Cap. 154) Avendo jâ cinco dias que este Rey Bramaa aquy era chegado, a Raynha cercada, que era a que gouernaua por seu marido, o mãdou visitar com hũ rico presente de peças douro & pedraria por hum talagrepo religioso de mais de cem annos, & tido entre elles por homẽ santo, pelo qual lhe escreueo hũa carta que dezia assi.
  29. [2192](Cap. 154) Esta carta & embaixada recebeo o Bramaa cõ grande autoridade, fazendo honra ao que a trouxe, assi por sua idade, como por ser entre elles tido por santo, & lhe concedeo logo no principio algũas cousas que lhe elle pedio, como foraõ tregoas em quanto andasse nestes cõcertos, & liberdade para os cercados communicarem com a gente do cãpo, & outras cousas como estas de pouca importancia, porem vendo as cõdiçoẽs que esta pobre Raynha lhe mandaua cometer, & as humildes palauras da sua carta, atribuindo tudo a medo & a fraqueza, nunca mais quiz responder a proposito ao mensageyro, mas antes secretamente mandaua fazer algũs saltos por toda a terra em gente fraca & desarmada, que confiada em sua pobreza se não sayra das choças que tinha pelos matos, na qual estes inimigos crueys & deshumanos fazião tamanho estrago, sem acharẽ resistencia ou contradiçaõ algũa, que em sós cinco dias se disse que mataraõ quatorze mil pessoas, & todas estas, ou a mayor parte dellas foraõ molheres & criãças & homẽs velhos que não podião tomar armas.
  30. [2197](Cap. 154) O Rey Bramaa, vendo que o Roolim não tornara com a reposta no termo que para isso lhe dera, logo ao outro dia tratou de fortificar as estancias com artilharia dobrada, para cõ ella bater a cidade toda em roda, & mãdou fazer grande soma de escadas para assaltar os muros à escala vista, & com isto mandou lançar pregão que todos em termo de tres dias estiuessem prestes so pena de morte.
  31. [2199](Cap. 154) Durou assi esta peleja por espaço de mais de cinco horas, no fim das quais vendo o tyranno Bramaa que os de dentro se defendião esforçadamente, & que os seus em partes hião ja enfraquecendo, saltou em terra cõ obra de dez ou doze mil homẽs, dos milhores da armada, & reforçando com muyta presteza as companhias dos que pelejauão, a briga se tornou a trauar de nouo com tanto impeto & esforço de ambas as partes, que parecia que então se começaua.
  32. [2202](Cap. 155) Vendo o Rey Bramaa quão caro lhe custara este primeyro assalto, não quiz auenturar mais a sua gente por esta via, mas mandou fazer hũ grande entulho de terra & faxina com mais de dez mil palmeyras que mandou cortar, & veyo criando hũa serra taõ alta que sobreleuaua por cima dos muros quasi duas braças, na qual mandou assestar oitenta peças grossas de artilharia, & varejando com ellas toda a cidade por espaço de noue dias, a mayor parte della, ou quasi toda foy posta por terra com morte de quatorze mil pessoas, de que a pobre Raynha ficou de todo quebrada, sem jâ a este tempo ter comsigo mais que sós cinco mil homẽs que pudessem pelejar, porque tudo o mais eraõ molheres & crianças, & gente inhabil para as armas.
  33. [2205](Cap. 155) Deste successo se deu Rey Bramaa por tão afrontado, pondo a culpa delle a algũs dos seus capitaẽs pela mà vigia que em sy tiueraõ, & pelo descuydo que se teue na guarda da serra, que logo naquelle mesmo dia mandou descabeçar mais de dous mil Pegùs que eraõ os que vigiauão aquelle quarto.
  34. [2207](Cap. 155) O Rey Bramaa aceitou o partido com todas estas condiçoẽs, & para penhor de sua verdade lhe mãdou hum anel rico que tinha no dedo.
  35. [2208](Cap. 155) E no dia aprazado em que isto auia de ser, que foy vespera de São Bertolameu do anno de 1545. âs tres horas despois da meya noite se pôs por obra com aquella ferina & horrenda crueldade que este tyranno Bramaa sempre custumou em todas as cousas desta qualidade.
  36. [2214](Cap. 155) Apos isto lhe trouxerão a Raynha molher do Reizinho, que como jâ se disse, elle era de idade de treze annos, & ella de trinta & seys, molher muyto alua, & bem assombrada, & tia de seu marido, irmam de sua mãy, & filha do Rey do Auaa, que he a terra donde os rubis, & as çafiras, & as esmeraldas vem a Pegù, a qual Raynha auia tres annos que este Bramaa mandara pedir por molher a seu pay, segundo se então là dezia, & elle lhe negara dizẽdo na reposta que deu ao embaixador que em muyto mais alto põto trazia sua filha o pensamento que em ser molher do Xemim do Tanguu, que era a geração donde procedia este cruel & fraco tyranno, o qual agora assi para desprezo della & de seu pay, como para se vingar da passada afronta que recebera delle, a mandou aly em publico despir nua, & darlhe muytos açoutes, & apos isso a mandou leuar por toda a cidade, & com grandes gritas & apupadas de gente baixa & deshonesta lhe mandou dar outro tormento, com que a pobre Raynha logo espirou, & despeis de morta a mandou atar abraçada co Reizinho seu marido que ainda estaua viuo, & com cada hum sua pedra ao pescoço os lançarão ambos pelo rio abaixo, que foy hum genero de crueldade assaz espantoso para quem o via.
  37. [2218](Cap. 156) Como o Rey do Bramaa foy sobre a cidade de Meleitay onde estaua o principe do Auaa cõ trinta mil homẽs, & do que socedeo nesta yda.
  38. [2220](Cap. 156) E com esta determinaçaõ se partio logo este tyranno Bramaa em busca desta gẽte que estaua no Meleitay, & leuou comsigo hũ exercito de trezentos mil homẽs, os duzentos mil por terra ao longo do rio, de que hia por capitão o Chaumigrem seu colaço, & os cẽ mil leuou elle em sua cõpanhia pelo rio em dous mil seroos, & todos huns & outros gente muyto escolhida.
  39. [2223](Cap. 156) Logo apos isto os trinta mil Moẽs, assi fechados como estauão nas tres batalhas, arremeterão cos inimigos com grandissimo impeto, & como neste tẽpo, por causa da peleja que tiuerão cõ a chuzma os acharão cançados, & muytos delles mortos, & outros muytos feridos, a batalha foy entre elles tão cruel & tão desacustumada, que por me não deter em particularizar cousa em que parece que pode auer duuida, não direy desta mais, senão que dos trinta mil Moẽs não escaparão mais que sós oitocentos, os quais assi feridos & desbaratados se recolherão ao Meleytay, deixando no campo dos duzentos mil do Rey do Bramaa os cento & quinze mil mortos, & os outros quasi todos feridos.
  40. [2224](Cap. 156) Neste tẽpo o tyranno Bramaa que vinha pelo rio nos dous mil seroos, chegou ao lugar onde fora a peleja, & vendo o estrago que os Moẽs nos seus tinhaõ feito, ficou como atonito & fora de sy, & desembarcando em terra, pós logo cerco â fortaleza com determinação, como elle dezia, de tomar âs mãos viuos os oitocẽtos que estauão nella.
  41. [2225](Cap. 156) Este cerco se cõtinuou sete dias em que os de fora lhe derão cinco assaltos, & os oitocẽtos se defenderaõ sempre valerosamente; porem vendo que era chegada a derradeyra hora de suas vidas, & que não podião sustentar por seu Rey a fortaleza como sempre cuydaraõ, pelo socorro da gente de refresco que o Bramaa trouxera na armada, querendo que fosse delles o que fora dos outros se determinarão como esforçados que erão de irẽ morrer ao campo como fizeraõ seus companheyros, & vingarẽ suas mortes com as de seus inimigos, visto como dentro se não podião aproueitar de seus esforços como desejauão, & que a artilharia do Bramaa os hia cõsumindo poucos a poucos.
  42. [2227](Cap. 156) Esta peleja duraria pouco mais de hum quarto de hora, & não se acabou senão despois que os 800. Moẽs foraõ de todo consumidos, sem auer nenhũ que se quisesse dar a partido, & vendo o tyrãno Bramaa a peleja acabada, & a cousa jà de todo quieta, se tornou a recolher ao campo, & ajuntando outra vez a gẽte, entrou na fortaleza de Meleitay, onde mandou logo cortar a cabeça ao Xemim, dizẽdo que elle fora causa daquelle desastre que lhe acõtecera, porque quem fora tredro ao seu Rey não lhe podia a elle ser muyto leal, & este foy o pago que o tyranno lhe deu por lhe entregar a cidade do Prom, mas bem deuido a quẽ entregou seu Rey & a sua mesma patria em poder de seus inimigos.
  43. [2229](Cap. 157) Do que socedeo a este Rey Bramaa atê chegar â cidade do Auaa, & do que ahy mais fez.
  44. [2231](Cap. 157) E feita ressenha de toda a copia dos mortos de ambas as partes que tinha custado esta vinda ao Meleytay, se achou que da parte do Bramaa erão cento & vinte & oito mil, & da do principe filho do Rey do Auaa quarenta & dous mil em que entrarão todos os trinta mil Moẽs do socorro.
  45. [2232](Cap. 157) Isto feito, o tyranno Bramaa despois de fortalecer a cidade do Prom, & esta fortaleza do Meleytay, & criar de nouo outras duas fortalezas á borda do rio, em lugares importantes à segurança daquelle reyno, se partio em mil seroos ligeyros de remo pelo rio de Queitor acima, nos quais leuou setenta mil homẽs, com determinação de yr em pessoa espiar o reyno do Auaa, & dar de sy hũa mostra à cidade, para ver cos olhos as forças della, & que poder aueria myster para a tomar, & a cabo de vinte & oito dias deste caminho, dentro nos quais passou por lugares muyto nobres do Rey do Chaleu, & Iacuçalão que estauão â borda da agoa, sem tratar de nenhum delles, chegou a esta cidade do Auaa aos treze dias de Outubro deste mesmo anno de 1545. sobre o porto da qual esteue treze dias sem fazer mais dano que somente queimar duas ou tres mil embarcaçoẽs de seruiço que achou no porto, & pòr fogo a algũas aldeas que ao redor estauão, o que lhe não custou tão barato, que não chegasse a despeza destes saltos a oito mil dos seus, em que entraraõ sessenta & dous Portugueses, porque ja neste tempo que aquy chegamos estaua tudo muyto bẽ prouido, & a cidade alẽ de ser forte, assi por sitio como por fortificação, estaua apercebida de vinte mil Moẽs, dos quais se dezia que auia sós cinco dias que erão chegados dos montes de Pondaleu, onde o Rey do Auaa, com licença do do Siammon Emperador desta Monarchia, ficaua fazendo mais oitenta mil homẽs para tornar a ganhar o Prom, porque sendo este Rey do Auaa certificado da deshonra & morte de sua filha & de seu genro, como atras fica dito, & vendo que por sy não era poderoso para se satisfazer das offensas & males que este tyranno lhe tinha feitos, & segurarse dos que temia que ao diante lhe fizesse, que era tomarlhe o reyno, de que algũas vezes o tinha jâ ameaçado, se foy em pessoa com sua molher & seus filhos lançar aos peis deste Siammon, & dandolhe conta dos seus trabalhos & afrontas, & do proposito que leuaua, por hum concerto feito entre ambos se fez seu tributario em seiscentas mil biças cada anno, que da nossa moeda saõ trezentos mil cruzados, & hũa guanta de rubis, que he hũa medida como canada, para hũa joya de sua molher, do qual tributo dizem que lhe fez logo pagamento por dez annos dante mão, a fora outras peitas de pedraria muyto rica, & baixellas & peças que valerião mais de dous contos douro.
  46. [2233](Cap. 157) Pelo qual o Siammon se lhe obrigou de o tomar debaixo do seu emparo, & se pór em pessoa em campo por elle todas as vezes que lhe fosse necessario, & o restituyr no reyno do Prom dentro de hum anno, para o que lhe logo deu cento & trinta mil homẽs, os trinta mil do socorro que o Bramaa tinha morto no Meleitay, & os vinte mil que aquy estauão nesta cidade, & os oitenta mil porque se esperaua, de que o mesmo Rey do Auaa vinha por general.
  47. [2234](Cap. 157) Pelo que sendo este tyranno auisado de todas estas cousas, temendo poder ser esta â mais certa occasião de se perder que todas as outras de que se podia arrecear, se tornou logo a fortificar o Prom com muyto mayor instancia do que até então tinha feito, porem antes que se partisse daquelle rio onde estaua surto, que seria hũa legoa desta cidade do Auaa, mandou o Bramaa seu tisoureyro por nome Dio soray (em cujo poder eu atras jâ disse que estauamos os oito Portugueses catiuos) por embaixador ao Calaminhan, que he hũ principe de grãde poder que habita no amago deste sertão em muyta distancia de terra, do qual adiante tratarey hum pouco quando vier a dar informaçaõ delle, paraque por liga & contrato de noua amizade se fizesse seu irmão em armas, offerecendolhe por isso certa quantidade douro & pedraria, & rendimentos de algũas terras comarcãs ao seu reyno, paraque este Calaminhan entretiuesse com guerra ao Siammon o verão seguinte, com que não pudesse soccorrer o Rey do Auaa, & lhe ficasse a elle mais facil poder tomar esta cidade, sem receyo deste socorro de que se temia.
  48. [2236](Cap. 157) E entre algũas merces que o Rey Bramaa fez nesta yda a este seu embaixador, hũa dellas foy darlhe a nós todos oito, com que dahy por diante ficamos catiuos deste tisoreyro, o qual nos vestio & nos proueo de todo o necessario em muyta abastança, & se mostrou muyto contente de nos leuar comsigo, & fez sempre de nòs muyta mais conta que de todos os outros que leuaua em sua companhia.
  49. [2238](Cap. 158) Pareceome razão & cõueniente às cousas de que vou tratando apartarme agora hum pouco deste tyranno Bramaa, ao qual me tornarey a seu tempo, para tratar do caminho que fizemos daquy para a cidade de Timplão metropoli deste imperio Calaminhan, que quer dizer, senhor do mundo, porque na sua lingoa, cala, he senhor, & minhan he mundo, & por outra via se intitula tambem, absoluto senhor da força bruta dos elifantes da terra, porque na verdade este o he mais que outro nenhum em todo o vniuerso como adiante se dirâ.
  50. [2327](Cap. 162) Aquy chegou hum homẽ num seroo ligeiro, & disse ao Embaixador que fosse surgir ao diuão de Campalagrau, que era hum dos dous castellos que estaua da banda do Sul, para mostrar aly a carta que leuaua do seu Rey para o Calaminhan, & se ver se vinha na forma ordinaria com que se lhe custuma a falar, o que o Embaixador logo fez, & desembarcando em terra, entrou em hũa grande casa, onde estauão tres homẽs assentados a hũa mesa acompanhados de outra muyta gente nobre, os quais o receberaõ com gasalhado, & preguntandolhe o que queria como homẽs que naõ sabiaõ o a que vinha, lhes respõdeo elle que era Embaixador do Rey do Bramaa senhor do Tanguu, & trazia hũa embaixada para o santo Calaminhan sobre cousas muyto importantes a seu estado.
  51. [2351](Cap. 163) De que maneyra este Embaixador do Rey do Bramaa foy recebido no dia da sua entrada, & da grande magestade & aparato das casas do Calaminhan.
  52. [2371](Cap. 163) Esta velha preguntou ao Monuagaruu que queria, ou porque tangera o sino, & elle lhe respondeo com acatamento, que trazia aly hum embaixador do Rey do Bramaa senhor do Tanguu, para tratar ao pé do Calaminhan algũas cousas importantes ao seu seruiço; da qual reposta a velha, pela grande autoridade de sua pessoa, mostrou que não fazia caso, de que todos ficamos espantados, por ser o que lhe falaua o principal senhor do reyno, & tio, segundo se dezia, do Calaminhan, & hũa das seys moças respondeo ao Monuagaruu pela senhora, & lhe disse, espere esse embaixador & vossa grandeza com todos os mais que vẽ com elle até se saber se he tempo para podermos beijar os peis a esta tribuna do senhor do mundo, & denũciar a seus ouuidos a vinda desse estrangeyro, & conforme à merce que nosso Senhor Deos nisso nos quiser fazer, assi se alegrarâ o seu coração & os nossos com elle.
  53. [2391](Cap. 164) A este templo foy o Embaixador cinco vezes, assi a ver cousas de grande admiração como a ouuir a doutrina dos que pregauão, & de tudo o que aquy passou vio, & ouuio, leuou hum volume de patranhas escritas ao Rey do Bramaa, que despois em Pegù mandou que se pregasse nos pulpitos de todas as brallas do reyno, como inda oje se faz, do qual eu trouxe o treslado a este reyno, que hũ Florentino me pedio emprestado, & querendoo eu tornar a auer à mãe, mo fez perdidiço, & o leuou comsigo a Florença, & o presentou ao duque da Toscana, o qual me disserão que o mandara imprimir cõ titulo de crenças nouas da gentilidade do cabo do mundo.
  54. [2412](Cap. 165) Este lhe deu a reposta do Calaminhan acompanhada de hum rico presente em retorno do que o Rey do Bramaa lhe mandara, & lhe escreueo hũa carta que dezia assi.
  55. [2415](Cap. 165) Porem antes que trate do caminho que fizemos daquy para Pegù, onde el Rey do Bramaa então residia, me pareceo cõueniente & necessario dar informaçaõ dalgũas cousas que vimos nesta terra; o qual farey com a mayor breuidade que puder, como fiz em todas as outras cousas de que tenho tratado, porque se ouuera de tratar particularmente de tudo o que vy & passey, assi neste imperio como nos mais reynos em que me achey nesta minha triste & trabalhosa peregrinação ouuera mister outro volume muyto mayor que este, & outro saber, habilidade & engenho muyto acima do que em mim ha, o qual eu conheço por muyto baixo & muito grosseyro, como ja muytas vezes tenho dito & cõfessado.
  56. [2417](Cap. 165) O reyno de Pegù tem de costa cento & quarẽta legoas, a qual estâ em dezasseis graos da banda do Sul, & pelo amago do sertaõ ao rumo de Leste, tẽ cento & trinta legoas, por cima do qual estâ cingido de hũa grande faixa de terra por nome Panguassirau, em que habita a nação Bramaa, que tem oitẽta legoas de largo, & duzẽtas de comprido, cuja monarchia foy antigamente toda hũ sò reyno, & agora o não he, porque está diuidida em treze estados de senhores que se leuãtaraõ com elles, matando primeyro o Rey com peçonha em hũ banquete que lhe deraõ na cidade Chaleu, segundo se conta nas suas historias.
  57. [2469](Cap. 167) Do mais caminho que fizemos atê chegarmos a Pegú onde estaua o Rey do Bramaa, & da morte do Roolim de Mounay.
  58. [2475](Cap. 167) O Embaixador auisou logo daquy o Rey do Bramaa por hũa carta sua, & lhe deu conta de tudo o que lhe socedera, assi na viagẽ como neste desastre, & el Rey proueo logo nisso, mandando com muyta presteza hũa armada de cento & vinte seroos com gente muyto escolhida, em que foraõ cem Portugueses, a qual foy em busca deste ladraõ, & quando lâ chegou, tinha elle ja os trinta seroos com que nos cometera varados em terra, & elle com todos os seus estaua metido em hũa fortaleza a qual tinha cheya de muytas presas que tinha feitas em muytos pouos de todas aquellas comarcas.
  59. [2476](Cap. 167) Os nossos puseraõ logo cerco á fortaleza, & no primeyro assalto que lhe derão a entrarão com morte de algũs Bramaas, & de hum só Portuguez, mas muytos ficarão feridos de frechadas, de que em poucos dias foraõ saõs sem perigo nem aleijão de nenhum delles; & entrada a fortaleza, toda a gente della foy metida á espada sem se dar vida mais que ao ladraõ, & a cento & vinte homẽs de sua companhia, os quais trouxeraõ viuos ao Rey do Bramaa, o qual na cidade de Pegû mandou a todos lãçar aos elifantes, que em pouco espaço os esborracharaõ & fizeraõ em muytos pedaços.
  60. [2478](Cap. 167) Despois que o Embaixador aquy em Martauão conualeceo das feridas que ouuera na briga, se partio para a cidade de Pegù, onde naquelle tempo, como atras fica dito, o Rey do Bramaa residia com toda sua corte, o qual sabẽdo da sua chegada, & da carta que trazia do Calaminhan em que lhe aceitara a liga da sua amizade o mãdou receber pelo Chaumigrem, seu colaço & seu cunhado, acompanhado de todos os grandes, & com hũa mostra de quatro batalhoẽs de gente estrangeyra, em que entrauão mil Portugueses, de que era capitão hum Antonio Ferreyra natural de Bragãça, homem de grandes espritos, & a quem este Rey daua doze mil cruzados de partido, a fora merces particulares que montauão quasi outro tanto.
  61. [2479](Cap. 167) Vendo o Rey Bramaa como Deos nesta noua liga lhe satisfizera seu desejo, querendo lhe dar graças por tamanha merce, mandou fazer por todo o pouo muyto grandes festas, & nas brallas de suas gentilicas seitas sacrificios de fumos cheyrosos em que se degolaraõ mais de mil veados, & porcos, & vacas, que se derão de esmola aos pobres, a fora outras obras de caridade, como foraõ darse de vestir a cinco mil pobres, & darse liberdade a mais de mil presos com quita de muyto dinheyro.
  62. [2498](Cap. 168) E chegados ao lugar onde se queimara o Roolim, despois de algũas cerimonias gentilicas, feitas & ditas ao seu modo, conforme ao tempo, & ao sentimento que todos mostrauão, hum talagrepo Bramaa de nação, tio del Rey irmão de seu pay, auido no comum do pouo por mais entendido que todos, & que por isso fora escolhido para o sermão daquella hora, se subio num agrem, que era o pulpito, & despois que no introito tratou da vida, & louuores do morto, com razoens & palauras enfeitadas a seu proposito, se aferuorou de maneyra, que virandose para el Rey cõ as lagrimas nos olhos, leuantando hũ pouco a voz paraque fosse bem ounido, lhe disse: Se os Reys que no tempo dagora gouernão, ou por fallar mais verdade, tyrannizão a terra, cuydassem quão depressa lhe ha de vir esta hora, & com quanto rigor de justiça hão de ser castigados da mão poderosa do alto Senhor pelos crimes & insultos da sua tyrannica vida, quiçá que lhes fora milhor pacerem nos campos como os brutos, que vsarem de suas vontades tão absolutamente, & tanto contra razão, & serem crueis para as mansas ouelhas, & froxos no castigo dos males daquelles a que quiserão dar nome de grandes.
  63. [2514](Cap. 168) E sem fazerem mais detença despidio logo el Rey o Chaumigrem seu colaço, a que então deu titulo de Coutalanhaa, que he irmão del Rey, por yr mais honrado, o qual se partio com cem laulees de remo, em que foy a flor da gẽte Bramaa, com os noue defindores da eleição, & foy buscar o nouamẽte eleito ao lugar onde estaua, donde o trouxeraõ com muyta autoridade, & veneração; & chegando dentro de noue dias da sua partida, a hum lugar que se chamaua Tagalaa, cinco legoas desta ilha Mounay, el Rey em pessoa o foy buscar com todos os grãdes da corte, a fora a outra gente que era quasi infinita, em mais de duas mil embarcaçoẽs de remo.
  64. [2550](Cap. 170) Do que este Rey Bramaa fez despois que chegou â cidade de Pegû, & como mãdou sobre a cidade Sauady, & do que ahy nos aconteceo a os noue Portugueses.
  65. [2551](Cap. 170) Passados vinte dias despois que este Rey Bramaa chegou â cidade de Pegù, vendo que na carta que o seu Embaixador lhe trouxera do Calaminhan lhe dezia elle que por seu Embaixador tomaria com elle conclusaõ na liga que ambos querião fazer nouamente contra o Siammõ, & que esta se não podia ja effeituar aquelle verão, pelo muyto que ainda auia que fazer nisso, & que para yr tambem sobre o reyno do Auaa, como desejaua, não era ja tempo, determinou de mandar este seu colaço (a quem, como atras fica dito, tinha dado titulo de seu irmão) sobre a cidade do Sauady, que era daly cento & trinta legoas contra o Nordeste.
  66. [2763](Cap. 185) Como o Rey do Bramaa emprendeo tomar este reyno Sião, & do que passou atè chegar â cidade de Odiaa.
  67. [2767](Cap. 185) Sendo informado o Rey do Bramaa, que neste tempo reynaua tyrannicamente em Pegù, do triste estado em que estaua este imperio Sornau; & como todos os grandes delle eraõ mortos por causa dos successos atrâs contados, & que o nouo Rey era homem religioso, sem ter nenhum conhecimento das cousas da guerra, nem pratica algũa das armas, & de sua natureza pusillanimo, & sobre tudo muyto tyranno & mal quisto do pouo, tomando conselho cos seus na cidade de Anapleu onde entaõ residia, sobre esta taõ importante empresa, lhe disseraõ todos que por nenhum caso a deixasse, visto ser aquelle hum reyno dos milhores do mundo, assi em riqueza como em abundancia de todas as cousas, & o fauor que então tinha do tempo & da conjunção lho estauão prometendo taõ barato, que segundo parecia não lhe podia custar mais tomallo que o rendimẽto de hum anno, por muyto que quisesse despender dos seus tisouros, & que tomandoo, ficaua sendo com elle Monarcha dos Emperadores do mundo, & com a honra daquelle supremo titulo de senhor do elifante branco, pela qual causa necessariamente lhe auião de obedecer todos os dezassete Reys do Capimper que nelle professauão as leys das suas verdades; & por suas terras, & cõ suas ajudas podia passar em dez ou doze dias á China, onde se tinha por certo que estaua aquella grande cidade do Pequim, perola sem preço em todo o mundo, & sobre a qual o grande Tartaro, & o Siammon, & o Calaminhan tantas vezes se tinhaõ posto em campo com grossissimos exercitos.
  68. [2768](Cap. 185) Ouuindo o Rey do Bramaa todas estas razoẽs & outras muytas que os seus lhe deraõ neste conselho, pondolhe sempre em todas diante o interesse, que he hũa força a que ninguem se defende, se determinou em tomar esta empresa que os seus lhe aconselhauão; & para effeito disto se passou a Martauão, onde em tempo de dous meses & meyo ajuntou hum campo de oitocentos mil homẽs, em que auia cem mil estrangeyros, dos quais os mil eraõ Portugueses, de que era capitão Diogo Soarez Dalbergaria que de alcunha se chamaua o Galego, o qual fora deste reyno para a India no anno de 1538. na armada em que foy o Visorrey dom Garcia de Noronha na nao Iunco, de que era capitão Ioaõ de Sepulueda de Euora, que hia prouido em capitão de Çofalla.
  69. [2769](Cap. 185) O qual Diogo Soarez ja neste tempo, que foy no anno de 1548. tinha deste Rey Bramaa duzentos mil cruzados de rẽda, com titulo de seu irmão, & gouernador do reyno de Pegù.
  70. [2772](Cap. 185) E pondolhe o Rey Bramaa cerco, lhe deu tres assaltos a escalla vista, cometendoa toda em roda com muytas escadas que ja para isso trazia, & não a podendo entrar daquella vez pela grande resistencia que achou nos de dentro, se veyo retirando para a parte do rio, onde por conselho de Diogo Soarez, que era general do cãpo, & por quẽ se elle gouernaua, a bateo com quarenta peças de artilharia grossas, de que a mayor parte tiraua ferro coado, & derrubandolhe hum lanço de muro de doze braças, a cometeo com dez mil estrangeyros em que entrauão muytos Turcos, Abexins, Mouros Malauares, & os mais Achẽs, Iaos, & Malayos, & trauandose entre huns & outros hũa aspera briga, em espaço de quasi meya hora os de dentro, que erão seis mil Siames, forão todos consumidos, sem nenhum delles se querer entregar, & o Bramaa perdeo dos seus quasi tres mil, de que mostrou sentimento; & para se satisfazer deste dano, mandou meter á espada todas as molheres, que pareceo muito grande crueldade.
  71. [2773](Cap. 185) E partindose daquy para a cidade do Sacotay, que estaua daly noue legoas, desejoso de se satisfazer nella mais à sua vontade, chegou à vista della hum sabado quasi sol posto, & se alojou ao longo do rio Leibrau (que he hum dos tres que saem do lago do Chiãmay, do qual ja atras tenho feito menção) cõ proposito de fazer por aquella parte seu caminho para a cidade de Odiaa que he a metropoly do imperio Sornau, onde tinha por nouas que o nouo Rey então estaua, & que se fazia prestes para pelejar com elle no campo, com a qual noua o Rey Bramaa foy aconselhado que por nenhum caso se detiuesse em lugar nenhũ, assi por não gastar o tempo, como por se não desfazer do poder que leuaua, visto estar ja toda a terra amotinada, & as forças que se pretendião tomar tão fortificadas, que seria possiuel deterse tanto nellas, & custaremlhe taõ caro, que ja quando chegasse a Odiaa leuaria a mayor parte da gente consumida, & os mantimentos de todo gastados.
  72. [2776](Cap. 186) Como el Rey do Bramaa deu o primeyro assalto a esta cidade Odiaa, & do successo delle.
  73. [2777](Cap. 186) Avendo jà cinco dias que el Rey do Bramaa era chegado a esta cidade, em todos elles ouue assaz de trabalho, assi no preparar das tranqueiras & vallos, como em prouer as mais cousas necessarias a este cerco, & em todo este tempo nunca os de dentro fizerão de sy nenhum mouimento.
  74. [2785](Cap. 186) E formando hum esquadraõ de mil & duzentos, em que entrauão algũs Abexins, & Ianiçaros, subirão com grande grita pelas escadas acima ao muro, que jâ neste tempo estaua, como disse, pelo Rey do Bramaa, & tinha muyta gẽte encima.
  75. [2787](Cap. 186) Sendo os Turcos decidos todos embaixo no terreyro, ordenarão de quebrar as portas com duas vigas ferradas que jâ para isso leuauão, & estando occupados no effeito desta obra, confiados que elles sós auião de ser os que ganhassem as mil biças douro que el Rey tinha prometidas a quem lhe abrisse as portas, deraõ nelles tres mil Iaos amoucos tão determinadamente, que em pouco mais de tres ou quatro credos nem hum só Turco ficou em pé, & não contentes com isto, subindo logo acima ao muro com aquelle feruor com que estauão, como todos hião encarniçados, & cheyos do sangue dos Turcos que deixauão mortos, deraõ na gente do Bramaa que estaua encima tanto sem medo, que nenhum ousou a lhe ter o rosto direito, de maneyra que os que milhor então liuraraõ foraõ os que se arremessaraõ embaixo.
  76. [2788](Cap. 186) Não foy isto parte paraque o Rey Bramaa quisesse então desistir daquelle assalto, mas querendoo intentar de nouo, parecẽdolhe que os elifantes por sy sós bastauão para lhe fazer liure aquella entrada, se veyo outra vez chegando para o muro.
  77. [2789](Cap. 186) Ao rebate disto o Oyaa Passiloco, capitão general da cidade, acudio com muyta pressa para aquella parte, acõpanhado de quinze mil homẽs que trazia comsigo, de que a mayor parte eraõ Lusoẽs, Borneos, & Champaas, cõ algũa mistura de Menancabos, & mandou abrir as portas por onde o Bramaa pretendia fazer entrada, & lhe mandou dizer, que elle tinha ouuido que sua alteza prometera de dar mil biças douro a quẽ lhe abrisse aquellas portas, que elle lhas tinha jâ abertas, que poclia entrar cada vez que quisesse, com tanto que cumprisse com elle sua palaura como Rey grandioso que era, cõ lhe mandar as mil biças, porque estaua esperando aly por ellas para as receber.
  78. [2790](Cap. 186) O Rey Bramaa entendendo a zõbaria deste recado, não lhe quiz responder, mostrando que não fazia caso do Oyaa Passiloco, & mandou apertar o assalto com muytá furia, pelo qual a briga se acendeo entre hũs & outros de tal maneyra que era cousa medonha de ver, & com este impeto & força durou mais de tres horas, no qual tempo as portas ambas foraõ quebradas, & a cidade por duas vezes entrada, o que vendo o nouo Rey de Sião, & auendo que já tudo estaua quasi perdido, acudio muito depressa com toda a gente que tinha comsigo, que serião quasi trinta mil homens dos milhores que auia em toda a cidade, com cuja vinda se acẽdeo a briga muyto mais do que antes era por outro espaço de mais de meya hora, da qual confesso que não me atreuo a saber dizer o como passou, porque pela terra corrião rios de sangue, o âr ardia em fogo viuo, grita & a reuolta era tamanha que a terra parecia que se fundia, o desentoamento, & a dissonancia dos barbaros instrumentos, dos apupos, dos sinos, dos tambores & sestros, o estrondo da artilharia, & espingardaria, os vrros dos cinco mil elifantes metião tamanho medo que quasi fazião perder o sentido, & o terreyro da banda de dentro da cidade (que jà estaua pelo Bramaa) cuberto todo de corpos mortos, & com rios de sangue por todas as partes, era hum tão horrendo espectaculo, que só a vista delle nos trazia tão pasmados, que andauamos como fora de nòs.
  79. [2796](Cap. 187) E nũa sesta feira à meya noite escura, chuuosa, & mal assõbrada, o Rey Bramaa mãdou desparar por tres vezes toda a artilharia do cãpo, que, como cuydo que jâ disse, eraõ cento & sessenta peças grossas, de que a mayor parte lançaua ferro coado, & outra muyta miuda de falcoens, berços, caẽs, & mosquetes, que passauão de mil & quinhentas, a qual desparando tres vezes toda juntamente, fez hum tão horrendo & medonho terremoto, que com verdade me parece que posso dizer que só no inferno pode auer cousa semelhãte a esta, mas na terra não, porque por muyto que o entendimento disto imagine, fica sendo nada em comparação do que realmente passou, porque neste tempo não sómente atirauão estas peças de artilharia grossa & miuda que tenho dito, mas juntamente com ella desparauão tambem todos os tiros de fogo quantos auia de dentro & de fora de qualquer qualidade que fossem, que serião quasi cem mil por todos, porque este Bramaa, como ja disse, tinha sessenta mil espingardeyros, & na cidade auia mais de trinta mil, a fora sete ou oito mil falcoens, & berços, & roqueyros de ferro, pois, ver, como digo, tudo isto desparar por espaço de mais de tres horas continuas, juntamente cos trouoens, cos relampados, & com a tempestade da noite, era cousa nunca vista, nem ouuida, nem lida, nem imaginada, & quasi para se não poder crèr; de maneira que toda a gente andaua neste tempo como fora de sy, hũs arremessãdose cos peitos em terra, outros metendose em couas, outros escondẽdose por detras das paredes, outros em poços, outros em tanques, & outros mergulhados no rio cõ receyo da multidão dos pilouros, que eraõ tão bastos, que algũas vezes se quebrauão no ar hũs cos outros.
  80. [2799](Cap. 187) Porque como a gẽte se refrescaua muytas vezes em ambas as partes, & a contumacia do Rey Bramaa era grandissima, andando elle mesmo em pessoa no meyo dos seus, animãdoos cõ muitas palauras, & cõ promessas de muitas merces, a cousa foy em tãto crecimẽto, que de não me atreuer a dizer a menos parte do que aquy passou, deixo ao entendimento de cada hũ imaginar o que podia ser.
  81. [2800](Cap. 187) Passadas mais de quatro horas despois de meya noite, sendo então ja os castellos de todo queimados & rasos co chaõ, com hum brasido tão brauo que a tiro de pedra não auia quẽ o pudesse esperar, o Rey Bramaa mandou retirar os seus a requerimento dos capitaẽs da gente estrãgeyra, por terem todos a mayor parte della ferida, na cura da qual ouue bem que fazer todo o dia seguinte & parte da noite.
  82. [2801](Cap. 188) Como o Rey Bramaa aleuantou este cerco por nouas que lhe vierão de hum aleuantamento que ouuera no reyno de Pêguu, & do que sobre isso fez.
  83. [2807](Cap. 188) E fazẽdo pòr o fogo a todas as tranqueyras & estancias do arrayal, se partio para a cidade de Martauão hũa terça feira cinco dias de Oitubro do anno de 1548. & caminhando apressadamente por suas jornadas, em dezassete dias chegou a ella, onde mais largamente foy informado pelo Chalagonim seu capitão, de tudo o que era passado no reyno, & do modo que o Xemindoo tiuera em se fazer Rey, & tomarlhe o tisouro cõ morte dos quinze mil Bramaas; & que nas cidades de Digum, Surião, Dalaa, atè Danapluu tinha alojados quinhentos mil homens, com tençaõ de lhe impidir cõ elles a entrada no reyno, com a qual noua o Rey Bramaa se achou muyto embaraçado, & perafusando comsigo no modo que teria para remediar esta desauentura que tinha por dauãte, se deixou estar aly em Martauão mais algũs dias esperando pelo restãte da sua gente que vinha atras, com proposito de tanto que chegasse yr buscar este inimigo, & aueriguarse com elle por batalha campal, & em sós doze dias que aquy se deteue lhe fugirão de quatrocentos mil homens que aquy tinha comsigo, os cento & vinte mil; porque como todos eraõ Pegùs, & todos desejauão de se verem liures da sojeição dos Bramaas, & o Xemindoo nouo Rey era Peguu como elles, & de condição muito grandioso & liberal em lhes fazer muitas merces, a fora as pagas ordinarias dos seus soldos, & alem disto era manso & afabel para os seus, & tão bem inclinado & largo para todos que nenhũa cousa lhe pedião que logo a não concedesse, cõ isto tinha ganhado tanto as võtades a todos, que nenhũ auia que se não passasse para elle.
  84. [2808](Cap. 188) E temẽdo o Rey Bramaa que esta falta que agora tinha da sua gẽte fosse cada dia mais em crecimẽto, foy aconselhado pelos seus que não se detiuesse aly mais hum só dia, porque entendido estaua que quanto mais aly esperasse, tanto mais se lhe auia de deminuyr o poder que tinha, pois a mayor parte da sua gente, ou quasi toda era Pegua que lhe auia de ser muyto pouco fiel.
  85. [2809](Cap. 188) A el Rey lhe pareceo bẽ este conselho, & se partio logo para Peguu, onde teue por nouas que o Xemindoo o estaua esperando, o qual sẽdo auisado da vinda del Rey, tambem se fez prestes para o esperar, & chegados á vista hum do outro assentaraõ ambos seus arrayaes num campo muito grande que se dezia Machão duas legoas da cidade Peguu, o Xemindoo com seiscẽtos mil homẽs, & o Bramaa cõ trezentos & cinquẽta mil.
  86. [2811](Cap. 188) Porem deixemolo agora yr que a seu tempo tornaremos a elle, & tornemonos ao Bramaa, que estaua assaz contẽte cõ a vitoria que alcançara; o qual logo ao outro dia pela menham se veyo marchando para a cidade de Peguu que estaua daly duas legoas como atras disse, a qual se lhe entregou com lhe ficarem saluas as vidas & as fazendas dos moradores, onde logo proueo em curar a gente ferida.
  87. [2812](Cap. 188) E os que morreraõ na batalha da parte do Rey Bramaa foraõ sessenta mil homens, nos quais entraraõ duzentos & oitenta Portugueses, & todos os mais ficaraõ muyto feridos.
  88. [2814](Cap. 189) Por quanto ategora tratey do successo que teue esta ida do Rey do Bramaa ao reyno de Sião, & do aleuantamẽto do reyno de Pegù, pareceme que não virá fora de proposito tratar aquy, inda que breuemente, do sitio, grandeza, abastança, riqueza, & fertilidade que vy neste reyno de Sião & imperio Sornau, & quanto mais proueitoso nos fora telo antes senhoreado que tudo quanto temos na India, & com muyto menos custo do que ategora nos tem feito.
  89. [2835](Cap. 190) Do que mais socedeo no reyno de Pegû atè a morte do Rey do Bramaa & despois della.
  90. [2837](Cap. 190) Despois que o Rey Bramaa ouue em Pegù aquella grande vitoria cõtra o Xemindoo, como atras fica contado, com que ficou em posse pacifica de todo o reyno, a primeyra cousa em que entendeo foy em castigar os culpados no aleuantamento passado, em que cortou as cabeças a hũa grande quantidade de homens nobres, & capitaẽs, & senhores, & lhes confiscou todos os beẽs para a coroa, com que de ouro & de prata somente se affirmou que ouuera passante de dez contos douro, a fora muyta pedraria & baixellas ricas; onde, como então geralmente se dezia, pagaraõ muitos pelo peccado de hum sô.
  91. [2839](Cap. 190) Mas paraque a causa deste aleuantamento fique entendida dos curiosos, antes que vâ mais por diante não deixarey de dizer breuemente que este Xemindoo foy hum religioso Pegù de nação homem de geração nobre, & segundo algũs delle affirmauão, muyto parẽte do Rey passado, que este Bramaa tinha morto auia doze annos, como atras fica dito, o qual Xemindoo se nomeaua antes por seu proprio nome Xoripamsay, era de idade de quarenta & cinco annos, & de grandes espritos, & tido na opinião de toda a gente por homem santo, & era muyto douto nos estatutos & preceitos das suas gẽtilicas seitas, & com isto tinha muitas partes boas que o fazião ser tão agradauel aos ouuintes nos sermoẽs que fazia, que como se subia no pulpito, toda a gente se prostraua por terra dizendo a cada palaura que elle soltaua, pitarul axinão dauocoo Quiay Ampaleu, que quer dizer, certo que Deos he o que falla de ty.
  92. [2841](Cap. 190) E assi no tempo que o Rey Bramaa foy sobre o reyno de Sião, & após cerco à cidade de Odiaa, como atras fica dito, pregando o Xemindoo então na varella do Comquiay de Pegù, que he como See de todas as outras, a hum grande concurso de gente, lhe tratou com muytas palauras da perdição daquelle reyno, da morte do seu Rey natural, & dos grandes insultos, crueis mortes, & outros muytos males que os Bramas tinhão feito naquella nação Pegua, com tanto desacatamento & offensa de Deos, que até as casas ricas, instituidas com as esmollas dos bons para templos de seu louuor, erão ja por elles todas assolladas, & postas por terra.
  93. [2843](Cap. 190) Este, vendose aleuantado por Rey, a primeyra cousa que fez, foy com aquelle impeto & feruor do pouo, dar nas casas do Rey Bramaa, onde estauão cinco mil Bramaas, & os meteo a todos â espada, sem a nenhũ delles se dar a vida; & o mesmo fez despois a todos os outros que estauão alojados pelos lugares importantes do reyno; & com isto ouue tambem â mão o tisouro del Rey, que não era pequeno.
  94. [2845](Cap. 190) E as forças que estauão por elles, foraõ tomadas, & postas por terra, & em termo de sôs vinte & tres dias o reyno ficou todo pelo Xemindoo, & elle ajuntou quinhẽtos mil homẽs para pelejar co campo do Rey Bramaa quando acudisse a este aleuantamento, donde socedeo o que atras deixo contado.
  95. [2847](Cap. 190) Sendo (como eu jâ disse) este Rey Bramaa auisado do leuantamento da cidade de Martauão, & da morte dos seus dous mil Bramaas, proueo logo com toda a presteza em mandar vir todos os senhores do reyno com a gente que cada hum tinha de sua obrigação, & para isso lhes deu sós quinze dias de termo, porque a necessidade não sofria mayor dilação, & elle logo ao outro dia se partio aforrado desta cidade Pegù, paraque os seus fizessem o mesmo, & se foy alojar em hũa villa que se dezia Moucham, com fundamento de se deter ahy todos os quinze dias do termo.
  96. [2848](Cap. 190) E auendo ja seis ou sete que aly estaua, foy auisado que o Xemin de çatão, que era capitão de hũa cidade deste nome, que estaua daly cinco legoas, mandara em segredo hũa grande soma douro ao Xemindoo, & lhe fizera menagem daquella cidade, cõ a qual noua o Rey Bramaa ficou algum tanto embaraçado, & cuydando comsigo no meyo que teria para atalhar aquelle mal que se lhe aparelhaua, mandou chamar o Xemim de Çatão, que então estaua na cidade de que era capitão, com proposito de lhe mandar cortar a cabeça, o qual deitandose na cama, & fingindo que estaua doente, lhe respondeo, que como se pudesse leuãtar elle iria logo, & sospeitando, como homem culpado, o paraque era mãdado chamar, deu conta deste negocio a dez ou doze irmãos & parentes seus que aly tinha comsigo, os quais assentaraõ todos que pois não auia outro meyo mais certo de se saluarẽ que matarem el Rey, que logo sem mais detença o pusessem por obra, & ajuntando logo todos com muyto segredo & pressa todos os seus apaniguados, sem lhes declararem o para que era aquella junta, ajuntaraõ tambem outra algũa gente que trouxerão a si com muitas promessas que lhe fizerão, & de todos juntos fizerão hũa companhia de seiscentos homens.
  97. [2849](Cap. 190) E tendo por nouas que el Rey estaua então aposentado nas casas de hum pagode, deraõ nellas com muito impeto, em que a fortuna os fauoreceo de tal maneira que o acharão occupado em hũa necessaria, onde o matarão logo muito a seu saluo, & se vierão retirando todos juntos para hum terreyro que estaua fora, no qual, por que jâ a este tempo auia aluoroço na gente da guarda, & a traição era sentida dos que vigiauão, tiuerão hũa grãde briga por espaço de quasi meya hora, em que morreraõ de ambas as partes oitocentos homẽs, de que a mayor parte foraõ Bramaas; & retirandose o Xemim de Çatão cõ obra de quatrocentos dos seus, se foy marchando para hum lugar grande que se dezia Poutel, onde logo se veyo para elle toda a gente daquella comarca, a qual sabendo da morte do Rey Bramaa, a quem todos tinhão grandissimo odio, formou hũ grosso corpo de cinco mil homẽs, & se sahio em busca de tres mil Bramaas que o Rey aly trouxera comsigo, os quais jà a este tempo andauão espalhados por muitas partes, como pasmados & fora de si, pelo qual facilmente foraõ todos mortos naquelle mesmo dia, sem a nenhum se dar a vida, entre os quais foraõ tambem mortos oitenta Portugueses de trezentos que Diogo Soarez aly tinha comsigo, o qual cõ os mais que ficaraõ viuos se entregaraõ a partido por não terem outro remedio, & se lhes outorgou a vida com condiçaõ & juramento que lhe derão, que daly por diante seruiriaõ lealmente o Xemim de Çatão como a seu proprio Rey.
  98. [2859](Cap. 190) E tanto que a noite se cerrou voltando sobre a cidade que podia ser daly pouco mais de hũa legoa, recolheo muito depressa todo o tisouro do Rey morto, que se affirmou que passaua de trinta contos douro, a fora a pedraria que não tinha preço, & as molheres & filhos da gẽte Bramaa, & as armas & muniçoens que pode leuar.
  99. [2862](Cap. 190) Passados dous dias despois disto que tenho contado, souberaõ os cento & cinquenta mil Pegûs que o Rey Bramaa era morto, & como erão inimicissimos desta nação, fazendose os cẽto & vinte mil num corpo voltaraõ muito depressa em busca dos trinta mil Bramaas, & jà quãdo chegaraõ á cidade auia tres dias que eraõ partidos; & seguindoos com toda a pressa que puderaõ chegaraõ até hum lugar que se dezia Guinacoutel quarenta legoas adiante, onde acharaõ nouas que auia cinco dias que eraõ passados; pelo qual desesperando de effeituarem seu desejo, que era fazelos a todos em postas, se tornaraõ para donde tinhão partido.
  100. [2863](Cap. 190) E tomando conselho sobre o que farião de sy, assentaraõ, que pois não auia Rey natural, & a terra estaua jâ despejada da gente Bramaa, de se passarem para o Xemim de Çatão, & assi o fizeraõ logo, o qual os recebeo com muyto aluoroço & contentamento, & lhes prometeo muytas merces, & muytas honras & acrecentamentos no reyno tanto que o tempo desse de sy mais quietaçaõ.
  101. [2869](Cap. 191) Auia nesta cidade de Peguu hum mercador chamado Mambogoaa, homem rico & de nome na terra, o qual em tempo do Rey Bramaa passado, quando Diogo Soarez estaua na mayor força do seu mando & valia, com titulo de irmão del Rey, & supremo em todo o gouerno sobre todos os principes & senhores do reyno, veyo a tratar de casar hũa filha que tinha com hum mancebo filho de outro mercador honrado, & tambem muito rico, que se chamaua Manicamandarim.
  102. [2892](Cap. 192) Vendo Diogo Soarez que não auia remedio para se escusar a sua ida, quisera leuar cõsigo seis ou sete criados seus, mas nem isso lhe consintio o Chircaa dizendo, eu não faço mais que o que el Rey me manda, cuja vontade he ires tu só, & não irem sete, porque o tempo em que sohias andar tão acompanhado como te eu vy muytas vezes, ja passou, & ja se acabou no dia em que morreo o tyranno Bramaa que era o cano por onde tu te encheste de tamanha soberba como parece pelas tuas feas obras que oje te estão accusando diante de Deos.
  103. [2908](Cap. 192) E desta maneyra acabou o grande Diogo Soarez que a fortuna tanto tinha aleuãtado naquelle reyno de Pégù que chegou a ter titulo de irmão del Rey, que he aly o mais alto & supremo de todos, com duzentos mil cruzados de rẽda, & ser capitão geral de oitocẽtos mil homens, & gouernador supremo sobre todos os outros dos quatorze reynos que então senhoreaua o Rey do Bramaa, mas esta he a condição dos beẽs mundanos, principalmente dos mal aquiridos, serem sempre meyo & caminho de desauenturas.
  104. [2920](Cap. 194) Do que fez o Xemindoo despois de ter coroado por Rey de Pêguu, & como o Chaumigrẽ colaço do Rey do Bramaa veyo sobre elle com hũ grande exercito, & do successo que teue.
  105. [2922](Cap. 194) Correndo assi este reyno neste ditoso estado por espaço de tres annos & meyo, sendo informado o Chaumigrem colaço do Rey Bramaa que o Xemim de Çatão matou, como atras fica dito, que pelos aleuantamentos & guerras que despois da sua vinda ouuera em Péguu, era morta a principal gente do reyno, & que o Xemindoo que nelle então reynaua, estaua muyto falto de todos as cousas necessarias para a defensaõ delle, determinou tentar de nouo a mesma empresa em que antes, pelo successo da morte do seu Rey se tinha perdido.
  106. [2926](Cap. 194) E hũa terça feyra quatro dias de Abril ao meyo dia, sendo auisado que o campo dos inimigos estaua alojado ao lõgo do rio de Meleitay doze legoas daly, se deu tãta pressa que naquelle mesmo dia & noite seguinte toda a gente foy posta em ordenança, porque como já de mais tempo estaua prestes, & exercitada por seus capitaẽs, não ouue muyto que fazer em a ajuntarem, & ao outro dia âs noue horas se abalou todo este poder, & marchando ao som de infinitos estromentos de guerra não muyto apressado, se foy alojar aquella noite daly duas legoas junto do rio de Pontareu, donde não quiz passar mais adiante, & ao outro dia á tarde hũa hora antes do Sol posto, o Bramaa Chaumigrem lhe veyo aly dar vista de sy com hũa ala de gente tão grossa que occupaua quasi legoa & meya, em que auia setenta mil de cauallo, & duzentos & trinta mil de pè, & seis mil elifantes de peleja, a fora quasi outros tantos em que vinha a bagage & os mantimentos.
  107. [2929](Cap. 194) O Bramaa para passar o vao & pòrse da outra banda do rio num teso que a terra fazia junto de hũa ribeyra, & o Xemindoo para lho defender; sobre a qual requesta ouue algũas escaramuças em que morrerão de ambas as partes, mas não que passassem de quinhentas pessoas, & com isto se gastou a mayor parte daquelle dia todo.
  108. [2931](Cap. 194) Mas o Chaumigrẽ como mais pratico na guerra, entendendo o por onde então se podia ganhar, fingio que se lhe hia retirando, a modo de vencido, o que o Xemindoo não entẽdeo, mas como desejoso da vitoria esforçando os seus, foy seguindo a alcance por espaço de quasi meyo quarto de legoa, porẽ o Bramaa tornou então a voltar com toda sua gente, & deu nelle com grandissimo impeto, & com hũa grita tão espantosa que não sômente fez tremer os homẽs, mas tambem a terra, & todos os outros elementos, com que a peleja se tornou a renouar de tal maneyra que em muyto pequeno espaço o ar se vio ardendo em fogo, & a terra alagada em sangue, porque os capitaẽs & senhores Pegùs vẽdo seu Rey tão metido na força da batalha, & com mostras jâ de vencido, abalaraõ sem ordem nenhũa para o socorrerem, o que o Panousaray irmão do Bramaa tambem fez com quarenta mil homẽs, & dous mil elifantes, co qual encontro a sanguinolenta briga se acẽdeo de tal maneyra que não ha palauras cõ que na verdade se possa contar, & por isso não direy mais senão que sendo pouco mais de meya hora de sol, o campo dos nouecentos mil Pèguus foy de todo roto, com morte, segundo ahy se disse, de quatrocentos mil delles, & todos os mais, ou a mayor parte delles assaz feridos, & o Xemindoo por cõselho dos seus, desapareceo de entre elles.
  109. [2933](Cap. 195) De hum grosso motim que ouue no campo deste nouo Rey Bramaa, & da causa porque se leuãtou, & do successo delle.
  110. [2945](Cap. 195) E para isto, aquella mesma noite á meya noite mandou el Rey hum Bramaa de uallo ao bairro onde pousauão os Portugueses, os quais estauão com tanto receyo do saco, & da morte de todos como os mesmos Pèguus.
  111. [2946](Cap. 195) Chegado o Bramaa â cidade, & pregũtando em voz alta (por ser assi seu custume quando vem da parte do Rey) onde viuia o capitão dos Portugueses, o leuaraõ a sua casa, sem se saber o que podia ser isto.
  112. [2947](Cap. 195) E posto o Bramaa ante elle lhe disse, he tão proprio á natureza do alto Senhor que criou o firmamento de todos os ceos fazer homẽs bõs para remedio de males, como do aduersario dragaõ criar em seu peito espritos de motim inquieto para estoruar a paz que nos conserua em sua ley.
  113. [2949](Cap. 195) E para remedio desta desinquietação quiz Deos, que he pay da santa concordia, espirar no peito del Rey que sofresse este mal como prudente, paraque assi se pacificasse o tumulto & a reuolta destas tres inquietas naçoẽs que habitão no agro das serras dos Moẽs, aos quais Deos maldiga entre todas as gentes, & para effeito desta paz & quietação se fez hum concerto entre el Rey & os capitaẽs dos amotinados, jurado de ambas as partes, que el Rey por liurar esta cidade do saco que era prometido aos soldados lhes daria de sua fazenda, o que seis homẽs, juizes deputados para esta causa, determinassem por sua sentença, dos quais os quatro jà la estão, & para a copia dos seis ser cheya não faltão mais que tu & outro Portuguez que el Rey escolheo por sua parte, cujo nome vem escrito nesta carta; pela qual serâs certo disto que te digo, & logo lhe meteo na mão hũa carta que trazia do Rey Bramaa, a qual Gonçallo Pacheco tomou em joelhos, & a pós na cabeça com hũas cerimonias exteriores de tãta cortesia que o Bramaa ficou muyto satisfeito, & disse, bem sabia el Rey meu senhor quem tu és, pois te escolheo por juiz da sua honra, & da sua fazenda.
  114. [2954](Cap. 195) Gonçallo Pacheco & Nuno Fernandez cõ mais outros dez Portugueses que para isto foraõ eleitos, ordenaraõ logo hum presente de muytas peças ricas para leuarem a el Rey, & aquella mesma noite se foraõ em companhia do Bramaa que trouxera a carta, hũa hora ante menham, porque o tempo & a pressa de el Rey não sofrião nenhũa dilação.
  115. [2958](Cap. 196) E daquy os mandou logo leuar pelo mesmo Bramaa a hũa tenda onde jâ os outros quatro deputados estauão esperando por elles, co tisoureyro mór, & dous escriuaens.
  116. [2969](Cap. 197) Como foy achado o Xemindoo, & trazido ao Rey Bramaa & do que passou com elle.
  117. [2970](Cap. 197) Despois de auer vinte & seis dias que este Rey Bramaa estaua nesta cidade Pêguu pacificamente, entendeo logo primeyro que tudo em se apoderar das principaes forças do reyno, que ainda a este tempo estauão pelo Xemindoo sem saberem da sua rota.
  118. [2974](Cap. 197) O qual senhorio que este Bramaa com noua conquista agora tornou a ganhar, cuydo eu que he o milhor & mais abastado & rico de ouro, prata, & pedraria que se poderá achar em muyta parte do mundo.
  119. [2975](Cap. 197) Acabadas assi estas cousas tanto em fauor do Bramaa, mandou elle logo com muyta presteza por todas as partes muyta gente de cauallo em busca do Xemindoo, que, como se disse, escapara ferido da batalha passada; o qual foy tão mofino que foy conhecido num lugar que se chamaua Fancleu hũa legoa da cidade Potem, que diuide a raya do reyno Arracão, & foy trazido com grande aluoroço por hum homem baixo a este Rey Bramaa, que por isso o fez senhor de trinta mil cruzados de renda; & mandandoo vir logo perante sy assi preso como tinha co colar de ferro ao pesçoco, & com as algemas nas mãos, lhe disse a modo de desprezo, venhas embora Rey de Péguu, bem podes beijar esse chão, porque te affirmo que jâ nelle pus os peis, & por aquy verás quanto teu amigo sou pois te dou esta honra que tu nunca imaginaste, a que o Xemindoo não respondeo palaura nenhũa, & tornando el Rey a motejar do triste Xemindoo que estaua diante delle debruçado no chaõ, lhe disse, que he isso?
  120. [2979](Cap. 197) E apos isto caindo em terra de bruços pedio por duas vezes hũa pouca dagoa, a qual o Rey Bramaa, para o magoar mais, mandou que lhe desse hũa sua filha do mesmo Xemindoo que tinha catiua, a que dezião que o pay queria grandissimo bem, & a tinha já neste tempo do seu desbarato esposada co principe de Nautir filho do Rey do Auaa, esta moça em vendo seu pay da maneyra que estaua debruçado no chão, dizem que se lhe lançou aos peis, & abraçandose com elle despois de o beijar tres vezes na face lhe disse banhada em lagrimas: ò pay & senhor & Rey meu, peçouos pelo muito que sempre vos quiz, & me quisestes que me leueis assi como estou em braços com vosco, paraque neste amargoso transito tenhais quẽ vos console com hũ pucaro de agoa, ja que o mundo por peccados meus vos negou o respeito que se vos deuia, a que o pay cometendo algũas vezes a responder dizem que nunca pode, porque o grande amor que lhe tinha lhe impidia a falla, & caindo outra vez de bruços no chão, onde então ja estaua assentado, esteue esmorecido por hum grãde espaço, pelo que mouidos a cõpaixão delle algũs daquelles senhores que estauão presentes, se lhes arrasaraõ os olhos dagoa, o que vendo o Rey Bramaa, & que estes senhores erão Pèguus, que antes foraõ vassallos deste Xemindoo, desconfiãdo de suas lealdades, lhes mandou logo aly cortar as cabeças, dizendo com sembrante irado, ja que tanto vos doeis desse vosso Rey Xemindoo, ide diãte a lhe fazer as pousadas prestes, & lâ vos pagara esse amor que lhe tendes, & crecendolhe com isto mais a colera, mandou tambem logo aly matar a moça encima de seu pay, porque a vio abraçada cõ elle; crueldade certo mais que brutal, & mais que ferina que quer ainda impedir os affeitos da natureza.
  121. [2982](Cap. 198) Tanto que ao outro dia foy menham clara, se deraõ por toda a cidade grandes pregoẽs para que todo o pouo se achasse presente â morte deste desauenturado Xemindoo, Rey que fora de Pegû, & a razão porque o Bramaa isto fez foy, porque vendoo elles morto acabassem de desesperar de todo de o poderem ainda em algum tempo ter por Rey, como todos geralmente desejauão, & se pronosticauão, porque como elle era natural, & o Bramaa estrangeyro, temião grandemente que pudesse este Bramaa por tempo vir a ser tal como fora o passado, que o Xemim de Çatão matara, o qual em quanto reynou foy inimicissimo desta nação Pégua, & vsou cõ ella hũa tão desacustumada crueldade, que nũca passou dia que não mãdasse matar & degolar de quinhentos para cima, & às vezes quatro & cinco mil, & isto por casos muyto leues, & que por justiça, se fora verdadeyra, não merecião pena nenhũa.
  122. [2988](Cap. 198) Esta rigurosa justiça manda fazer o Deos viuo Senhor da verdade, de cujo santo corpo saõ peis os cabellos de nossas cabeças, que mãda que morra Xeri Xemindoo por vsurpador dos estados do graõ Rey Bramaa senhor do Tãguu: aos quais pregoens respondia a turba multa da gente que hia diante com hũa braueza de vozes taõ altas que metião medo, dizendo, faxio turque panau acontamidoo, que quer dizer, morra, sem se ter piedade do que tal cometeo.
  123. [3002](Cap. 198) E subido em hum grande cadafalso que para isto já aly estaua feito, o Chirca da justiça de cima de hum como pulpito em vozes muyto altas lhe leo a sentença, cuja forma se continha em muyto poucas palauras que dezião assi: Manda o Deos viuo de nossas cabeças, senhor da coroa dos Reys do Auaa, que morra o falso Xemindoo por amotinador dos pouos da terra, & mortal inimigo da naçaõ Bramaa, & batendo neste passo rijo com a mão, lhe cortou o algoz a cabeça de hum só golpe, o qual despois que a mostrou a toda a gente, que era sem conto, lhe fez o corpo em oito quartos, a fora as tripas, & as mais partes de dentro, que separadas por sy se puseraõ noutra parte, & cubrindo tudo com hum panno amarello que entre elles he dò, esteue assi até quasi sol posto que o queimaraõ da maneyra que logo se dirá.
  124. [3003](Cap. 199) Da restituição que este Rey Bramaa fez ao morto Xemindoo do reyno que lhe tomara, & da maneyra de que ele foi enterrado.
  125. [3005](Cap. 199) E neste tempo, despois de se quietar o tumulto & a vozaria da gente cos pregoẽs que sobre isso se lançaraõ por homẽs a cauallo, ameaçandoos cõ penas grauissimas, se derão por cinco vezes quinze pancadas num sino, ao qual sinal sayraõ de dẽtro de hũa casa de madeyra que estaua cinco ou seis passos afastada do cadafalso, doze homẽs com vestiduras pretas salpicadas de sangue, & cos rostos cubertos, & todos com suas maças de prata aos hombros, & tras estes outros doze sacerdotes, que elles chamão talagrepos, de que algũas vezes disse que saõ dignidades supremas naquella gentilidade, & tidos do pouo em reputação de homẽs santos, apos estes veyo o Xemim Pocasser tio do Rey do Bramaa, homem ao que parecia no rosto, de mais de cem annos, & este tambem cuberto de insignias tristes, & cercado de doze mininos pequenos ricamente vestidos, com seus trepados de chaparia aos hombros, o qual despois que cõ muitas cerimonias se debruçou no chaõ tres vezes, a modo de acatamento grandissimo, disse chorando, como que fallaua co defunto.

Bramaas 114(1), 122(1), 149(5), 150(3), 151(4), 152(1), 155(1), 156(1), 163(2), 164(1), 165(1), 166(1), 167(1), 188(3), 190(11), 194(2), 195(2), 196(1), 197(1), 198(1).

Nas orações: 1523, 1637, 2097, 2102, 2103, 2108, 2109, 2114, 2122, 2130, 2135, 2143, 2146, 2152, 2156, 2204, 2226, 2354, 2373, 2407, 2410, 2460, 2476, 2806, 2807, 2838, 2843, 2844, 2847, 2849, 2850, 2852, 2858, 2862, 2924, 2930, 2935, 2948, 2956, 2971, 2989.

  1. [1523](Cap. 114) E abaixo destes doze ha quarẽta Chaẽs, que saõ como Visorreys, a fora outras muitas dignidades mais inferiores, que saõ como Regedores, Gouernadores, Veadores da fazenda, Almirantes, Capitaẽs mores, que se nomeão por Anchacys, Aytaos, Põchacys, Lauteaas, & Chũbins, os quais todos ainda que nesta cidade, que he a corte, saõ mais de quinhentos, nenhum traz estado de menos de duzentos homẽs, & os mais delles, para mayor espanto, saõ gentes estrangeyras de diuersas naçoẽs, dos quais a mayor parte saõ Mogores, Persios, Coraçones, Moẽs, Calaminhãs, Tartaros, & Cauchins, & algũs Bramaas, do Chaleu & Tanguu, porque dos naturais não fazem conta por ser gente fraca, & para pouco, inda que muyto habiles & engenhosos em todo o negocio mecanico, & de agriculturas, & arquiteitos de engenho muyto viuo, & inuẽtores de cousas muito sotis & artificiosas.
  2. [1637](Cap. 122) Estes quatro moços & o Mitaquer que era o que nos guiaua, passaraõ daquy por hum corredor armado sobre vinte & seis colunas de bronzo, & delle entramos em hũa grande sala de madeyra como terecena, na qual estaua muyta gente nobre, em que auia alguns estrangeyros Mogores & Persios, Berdios, Calaminhãs, & Bramaas do Sornau Rey de Sião.
  3. [2097](Cap. 149) Passados cinco dias despois que este Paulo de Seixas veyo da cidade ao arrayal onde cõtou todas estas cousas que tenho dito, vẽdose o Chaubainhaa ja de todo sem remedio, tomou conselho cos seus sobre estes males & desauenturas que cada dia se socedião hũas sobre outras, no qual assentaraõ de darẽ a morte a toda a cousa viua que não pudesse pelejar, & fazerse de todo este sangue hum sacrificio ao Quiay Niuãdel deos das batalhas do campo Vitau, & lançarem no mar todo o tisouro para que seus inimigos se não aproueitassem delle, & apos isso porẽ fogo a toda a cidade, & os que pudessem tomar armas se fazerem a amoucos, & morrerem todos no cãpo pelejando cos Bramaas.
  4. [2102](Cap. 149) O Xemimbrum lho mandou logo por dous Bramaas a cauallo, homens ambos muyto principais, o qual seguro hia nũa folha douro batido em que estaua o sinal del Rey.
  5. [2103](Cap. 149) E ficando estes dous Bramaas em arrefẽs na cidade, o Chaubainhaa lhe mandou hũa carta por hum seu como religioso de idade ja de oitenta annos, que entre elles era tido por homem santo, a qual dezia assi.
  6. [2108](Cap. 149) Passado este dia com grãde aluoroço de todos para se ver esta entrega; logo ao outro pela menham o dopo del Rey, que era a sua estancia, apareceo com oitenta & seys tendas de campo muyto ricas, cada hũa das quais rodeauão trinta elifantes postos em ala de duas fileyras a modo de guerra com seus castellos embãdeyrados, & panouras nas trombas, que por todos eraõ dous mil & quinhentos & oitenta, & doze mil Bramaas de cauallo, com jaezes & cubertas ricas, que tambem por sua ordem fechauão todo o dopo em quatro fileyras, & estes todos armados de cossollettes, & couras, & sayas de malha, & com lanças, treçados, & cofos dourados.
  7. [2109](Cap. 149) E por fora desta gente de cauallo estauão outras quatro fileyras de gente de pé tambem de Bramaas, em que auia mais de vinte mil homẽs, & tudo o mais que restaua do campo, que era gente sem conto, estauão postos por sua ordem em suas capitanias cõ muyta soma de guioẽs & bandeyras ricas, & muyta diuersidade de estromentos que se tocauão, a qual vozaria toda junta fazia tamanho estrondo, que alem de causar grandissimo terror & espanto, não auia ninguem que se pudesse ouuir nem entender com ella.
  8. [2114](Cap. 150) Sendo ja quasi a hũa hora despois do meyo dia se tirou hũa bombarda, ao qual sinal as portas da cidade foraõ logo abertas, & primeyro que tudo começou a sayr a guarda que el Rey o dia dantes lhe mandara pòr, que erão quatro mil Sioẽs & Bramaas, todos arcabuzeyros, & alabardeyros, & piqueyros, com mais trezẽtos elifantes armados, de que era Capitão hũ Bramaa tio del Rey por nome Mõpocasser, Bainhaa da cidade de Meleitay no reyno do Chaleu.
  9. [2122](Cap. 150) A pessoa do Chaubainhaa vinha em hũa elifanta pequena em sinal de pobreza & desprezo do mundo cõforme â religião em que nouamente queria entrar, sem mais outro nenhum fausto, vestido por dó em hũa cabaya de veludo preto muyto comprida, & rapado de nouo de cabeça, barba, & sobrancelhas, & ao pescoço hũa corda de cayro muyto velha, para assi com ella se entregar a el Rey, no aspeito do rosto vinha tão triste que não auia quẽ olhasse para elle que pudesse ter as lagrimas, era de idade de sessenta & dous annos, grande de corpo & bem assombrado, os olhos cançados & tristes, a fisonomia graue & seuera, & o aspeito de principe generoso, o qual tanto que chegou ao terreyro de dẽtro da porta da cidade, onde o estaua esperãdo todo o pouo de molheres, & crianças, & algũs homẽs velhos, em o vendo da maneyra que vinha antes que saisse fora deraõ todos hũa tamanha grita por seys ou sete vezes que parecia que se fundia a terra, & apos isso lamentaçoẽs com grandes vozes & prantos, & bofetadas nos rostros, ferindosse com pedras nas cabeças tãto sem piedade que os mays delles se banhauão no seu proprio sangue, de modo que a horribilidade & a lastima do que aly se via, & ouuia causaua tamanha tristeza em toda a gente, que até os mesmos Bramaas da guarda, gente inimiga, & por natureza robusta, chorauão como crianças.
  10. [2130](Cap. 150) E começando ja os Bramaas da guarda a se encresparem contra nós, meyos arremangados, nos lançaraõ daly fora com assaz de afronta & vituperio nosso.
  11. [2135](Cap. 151) Por ser ja quasi noite quando se acabou de fazer esta entrega, temẽdose el Rey que a gente do campo entrasse na cidade a tomar o saco della para sy, mandou pòr em rodas as portas della que eraõ vinte & quatro, capitaẽs Bramaas que as guardassem, & com pena graue que não consentissem pessoa nenhũa entrar dellas para dentro, até elle não prouer nisso conforme à promessa que tinha feito á gente estrangeyra, a quem tinha prometido de dar campo franco.
  12. [2143](Cap. 151) Logo ao outro dia seguinte despois que a cidade foy saqueada, destruyda, abrasada, & posta por terra, apareceraõ hũa menham sobre o mesmo outeyro onde el Rey estiuera vinte & hũa forcas, as vinte todas de hum teor, & a outra mais pequena armada sobre pilares de pedra, & fechada em roda com grades de pao preto, & por cima hum guardapò cõ grimpas douradas, & cem Bramaas de cauallo que a guardauão, & por fora hũa cerca de vallos muyto largos com muytas bãdeyras pretas salpicadas de gotas de sangue.
  13. [2146](Cap. 151) Apos estes vinhaõ mil & quinhentos Bramaas de cauallo, postos em quatro ordens de fileyras, de seys em seys a fileyra, dos quais era capitão o Talanhagibray Visorrey do Tãgù.
  14. [2152](Cap. 151) Detras desta procissaõ vinha outra guarda de gente de pé tembem de Bramaas, com lanças & frechas, & algũas com arcabuzes.
  15. [2156](Cap. 152) Nesta ordem foy caminhando esta triste gente pelo meyo do arrayal para o lugar onde todos auião de padecer, ao qual chegarão com assaz de trabalho; porque como eraõ molheres fracas de animo, & de forças, & as mais dellas moças & muyto delicadas, a cada passo esmorecião, & chegadas em fim onde estas vinte & hũa forcas estauão, os seys porteyros que hião a cauallo, tornaraõ de nouo a lançar o seu pregão, dizendo em vozes muyto altas, oução & vejão as gentes do mundo a criminosa justiça que manda fazer o Deos viuo Senhor da verdade Rey soberano das nossas cabeças, que quer & lhe praz que morrão todas estas cento & quarenta molheres entregues ao elemento do ar, porque por seu conselho seus maridos & pays se leuãtaraõ cõ esta cidade, & mataraõ por vezes nella doze mil Bramaas do reyno Tanguu.
  16. [2204](Cap. 155) E feito isto, se deu logo ordem ao modo que se auia de ter neste negocio, & fizeraõ capitão desta gente hum tio da Raynha, por nome Manica votau, o qual ajuntando logo todos os cinco mil homẽs que auia na cidade, aquella mesma noite, despois de ser rendido o quarto da modorra sahio pelas duas portas que estauão mais fronteyras â serra, & a cometerão tão determinadamente, que em pouco mais de hũa hora o cãpo se diuidio em mais de cem partes, & a serra foy tomada com as oitenta peças de artilharia, & el Rey ferido, as tranqueyras queimadas, os vallos derrubados, & o Xemim Brum general do campo morto, com mais de quinze mil homẽs, em que entraraõ seiscentos Turcos, & foraõ tomados quarenta elifantes, & outros muytos mortos, & oitocentos Bramaas catiuos, de modo que estes cinco mil amoucos fizeraõ cousa que cem mil homẽs outros por esforçados que foraõ parece que fizeraõ muyto difficultosamente, & recolhendose ja hũa hora ante menham, se não acharaõ mortos dos cinco mil mais que sós setecentos.
  17. [2226](Cap. 156) E com esta determinaçaõ se sayraõ hũa noite que acertou de ser muyto escura, & de grande çarraçaõ & de grande chuua, & dãdo nas primeyras duas estancias que estauão mais juntas cõ a porta do sertão por onde sayrão, as despejaraõ de toda a gente que estaua nellas, & seguindo com seu proposito adiãte como homẽs jâ de todo determinados, & cegos da desesperação, ou desejos de ganharẽ honra & fama onde deixauão as vidas, fizeraõ tanto que o tyranno lhe foy necessario lançarse a nado ao rio para se saluar, & o campo esteue quasi de todo desbaratado, & se diuidio em mais de cem partes, com morte de doze mil homens, em que entrarão mil & quinhẽtos Bramaas, & dous mil estrangeyros de diuersas naçoẽs, & os outros todos Pegùs.
  18. [2354](Cap. 163) Desembarcado o Embaixador em terra, o Campanogrem, que era o Mãdarim que o trazia, o tomou pela mão, & assentado em joelhos o entregou ao outro que o estaua esperando no caiz com grande estado, por nome Patedacão, homem dos principais do gouerno do reyno, & segundo se dezia, de muyta renda & vassallos, o qual despois que com hũa noua cerimonia de cortesia se entregou do Embaixador, lhe offereceo hum elifante que tinha apar de sy, concertado com cadeyra & jaezes douro, mas o Embaixador o não quiz aceitar por muyto que o Mandarim insistio nisso; & mãdando logo trazer outro quasi da mesma maneyra, lho deu, & para nós os noue Portugueses com mais outros cinquenta ou sessenta Bramaas trouxeraõ cauallos em que todos fomos.
  19. [2373](Cap. 163) O que entendendo o Monuagaruu, por quem aly se gouernaua tudo, acenou ao Queitor, que vinha hum pouco detras delle, que fizesse entrar os estrangeyros sómente, & abriudose outra vez as portas para este effeito, começarão de entrar os Bramaas, & nòs os Portugueses, & de volta com nosco foy tanta a gente que cometeo a entrada, que os porteyros todos, que eraõ mais de vinte, tiueraõ assaz de trabalho em fechar as portas, dando muytas pancadas cos bastoẽs que tinhão nas mãos, & ferindo algũs homẽs de muyto respeito, sem auer cousa que pudesse deter o impeto desta enchente com tamanhas gritas & vozaria que metiaõ medo.
  20. [2407](Cap. 164) Ainda que ja isso se certificou nesta terra antigamente pelo dito de hum homem chamado Ioaõ que veyo ter a esta cidade, do qual se escreue que era homem santo, & que fora discipulo doutro que se chamaua Tomè Modeliar, criado de Deos, que os naturais de Dumclee tinhaõ morto, porque pregaua publicamente que Deos se fizera homem, & morrera polos homẽs, cousa que nesta terra fez tamanho abalo em toda a gente, que muytos creraõ ser isto verdade; & outros a maneyra de contrabãdo, por excitação dos grepos da ley do Quiay Figrau deos dos atamos do sol, lhe reprouauão o que dezia, pelo qual foy desterrado desta cidade para o Sauady reyno dos Bramaas, & dahy pelo mesmo caso o foy para a cidade de Digum, onde foy morto, por causa que pregaua disto publicamente, que era certificar que Deos se fizera homem, & se pusera na Cruz pelos homẽs.
  21. [2410](Cap. 165) Em que se dà larga informação deste imperio do Calaminhan, & algũa do reyno de Peguu, & dos Bramaas.
  22. [2460](Cap. 166) E despois que tornarão em seu acordo, o Sapitou que era o capitão delles, em cuja casa se dera o banquete, mandou chamar todos os seus, que serião de trezẽtos homẽs para cima, & põdo o Portuguez, muyto em que lhe pês encima de hũ elifante, o leuarão por toda a cidade acõpanhado de infinita gẽte, cõ muytos tãgeres de trõbetas, & atãbores, & de outros instrumẽtos, & o capitão, & o Embaixador, & nós cõ todos os Bramaas detras delle a pè cõ ramos nas mãos, & dous homẽs a cauallo que em vozes muyto altas hião dizendo, louuay gẽtes cõ alegria os rayos que procedẽ do meyo do sol, que he o deos que nos cria os nossos arrozes, por vos chegar a tẽpo que visseis em vossa terra hũ homẽ tão santo que bebendo mais que quantos naceraõ no mundo, derrubou as principais vinte cabeças da nossa quadrilha, para sua fama ser augmentada em todos os dias, a que toda a turbamulta de que hia acompanhado daua hũa tamanha grita que metia medo.
  23. [2476](Cap. 167) Os nossos puseraõ logo cerco á fortaleza, & no primeyro assalto que lhe derão a entrarão com morte de algũs Bramaas, & de hum só Portuguez, mas muytos ficarão feridos de frechadas, de que em poucos dias foraõ saõs sem perigo nem aleijão de nenhum delles; & entrada a fortaleza, toda a gente della foy metida á espada sem se dar vida mais que ao ladraõ, & a cento & vinte homẽs de sua companhia, os quais trouxeraõ viuos ao Rey do Bramaa, o qual na cidade de Pegû mandou a todos lãçar aos elifantes, que em pouco espaço os esborracharaõ & fizeraõ em muytos pedaços.
  24. [2806](Cap. 188) E tendo já assestadas nella quarenta peças de artilharia grossa, nũa trinchea de doze bestioens ao modo Turquesco, para o outro dia se bater a cidade, chegou hum correyo com cartas a el Rey do Chauseroo senhor de Mouchão, em que lhe dezia que no reyno de Pegù se aleuantara o Xemindoo, & matara quinze mil Bramaas, & tomara as principais forças delle, a qual noua fez em el Rey tamanho abalo, que logo, sem fazer mais nenhũa detença leuantou o cerco, & se retirou para hũa ribeyra que se dezia Pacarou, na qual não se deteue mais que naquella noite, & o outro dia seguinte, em que recolheo a artilharia, & as muniçoens.
  25. [2807](Cap. 188) E fazẽdo pòr o fogo a todas as tranqueyras & estancias do arrayal, se partio para a cidade de Martauão hũa terça feira cinco dias de Oitubro do anno de 1548. & caminhando apressadamente por suas jornadas, em dezassete dias chegou a ella, onde mais largamente foy informado pelo Chalagonim seu capitão, de tudo o que era passado no reyno, & do modo que o Xemindoo tiuera em se fazer Rey, & tomarlhe o tisouro cõ morte dos quinze mil Bramaas; & que nas cidades de Digum, Surião, Dalaa, atè Danapluu tinha alojados quinhentos mil homens, com tençaõ de lhe impidir cõ elles a entrada no reyno, com a qual noua o Rey Bramaa se achou muyto embaraçado, & perafusando comsigo no modo que teria para remediar esta desauentura que tinha por dauãte, se deixou estar aly em Martauão mais algũs dias esperando pelo restãte da sua gente que vinha atras, com proposito de tanto que chegasse yr buscar este inimigo, & aueriguarse com elle por batalha campal, & em sós doze dias que aquy se deteue lhe fugirão de quatrocentos mil homens que aquy tinha comsigo, os cento & vinte mil; porque como todos eraõ Pegùs, & todos desejauão de se verem liures da sojeição dos Bramaas, & o Xemindoo nouo Rey era Peguu como elles, & de condição muito grandioso & liberal em lhes fazer muitas merces, a fora as pagas ordinarias dos seus soldos, & alem disto era manso & afabel para os seus, & tão bem inclinado & largo para todos que nenhũa cousa lhe pedião que logo a não concedesse, cõ isto tinha ganhado tanto as võtades a todos, que nenhũ auia que se não passasse para elle.
  26. [2838](Cap. 190) E continuando el Rey cada dia mais nestas crueldades & sem justiças que nũs & noutros executaua, a cabo de dous meses & meyo que se occupaua nisto, foy certificado que a cidade de Martauão estaua aleuantada cõ morte de dous mil Bramaas, & o Chalagonim capitão della declarado pelo Xemindoo.
  27. [2843](Cap. 190) Este, vendose aleuantado por Rey, a primeyra cousa que fez, foy com aquelle impeto & feruor do pouo, dar nas casas do Rey Bramaa, onde estauão cinco mil Bramaas, & os meteo a todos â espada, sem a nenhũ delles se dar a vida; & o mesmo fez despois a todos os outros que estauão alojados pelos lugares importantes do reyno; & com isto ouue tambem â mão o tisouro del Rey, que não era pequeno.
  28. [2844](Cap. 190) Assi que quantos Bramaas auia no reyno, que eraõ quinze mil foraõ todos mortos, a fora as molheres de todos estes.
  29. [2847](Cap. 190) Sendo (como eu jâ disse) este Rey Bramaa auisado do leuantamento da cidade de Martauão, & da morte dos seus dous mil Bramaas, proueo logo com toda a presteza em mandar vir todos os senhores do reyno com a gente que cada hum tinha de sua obrigação, & para isso lhes deu sós quinze dias de termo, porque a necessidade não sofria mayor dilação, & elle logo ao outro dia se partio aforrado desta cidade Pegù, paraque os seus fizessem o mesmo, & se foy alojar em hũa villa que se dezia Moucham, com fundamento de se deter ahy todos os quinze dias do termo.
  30. [2849](Cap. 190) E tendo por nouas que el Rey estaua então aposentado nas casas de hum pagode, deraõ nellas com muito impeto, em que a fortuna os fauoreceo de tal maneira que o acharão occupado em hũa necessaria, onde o matarão logo muito a seu saluo, & se vierão retirando todos juntos para hum terreyro que estaua fora, no qual, por que jâ a este tempo auia aluoroço na gente da guarda, & a traição era sentida dos que vigiauão, tiuerão hũa grãde briga por espaço de quasi meya hora, em que morreraõ de ambas as partes oitocentos homẽs, de que a mayor parte foraõ Bramaas; & retirandose o Xemim de Çatão cõ obra de quatrocentos dos seus, se foy marchando para hum lugar grande que se dezia Poutel, onde logo se veyo para elle toda a gente daquella comarca, a qual sabendo da morte do Rey Bramaa, a quem todos tinhão grandissimo odio, formou hũ grosso corpo de cinco mil homẽs, & se sahio em busca de tres mil Bramaas que o Rey aly trouxera comsigo, os quais jà a este tempo andauão espalhados por muitas partes, como pasmados & fora de si, pelo qual facilmente foraõ todos mortos naquelle mesmo dia, sem a nenhum se dar a vida, entre os quais foraõ tambem mortos oitenta Portugueses de trezentos que Diogo Soarez aly tinha comsigo, o qual cõ os mais que ficaraõ viuos se entregaraõ a partido por não terem outro remedio, & se lhes outorgou a vida com condiçaõ & juramento que lhe derão, que daly por diante seruiriaõ lealmente o Xemim de Çatão como a seu proprio Rey.
  31. [2850](Cap. 190) Passados noue dias despois deste aleuantamento, vendose este leuantado fauorecido da fortuna, & com muyta gente que já lhe tinha acodido de toda aquella comarca, que em copia se dezia que passarião de trinta mil homens, se leuantou por Rey de Pegù, prometendo de fazer muitas merces aos que o seguissem & acompanhassem ate que de todo ganhasse o reyno, & lançasse os Bramaas fora delle.
  32. [2852](Cap. 190) Dantre aquelles Bramaas que o Xemim de Çatão tinha morto, escapou a caso hum, o qual inda que muyto ferido se lançou ao rio, & passando a nado á outra parte caminhou sem parar toda aquella noite & a outra seguinte com medo dos Pegùs, & ao terceyro dia chegou a hum campo que se dezia Coutasarem pouco mais de hũa legoa da cidade, no qual já achou o Chaumigrem colaço del Rey alojado com hum exercito de cento & oitẽta mil homẽs, dos quais sós os trinta mil eraõ Bramaas, & todos os mais eraõ Pegùs, & estaua ja de caminho para se partir como quebrasse a força da calma, que poderia ser daly a duas horas, & lhe deu conta da morte del Rey, & de tudo o mais que era passado.
  33. [2858](Cap. 190) E com este ardil taõ sagaz & tão dissimulado, despidio de sy todos os cento & cinquenta mil Pegûs em espaço de pouco mais de tres horas, por se temer que se lhes chegasse a noua da morte del Rey, dessem nos trinta mil Bramaas que aly tinha comsigo, dos quais sabia certo que não auião de deixar nenhum com a vida.
  34. [2862](Cap. 190) Passados dous dias despois disto que tenho contado, souberaõ os cento & cinquenta mil Pegûs que o Rey Bramaa era morto, & como erão inimicissimos desta nação, fazendose os cẽto & vinte mil num corpo voltaraõ muito depressa em busca dos trinta mil Bramaas, & jà quãdo chegaraõ á cidade auia tres dias que eraõ partidos; & seguindoos com toda a pressa que puderaõ chegaraõ até hum lugar que se dezia Guinacoutel quarenta legoas adiante, onde acharaõ nouas que auia cinco dias que eraõ passados; pelo qual desesperando de effeituarem seu desejo, que era fazelos a todos em postas, se tornaraõ para donde tinhão partido.
  35. [2924](Cap. 194) E aos noue dias de Março do anno de 1552. abalou do Tanguu, que era a sua patria, com hum exercito de trezentos mil homẽs, de que os cinquenta mil sómente eraõ Bramaas, & todos os mais eraõ Moẽs, Chaleus, Calaminhás, Sauadis, Pamcrùs, & Auaas: assi que destas seis naçoẽs era a mayor parte de toda esta gente, as quais habitaõ pelos rumos de Leste & Lesnordeste o sertão destes reynos, em distancia de mais de quinhentas legoas, como se pode ver num mapa, se a sua graduação estiuer verdadeyra.
  36. [2930](Cap. 194) Porem o Chaumigrem ganhou o lugar que pretendia, & nelle se deixou estar toda aquella noite com boa vigia, & com grandes luminarias de fogo; & tanto que ao outro dia foy menham clara, o Xemindoo Rey dos Pegûs apresentou batalha aos da parte contraria, os quais lha não refusarão, & trauandose hũs cos outros com a furia que o cruel odio traz comsigo, as duas diãteyras, em que vinha a principal gente de ambos os exercitos se trataraõ de maneira, que em pouco mais de meya hora o campo todo ficou assaz acompanhado de corpos mortos, com que os Pégûs começaraõ a mostrar fraqueza, vẽdo então o Xemindoo que os seus, por estarem muyto feridos, hião perdendo muyto do cãpo, os socorreo com hũ corpo de tres mil elifantes, com que deu nos setenta mil de cauallo tanto sem medo, que os Bramaas tornaraõ a perder tudo o que tinhaõ ganhado.
  37. [2935](Cap. 195) E despois que os soldados ficaraõ nesta parte bem satisfeitos, o nouo Rey deste misero reyno abalou daly do lugar daquella vitoria para a cidade Pégù que estaua daly pouco mais de tres legoas, & não querẽdo entrar nella aquelle mesmo dia por alguns respeitos que aquy se declararaõ, se alojou á vista della, em distancia de pouco mais de meya legoa, em hũ campo que se dezia Sunday patir, onde despois de alojado proueo na guarda das vinte & quatro portas, mandando pòr a cada hũa dellas hum capitão Bramas com quinhentos de cauallo, aquy se deteue cinco dias sem acabar de se resoluer em entrar na cidade, pelo receyo que tinha do saco que os estrãgeyros lhe requerião, & a que lhe elle estaua obrigado por hum concerto que no Tanguu fizera com elles, & como he custume ordinario da gente da guerra que viue por seu soldo não ter respeito a outra cousa mais que ao interesse que espera, vendo estas seis naçoẽs esta dilaçaõ del Rey em entrar na cidade, que ellas muyto mal sofrião, se vieraõ tres dellas a amotinar por conselho de hum Portuguez que andaua com elles, por nome Christouão Sarmento natural de Bargança, homem de espritos altiuos, & muyto bom capitão & esforçado de sua pessoa; o qual motim foy em tanto crecimento que ao Rey Bramas, por se não perder de todo, lhe foy forçado retirarse para hũ pagode de grandes officinas, õde se fez forte cos seus Bramaas ate o outro dia âs noue horas que o negocio por meyo de tregoas teue pequena de quietaçaõ, na qual el Rey lhes descubrio sua tenção, dizendo em altas vozes de cima do muro paraque todos o ouuissem.
  38. [2948](Cap. 195) Hum mao homem da nação de vosoutros, botando hũa faisca do seu infernal peito, bafejada pela fornalha da maldita discordia, amotinou tres naçoẽs estrangeyras de Chaloẽs, Meleitais, & Sauadis, no cãpo del Rey meu senhor, de que foy causa a maldade & a cubiça do amutinador & dos amotinados, & o mal que daquy resultou chegou a tanto, que o cãpo esteue quasi de todo perdido, cõ morte de tres mil Bramaas, & a pessoa real se vio posta em tanto trabalho & perigo, que lhe foy necessario retirarse para hũ forte, no qual esteue tres dias, & inda agora fica nelle sem ousar de se fiar de nenhũa nação estrangeyra.
  39. [2956](Cap. 196) Gonçallo Pacheco & Nuno Fernandez cos mais Portugueses chegaraõ ao arrayal jâ cõ hũa hora de sol, & el Rey os mandou receber por Gibraidãosedaa senhor do Meidoo, hũ dos principais capitaẽs Bramaas que aly tinha comsigo, & de que muyto se fiaua, o qual vinha acompanhado de mais de cento de cauallo, com seis porteyros de maças.
  40. [2971](Cap. 197) E despidindo para isto algũs capitaens, escreueo aos pouos muytas cartas de amor, em que lhes chamaua por algũas vezes filhos da minha alma, dãdolhe por ellas perdão do passado, & prometendo com juramento solenne que daly por diante os sustentaria a todos em paz & quietaçaõ, & lhes faria sempre justiça em tudo sem lhes lançar nunca peita, nem lhes fazer outra opressaõ algũa, mas antes em tudo lhes faria nouas merces como aos proprios Bramaas que o seruião na guerra.
  41. [2989](Cap. 198) Detras destes hia hũa companhia de quinhentos Bramaas de cauallo.

Bramas 153(1), 170(1), 190(1), 195(2).

Nas orações: 2173, 2555, 2841, 2935.

  1. [2173](Cap. 153) Este Gonçalo Falcão quiçà parecendolhe que por aquy se confirmaria na graça do Rey do Bramaa, para quem no cerco se tinha passado, deixando o Chaubainhaa a quem antes seruia, passados sós tres dias depois da partida del Rey se foy a este seu Gouernador, & lhe disse que era eu aly vindo com hũa embaixada do Capitão de Malaca para o Chaubainhaa, em que lhe mandaua offerecer muyta gente contra o Rey do Bramaa, por quem a terra então estaua, para fazer fortaleza em Martauão, & lançar os Bramas fora do reyno, & outras tantas cousas a este modo, que o Gouernador me mandou logo prẽder, & despois de me ter posto a bom recado, se foy ao junco em que eu tinha vindo de Malaca, & lançou mão por elle com toda a fazenda que tinha dentro, que valeria mais de cem mil cruzados, & prendeo o Necodá capitão & senhorio do junco com todos os mais que achou nelle, que foraõ cento & sessenta & quatro pessoas, em que entrauão quarenta mercadores ricos Malayos & Menancabos, Mouros & Gẽtios naturais de Malaca, os quais logo assi em breue foraõ sentenciados na perda das fazendas, & que ficassem catiuos del Rey assi como eu, por serẽ consentidores & encubridores da traição que o Capitão de Malaca trataua em segredo co Chaubainhaa cõtra el Rey do Bramaa.
  2. [2555](Cap. 170) Pelo que vendose os de dentro tão afrontados, & com tanta perda dos seus, se determinaraõ como homens muyto esforçados a venderẽ bẽ suas vidas a seus inimigos, & saindo hũa antemenhã pelos lanços do muro que a artilharia tinha derrubado, derão nos do cãpo tanto sem medo, que em menos de hũa hora o exercito do Bramas esteue quasi de todo desbaratado, & por ser ja quasi menham clara os Sauadis se recolherão â cidade, deixando mortos oito mil dos inimigos, & em muyto breue tempo repairaraõ os dous lanços do muro caidos com hum contramuro terraplenado de entulho de vigas & terra & faxina que não auia despois artilharia que o pudesse passar.
  3. [2841](Cap. 190) E assi no tempo que o Rey Bramaa foy sobre o reyno de Sião, & após cerco à cidade de Odiaa, como atras fica dito, pregando o Xemindoo então na varella do Comquiay de Pegù, que he como See de todas as outras, a hum grande concurso de gente, lhe tratou com muytas palauras da perdição daquelle reyno, da morte do seu Rey natural, & dos grandes insultos, crueis mortes, & outros muytos males que os Bramas tinhão feito naquella nação Pegua, com tanto desacatamento & offensa de Deos, que até as casas ricas, instituidas com as esmollas dos bons para templos de seu louuor, erão ja por elles todas assolladas, & postas por terra.
  4. [2935](Cap. 195) E despois que os soldados ficaraõ nesta parte bem satisfeitos, o nouo Rey deste misero reyno abalou daly do lugar daquella vitoria para a cidade Pégù que estaua daly pouco mais de tres legoas, & não querẽdo entrar nella aquelle mesmo dia por alguns respeitos que aquy se declararaõ, se alojou á vista della, em distancia de pouco mais de meya legoa, em hũ campo que se dezia Sunday patir, onde despois de alojado proueo na guarda das vinte & quatro portas, mandando pòr a cada hũa dellas hum capitão Bramas com quinhentos de cauallo, aquy se deteue cinco dias sem acabar de se resoluer em entrar na cidade, pelo receyo que tinha do saco que os estrãgeyros lhe requerião, & a que lhe elle estaua obrigado por hum concerto que no Tanguu fizera com elles, & como he custume ordinario da gente da guerra que viue por seu soldo não ter respeito a outra cousa mais que ao interesse que espera, vendo estas seis naçoẽs esta dilaçaõ del Rey em entrar na cidade, que ellas muyto mal sofrião, se vieraõ tres dellas a amotinar por conselho de hum Portuguez que andaua com elles, por nome Christouão Sarmento natural de Bargança, homem de espritos altiuos, & muyto bom capitão & esforçado de sua pessoa; o qual motim foy em tanto crecimento que ao Rey Bramas, por se não perder de todo, lhe foy forçado retirarse para hũ pagode de grandes officinas, õde se fez forte cos seus Bramaas ate o outro dia âs noue horas que o negocio por meyo de tregoas teue pequena de quietaçaõ, na qual el Rey lhes descubrio sua tenção, dizendo em altas vozes de cima do muro paraque todos o ouuissem.

Bramâs 149(1), 152(1).

Nas orações: 2111, 2165.

  1. [2111](Cap. 149) E querendo este Rey Bramaa por grandeza de estado festejar esta entrega do Chaubainhaa, mandou que todos os capitaẽs estrangeyros com sua gente armada & vestida de festa se pusessem em duas fileyras a modo de rua para vir por ella o Chaubainhaa, o que logo foy feito, & esta rua tomaua desda porta da cidade até a sua tenda que seria distancia de dous terços de legoa, na qual rua estauão trinta & seys mil estrangeyros, de quarenta & duas naçoẽs, em que auia Portugueses, Gregos, Venezeanos, Turcos, Ianiçaros, Iudeus, Armenios, Tartaros, Mogores, Abexins, Raizbutos, Nobins, Coraçones, Persas, Tuparaas, Gizares, Tanocos da Arabia Felix, Malauares, Iaos, Achẽs, Moẽs, Siames, Lusoẽs da ilha Borneo, Chacomaas, Arracoẽs, Predins, Papuaas, Selebres, Mindanaos, Pegùs, Bramâs, Chaloẽs, Iaquesaloẽs, Sauadis, Tãgus, Calaminhãs, Chaleus, Andamoens, Bengalas, Guzarates, Andraguirees, Menancabos, & outros muytos mais a que não soube os nomes.
  2. [2165](Cap. 152) Ao qual lastimoso & cruellissimo espectaculo se leuantou em todo o pouo hum tamanho tumulto de gritos & vozes que a terra tremia debaixo dos peis, & no campo se aleuantou hum motim com que elle esteue tão reuolto & baralhado, que a el Rey lhe foy necessario fazerse forte na sua estancia cõ seis mil Bramâs de cauallo & trinta mil de pé, & ainda assi estaua bem cheyo de medo do que sẽpre arreceou que ouuesse, como ouuera de ser se a noite o não estoruara, porque não auia cousa que bastasse aquietar a gente, porque dos setecentos mil homẽs que auia no arrayal, os seiscentos mil eraõ Pegùs, de cujo Rey aquella Raynha fora filha, mas traziaos este Bramaa tão sogigados & tão cortados do ferro, que não ousauão de leuantar os olhos.

Bramás 150(1), 159(1).

Nas orações: 2121, 2261.

  1. [2121](Cap. 150) Logo apos esta desconsolada companhia vinha outra guarda de gente de pé, & na reçaga de tudo vinhão obra de quinhentos Bramás de cauallo.
  2. [2261](Cap. 159) Hum destes se fez no dia da Lũa noua de Dezẽbro, que foy aos noue do mes, & he o dia em que esta gentilidade custuma a celebrar hũa festa a que a gente desta terra chama Massunteriuoo, & os Iapoẽs lhe chamão Forioo, & os Chins Manejoo, & os Lequios Chãpàs, & os Cauchins Ampatilor, & os Siames, Bramás, Pafuâs, & Çacotais lhe chamão Sansaporau de maneyra que ainda que pela diuersidade das lingoas os nomes em sy saõ differentes, todos na nossa lingoagem querem dizer hũa mesma cousa, que he memoria de todos os mortos.

Bramàs 165(1).

Nas orações: 2418.

  1. [2418](Cap. 165) Dos quais treze estados os onze saõ ja senhoreados de outras naçoẽs, que por distancia doutra maior terra cingem por cima toda esta corda dos Bramàs, na qual habitão dous grandes Emperadores, hũ por nome Siammon, & outro este Calaminhan, do qual agora determino de tratar somẽte.

Bramau 198(1).

Nas orações: 2992.

  1. [2992](Cap. 198) E passando assi pelas principaes doze ruas da cidade, em que auia gente infinita, chegou jâ por derradeyro a hũa que se dezia Sabambainhaa, que era a por onde elle sayra (como eu atras disse) auia vinte & oito dias sômente, quando se foy ver em campo com este Bramau.

Bramá 200(2).

Nas orações: 3015, 3019.

  1. [3015](Cap. 200) A morte daquelle bom Rey de Sião, & o adulterio daquella mà Raynha sua molher, de que atrás dey larga cõta foraõ a raiz & o principio de tantas discordias, & de tãtas & taõ crueis guerras quãtas ouue nestes dous reinos de Pégù & de Sião, as quais duraraõ tres annos & meyo cõ tanto custo, assi de sangue como de fazẽda, como se tem visto no que ategora tenho cõtado, cujo fim foy ficar o Chaumigrẽ Rey do Bramá senhor absoluto do reyno de Pégù.
  2. [3019](Cap. 200) Despois que estas reuoltas que atras disse, foraõ todas quietas, Gõçallo Pacheco se despidio desta cidade Pègù, cõ todos os mais Portugueses que nella estauamos, a quẽ este nouo Rey Bramá tinha libertado, da maneira que atras fica dito, mãdandolhe entregar liuremẽte suas fazedas, & fazendolhe outras muitas merces, assi de honras como de liberdades, & nos embarcamos todos os cento & sessenta Portugueses em cinco naos que neste tẽpo estauão no porto de Cosmim, cidade das principais deste reyno, & nellas nos espalhamos, como peregrinos que somos na India, por diuersas partes, onde a cada hũ lhe parecia que poderia fazer milhor seu proueito.

Bramà 200(1).

Nas orações: 3016.

  1. [3016](Cap. 200) Porẽ agora não tratarey mais delle, & daquy por diãte direy o que socedeo noutras partes até o tẽpo em que este mesmo Chaumigrẽ Rey Bramà tornou sobre o reyno de Sião cõ hũ taõ grosso exercito de gẽte quãto outro Rey nenhũ nũca ajũtou na India, que foy de hũ cõto & setecẽtos mil homẽs, & dezasseis mil elifantes, noue mil da bagage, & sete mil de peleja.

(2) Objecto geográfico interpretado

Reino. Parte de: Indico Oriental.

Referente contemporâneo: Union of Burma, Myanmar [Burma] (AS). Lat. 21.000000, long. 96.000000.

Reino, gentílico. A Peregrinação descreve como vai evoluindo este reino, a nação Bramaa, cingida pelas terras do Calaminham e Siammon, conquistou também o Pegu. Como gentílico refere-se a Tanguu e ao Chaleu, pelo que situo seguindo também GT s.v. Brama, reino de na bacia central do Irrawady.

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